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Entrevista aos Gaerea


Em finais de abril / inícios de maio, a Season of Mist e os Gaerea convidaram a imprensa nacional e internacional para um evento exclusivo, no dia 17 de maio, que incluía a audição do novo álbum. Como é evidente, a Metal Imperium aceitou o convite e teve o prazer de ouvir o álbum “Mirage” em primeira mão e de privar com os elementos desta bem-sucedida banda portuense.
Esta extensa entrevista ocorreu em dois momentos: o primeiro foi no evento e o segundo foi uns dias antes do lançamento do álbum.

M.I. - Nesta listening session quase não tem imprensa portuguesa! Porquê?

Porque as pessoas não estavam interessadas!


M.I. – Talvez por ser um evento durante a semana?!

Também, também! Isto é uma boa altura para conhecermos as pessoas. Nós já trabalhamos juntos de certeza ou já escreveram sobre nós! Claro que quanto mais imprensa portuguesa, melhor, mas é o que temos!


M.I. – De quem foi a ideia desta listening session e qual era o vosso objetivo ao fazê-la?

A ideia foi minha e mais um ou duas pessoas da produção. Este sítio até é bastante recente e eles estavam abertos a trabalharem com bandas, com cenas mais indie, então porque não tentarmos por o Black Metal no mapa? Tentamos fazer uma parceria com eles. Eles queriam um evento, um concerto. Mas nós não queremos dar um concerto para já em Portugal. E lembramo-nos, a gente vai lançar um álbum, porque não fazemos um evento super fixe e convidamos pessoas da imprensa para nos ajudarem a fazer esse evento, não totalmente premium, mas com amigos e com as pessoas certas para ouvirmos o álbum e falarmos com elas?!


M.I. – E este Cathartic Black Metal funciona para vocês, principalmente para ti, já que és o responsável pela maior parte das letras? É a tua “ajuda especializada” para a saúde mental?

Não me considero uma pessoa que precise de catalisar as letras ou as músicas para me ajudar a viver, mas é como se fosse uma experiência social em que criamos este mundo e em cada álbum mexemos qualquer coisinha e a imaginação leva-nos a respostas. Não deixa de ser um mundo fantástico criado por nós com base em experiências que vamos vivendo. Há músicas sobre pessoas concretas que nós conhecemos ou vimos na rua. Como eu sempre disse, isto não é uma banda de auto-ajuda, que nos ajude a viver ou a sobreviver momentos de depressão, porque não somos pessoas assim, mas não tem mal nenhum termos pessoas que vêm ter connosco a dizer “A vossa música ajudou-me bué, porque, durante a pandemia, tive um amigo que se suicidou e a vossa música ajudou-me imenso!”. É a parte boa da arte, isto não é nenhuma ciência que tem um significado concreto. Se eu posso ler um verso e ele “fala” para mim sobre algo que eu estou a viver, é poético... a beleza da arte é isso, tanto num quadro, como num filme, como na música. É a parte em que podemos vivenciar a música com base na nossa experiência!


M.I. – Mas a pandemia afetou-vos nesse aspeto, mentalmente?

Não, não! Lidamos bastante bem com a situação e tentamos compensar a ausência de concertos com conteúdo na internet. Fora isso, não afetou nada!


M.I. – Faziam ensaios presenciais ou online?

Felizmente, fazíamos ensaios presenciais. Ensaiávamos duas vezes por semana e isso, se calhar, ajudou-nos a não ter esses momentos de rutura, por isso foi bom. Apesar de nós não sermos os melhores amigos e pessoas que saem à noite juntos, os momentos em que estamos juntos, ajudam-nos a sermos melhores pessoas em banda. Faz com que nós não nos sintamos tão sozinhos artisticamente. Acabou por nos ajudar um pouco, porque na pandemia não deu para ir em tour! É uma merda, mas decidimos que não íamos parar e íamos voltar fazer videoclips, tirar fotos...


M.I. – Neste caso, a pandemia quase promoveu a criatividade, certo?

Mais ou menos! A inspiração para o “Mirage” surgiu e nem era suposto ter surgido ainda.


M.I. – Sim, porque o “Limbo” saiu em 2021 e não era suposto lançarem novo álbum em 2022!

Exato, mas aproveitamos a onda... não íamos dizer, não é a altura! Aconteceu, foi bué rápido!


M.I. – Mas o que é que o inspirou?

Não sei... acho que a inspiração é assim! Para letras ainda há coisas que te conseguia dizer, olha isto inspirou-nos. Para música...


M.I. – Mas tu escreves a letra e todos contribuem com música ou já tens uma ideia...

Não, a música já está toda escrita. A base da letra, o conceito em si já existe antes do instrumental. Eu penso, este álbum gostava que fosse sobre isto, e isso ajuda a desbloquear a música mas não há uma letra propriamente dita. Há um conceito em texto, depois vem a música e depois é que vem a letra. É um “work in progress”. No Limbo, há coisas que se escreveram e eu ainda estou a pensar nelas e há outras coisas que só estou a descobrir agora que conseguimos fazer tours, porque o pessoal fala “Ah, aquela cena que vocês escreveram...” e faz-nos refletir sobre isso. O álbum não acaba a partir do momento que está fechado num CD, connosco é assim! Cresce, porque continuas a pensar naquilo! Há uma coisa que a gente põe e há uma espécie de imaginação da sociedade deturpada, não acaba ali, é algo que vais experienciando e que nos ajuda a perceber algumas das ideias que já estavam escritas. Até a forma como criamos a setlist, como contamos a história na setlist, acaba por viver nessas coisas também.


M.I. – Falas em setlist. Recentemente vocês perguntaram aos fãs qual era a dream setlist deles. Coincide com a vossa?

É mais ou menos parecida. No Limbo há duas músicas que não só são grandes, mas são demasiado especiais para nós as querermos tocar todas as noites: “To Ain” e “Mare”, principalmente a “Mare”. São demasiado especiais e têm demasiadas coisas que se correrem mal, nós podemos mesmo deixar de gostar delas, e nós não queremos isso! Se calhar é por isso que tentamos guardar algumas coisas para nós, porque há muitas mais músicas, mas temos de pensar nas condições que vamos ter na tour, no som, na luz e temos de estar muito confortáveis a nível mental para chegarmos aquele momento e conseguirmos pegar num tema que é grande, é uma odisseia, tem muitas camadas e não podemos fazer isto todas as noites em palco numa tournée que não nos dá as condições de que precisamos.


M.I. – Mas então vocês decidem no dia se as vão incluir ou não?

Ah, não! Com muita antecedência!


M.I. – Mas como é que sabem se no espetáculo X, Y, Z vão ter as condições para tal? E agora, nestas tournées, estão a focar-se no “Limbo” ou já estão a inserir temas do novo álbum?

Nós já sabemos quando é que vamos tocar temas novos, já sabemos esse “schedule”. Para já não estamos a tocar nada do novo álbum porque é tudo “secreto”.


M.I. – E como é que sabem se vão ter as condições para tocar esses temas?

Não é só uma questão de condições! A “Mare” é um tema demasiado intimista para a estarmos a replicar com toda a energia, durante uma tournée, sempre da mesma forma. Há músicas que são demasiado únicas. A “Dormant” é um ótimo tema, mas raramente o vamos tocar ao vivo, porque é mais um tema tipo “Mare”, é uma música que queremos por num “pódio” e considerá-lo um tema especial e, se é um tema especial, nós não temos de o tocar sempre. São temas demasiado únicos para os tocarmos sempre mas, em momentos chave da banda, claro que vão lá estar.


M.I. – E vocês agora tanto estão 4 como estão 5. Já sei que tu fazes de 5.º quando ele não está. Como lidas com isso? É fácil ser guitarrista e vocalista ao mesmo tempo?

É como sempre foi! Eu comecei esta banda sozinho e, com todo o crédito para as pessoas que estão comigo, esta banda foi idealizada por uma só pessoa. E não houve problema nenhum, em nenhum momento, quando ficamos só 4. Oficialmente não somos 4, somos 5. Este ano vai ser um ano de transição em que vamos perceber como é que vamos fazer o reshape desta banda. Há momentos, como nas tours grandes, em que vamos ser 5.


M.I. – Já sabem quem é o quinto elemento então?

Já! Enfim, não houve problema nenhum em assumir as rédeas, até porque no Reino Unido houve momentos em que percebemos “que se f@da a guitarra”! Para este projeto é necessária a presença do frontman sem nada nos braços, ele tem de se poder focar na teatralidade. A banda depene muito da presença desse frontman ao vivo! Não é que nós achemos que os concertos tenham corrido mal, mas temos noção que teriam corrido melhor sem a guitarra ali! É simplesmente algo que vamos perceber ao longo que a banda caminha. O facto de sermos 4 ou 5, nem sequer pode ser considerado positivo ou negativo, é um momento de transição e de desafio. Não há aqui drama nenhum, é muito “vamos fazer isto acontecer e anda para a frente”.


M.I. – Já vos perguntei isto e a resposta foi negativa, mas porque é que não querem revelar as vossas identidades? Com este calor, deve ser sufocante e desconfortável estar em palco com as máscaras! (risos)

(Risos) É mesmo por causa disso! Nós não conseguimos fazer o espetáculo que fazemos se estivermos altamente confortáveis! Faz parte! Chegas aquele estado mental e já não sentes nada, não vês o público, porque a máscara só dá para ver o suficiente para conseguires tocar! Por isso é que nós ensaiamos duas vezes por semana, para conseguirmos tocar bem o suficiente em momentos em que não se vê nada, para conseguirmos fazer uma boa performance. A partir da segunda ou terceira música, uma pessoa já não vê nada e parece que entras em modo sobrevivência porque não respiras, por causa da máscara, não vês nada, mas também faz com que a coisa seja um bocadinho mais primitiva.


M.I. – Bem, ninguém estava à espera que vocês conseguissem superar o “Limbo” e, hoje, a opinião geral é que de facto “Mirage” é superior. Até a Jessica (promotora da banda) me disse que não sabe como é que vão fazer porque vocês elevaram a fasquia!

Ai, é bom que saiba! É bom que saiba! (Risos)


M.I. – É uma maneira de falar! Vocês elevaram a fasquia e o terceiro álbum acaba por ser uma prova de fogo!

Não acho muito necessário comparar uns álbuns com os outros, cada um tem a sua identidade! Estamos confiantes a nível da receção a este álbum, acho que trabalhamos para isso! Desde o primeiro álbum até chegarmos aqui, tudo foi crescendo.


M.I. – Sim, vocês, em poucos anos, atingiram um estatuto que muitas bandas esperam atingir e não conseguem. Este estrelato súbito, esta fama, como é que mexe convosco e com a vossa vida? Esperavam chegar aonde chegaram assim tão rápido?

Nós trabalhamos para isso! Eu acho que se trabalhares com esse mindset, consegues as coisas! É como tudo! Nós queremos uma coisa, grande parte do tempo é para aquilo e nós trabalhamos para esta banda todos os dias, mais de metade do meu dia é para isto. É dedicarmos grande parte do nosso tempo à banda e também as nossas vidas terem-se moldado para que isto seja possível. É sacrificar namoradas e vidas. Nós temos entre 24 e 28 anos, esta idade em que as pessoas já querem ter uma vida mais estável, trabalho fixo, não querem estar a abdicar de tantas coisas, passar tantos dias na estrada, nós sentimos que cada mais queremos isso... estamos a chegar a um momento em que é tudo ou nada agora, percebes?


M.I. – Mas tudo isto também é uma experiência única, certo? Quem pode dizer que tocou ao vivo na China ou andou em tournée pelo mundo?! Quase ninguém!

Mas há momentos em que estamos no sítio certo e respondemos no tempo certo àquele convite! Mas, se há coisa que esta banda nunca teve, foi sorte. Para conseguirmos trilhar o novo caminho e chegarmos a esta editora, foi f@dido! (risos)


M.I. – E tu agora estás a trabalhar com eles! Isso facilita-vos o trabalho ou sentem mais pressão?

É muito mais trabalhoso, porque são muitas mais pessoas com quem estás a trabalhar diariamente. Eu recebo imensos emails diariamente. Isto são tudo coisas que fazíamos ao nosso ritmo mas, agora, temos mais pessoas a querer trabalhar connosco.


M.I. – Mas esses conhecimentos também são uma vantagem!

Claro que são uma vantagem! Uma vantagem incrível! Trabalhamos para lá chegar! A Season of Mist ajudou-nos imenso a trazer hoje pessoas aqui. Nós não tínhamos estes contactos! Nós dissemos-lhes que já tínhamos dois videoclipes prontos, as esculturas, fizemos todo este pacote incrível, porque, às vezes, as promotoras dizem “Metemos o álbum a tocar num bar e siga!”. Mas isso nós já fizemos na Bunker Store com o outro álbum! Vamos fazer um super evento, a melhor coisa que a gente consiga dentro de um orçamento que vimos com a editora. Da nossa parte também investimos muito: fizemos as máscaras, chamamos pessoas, procuramos um hotel, um sítio certo para tentarmos fazer o melhor possível! Ou seja, é muito mais trabalho agora, porque estamos num patamar e não queremos ir abaixo disto, porque queremos agradar a estas pessoas, porque vem a Metal Imperium, o Frank da Metal Injection não pode vir, vem a Metal Hammer, vem esta malta fixe e eles querem ser bem recebidos e querem ver coisas fixes e vão ficar muito contentes se virem dois videoclipes. É muito melhor do que por ali o álbum e dizer “Pessoal, ouçam isto!”.

(4 meses depois!)


M.I. – Então, o que é feito dos Gaerea? Como foi este verão?

Nós estivemos um mês inteiro fora de casa e vida ficou toda em pausa durante um bocadinho e, agora, temos que repescar um bocadinho da nossa vida pessoal e prepararmo-nos para aquilo que temos no final deste mês. Vai ser um final de ano um bocadinho caótico, mas enfim é o que a gente quer fazer, por isso estamos contentes.


M.I. - Exato e tocaram ao vivo os três singles que já estão lançados?

Não! O tema “Mirage” saiu dois dias depois do último festival e nós não o tocamos ainda, mas tocamos a “Mantle” e a “Salve” nestes festivais.


M.I. – E como é que pessoal reagiu?

Bem! A reação a este álbum está bastante superior aquilo que eu achava que poderia ser e até bastante superior à reação que tivemos no “Limbo” há dois anos.
Mas, nota-se que as pessoas conhecem os temas, estão a par do que estamos a fazer, mas há muitas pessoas que são apanhadas de surpresa porque estamos a consolidar o nosso nome e, principalmente nestes festivais tão grandes, há muita gente que não nos conhece. Quem segue o nosso trabalho, quem está a acompanhar a promoção do álbum, reconhece as músicas e nota-se um acréscimo de ânimo quando tocamos estes temas. Estamos a colocá-los em momentos específicos no set para também conseguirmos notar se o concerto cresce com estes temas e a verdade é que isso se tem verificado. Por isso, tem sido importante tocar estes temas, não precisávamos de os tocar já, mas queríamos também testar a reação do público e tem sido bastante positivo.


M.I. - Como é que foi tocar usando as vossas máscaras em dias de um calor intenso? Como é que conseguiram sobreviver?

Bem, se calhar o pior festival a nível de condições climatéricas que fizemos este ano, talvez até tenha sido o VOA! O palco do VOA era virado para poente e aquilo foi um bocadinho complicado, mas, fora isso, normalmente tocar de dia em palcos grandes não costuma ser o problema! O problema é mesmo tocar em palcos pequenos em ambientes fechados, com pouca luz, fica mais complicado mas, quando estamos ao ar livre, não costuma ser um grande problema!


M.I. - Vocês lançaram o vídeo de “Mantle” no fim de julho e, no início de agosto, veio uma banda portuguesa acusar-vos de terem copiado o conceito que eles tinham criado em 2021 para um dos temas deles. Estais a par desta situação?

Estamos e não comentamos!


M.I. – Ok! Sentem que há alguma inveja por causa do vosso esforço, do vosso trabalho e sucesso, por serem uns rapazes tão jovens e já terem alcançado tanto? Achas que a mentalidade de alguns portugueses está a impedi-los de perceber que vocês são mesmo bons?

Nós tentamos ao máximo não nos focarmos, no nosso ambiente de banda, neste tipo de assuntos, porque acho que é uma coisa que deteriora o nosso método de trabalho! Quanto menos tempo passarmos a comentar o que os outros acham, o que as pessoas dizem, melhor, porque sempre que se fala em coisas negativas cria-se um ambiente estranho. Nunca é produtivo e isso é uma coisa que nós todos concordamos que não faríamos e guardamos as nossas opiniões para cada um de nós ou para quando estamos em ambiente de banda. Mas sim, por um lado é triste, por outro é normal, eu acho que isso acontece com todas as bandas que conseguem alguma coisinha pelo seu trabalho, ou por sorte, ou seja o que for, quando alguém consegue algum bocadinho, há sempre um grupo de pessoas que não gosta, porque não consegue perceber como é que essa pessoa chegou a esse patamar ou a esse objetivo. A nossa reação normal como humanos é sempre tentar deteriorar o objetivo dessa pessoa. Eu acho que aqui é mais ou menos igual! Nós notamos isso um pouco porque somos de cá, mas a verdade é que qualquer outra banda de outro país também nota isso nos seus países. Em países bastante desenvolvidos como a Alemanha ou a Holanda existem casos assim. Eu acho que faz tudo parte do crescimento que nós estamos a ter, e eu sou o mais honesto possível e também me considero um bocadinho modesto neste ponto: tudo o que nós temos, nós fizemos para o ter e trabalhamos muito para o ter, nada nos caiu no regaço, nunca descobrimos a galinha dos ovos de ouro com esta banda ou ainda não descobrimos, por isso, tudo aquilo que a gente tem é fruto do nosso trabalho! Se há pessoas que não gostam, se acham que fizemos assim ou que copiamos... isso fica para cada um... e eu, pessoalmente, não tenho tempo nem paciência para este tipo de comentários nem discussões, porque acho que é mesmo uma perda de tempo e, no final, ninguém ganha nada com isto! Não traz produtividade nenhuma, não é sequer um debate, é só um ataque, e acho que já temos tanto disso no mundo, que se tivéssemos agora a levar isso para as artes, era um descalabro. Enfim, é isto que eu acho.


M.I. - “Unsettling Whispers”, que é o vosso primeiro álbum, tem 41 minutos e 45 segundos e o “Limbo” tem 51 minutos e 44 segundos. São os mesmos números. É uma coincidência ou tem algum significado por trás disto?

Não, eu acho que é a primeira vez que estou a ouvir isso! Fantástico! Nem de propósito! Não, não tem significado nenhum, simplesmente calhou. Nós ligamos muito à nossa numerologia na banda, às datas em que fazemos as coisas, lembramos sempre de tudo, mas não, acho que não vamos tão longe!


M.I. - Então qual é a importância da data de lançamento do “Mirage”?

Não é que esta data em específico tenha um cariz emocional, vai ter a partir de agora. É a data de lançamento do álbum por causa das logísticas todas de lançar um disco. Podia ser o 23 ou o 15, a verdade é que nós queríamos lançar o álbum em setembro, porque vamos para a estrada uma semana depois. Era a altura ideal para conseguirmos testar os singles durante o verão, que foi o que fizemos e era a altura ideal também para arrancarmos nestes três ou quatro meses em que quase não vamos estar em casa. Ou seja, vamos ter um álbum, vamos ter as tours todas que se seguem logo a seguir ao álbum, vamos estar na estrada com ele, ou seja, vamos ter tudo nas nossas mãos para podermos fazer tudo aquilo que não conseguimos fazer com o “Limbo”, ou que não conseguimos fazer na altura do “Unsettling”, porque estávamos num patamar muito pequeno. Finalmente, eu acho que os planetas se alinharam para encontrarmos uma altura do ano em que conseguimos fazer uma rajada de coisas interessantes a partir de maio, começou com a nossa listening session, e a partir daí foi sempre uma escadaria de acontecimentos importantes com os lançamentos das músicas, tocar nos palcos que pisamos neste verão, com estas tours que vamos fazer na América Latina e a maior tour europeia que alguma vez fizemos, e que vai acontecer no final deste mês. Ou seja, o 23 para já não tem nenhum significado especial, mas vai ter a partir de agora. Imagina como o ano passado fizemos o evento da “Fifth Supper” a 12 de novembro, tem sempre a ver com a data lançamento do primeiro EP a 12 de novembro ou 11 de novembro de 2016. Se chegarmos a fechar os 10 anos do “Mirage” ou algo do género, vou ter sempre em mente essa altura de setembro, porque nós ligamos a isso mas, para já, é só mais uma data que vai ficar marcada na nossa carreira e que, a partir de agora, vai criar aquela ligação emocional com a data.


M.I. - Tu falaste da “Fifth Supper”, foi projetado agora em Bergen. Vocês estiveram presentes?

Não, eu estive quase para ir, mas já estávamos na estrada, tínhamos de fazer ensaios para o PartySan. Ia ser uma logística bastante complicada só para uma tarde... uma tarde que se revelou bastante produtiva. A editora esteve lá, ou seja estávamos sempre bem entregues, por isso é que confiei. Mas se soubesse que ia correu tão bem, talvez tivesse feito essa viagem maluca, porque acabamos por ter pessoas muito interessantes a cobrir o evento e até alguns músicos que eu respeito muito tiveram a amabilidade de comparecer na apresentação do documentário.


M.I. – Falaste da América Latina e vocês vão-se estrear lá com uma tournée por 8 países. Eles têm a fama de ser fãs muito loucos. Qual é a vossa expetativa?

É exatamente essa! Estamos à espera de ter os concertos mais intensos que já tivemos numa tour. Toda a gente sabe que a América Latina vive este estilo de música. Na Europa temos tudo a acontecer a partir de agora de setembro, quase todos os dias temos algo a acontecer. Naqueles países não é todos os dias que vai lá uma banda do outro lado do mundo tocar. Há bandas do nosso estilo que passam muito tempo lá, porque as pessoas vivem aquele estilo apesar de não ser da cultura deles. É muito parecido com que a gente viu na China, há dois ou três anos, aquele amor, aquele misticismo e eles não conseguem perceber totalmente porque não é deles, mas mesmo assim abraçam a cultura, o amor que têm pelo estilo! Aqui na Europa, não damos muito valor às tours e às bandas que passam por cá, porque sabemos que eles vão voltar. Se não voltarem agora, vêm para o ano, e isso é uma coisa que não acontece na América Latina e os concertos lá são muito complicados de organizar porque são países complicados, culturalmente e financeiramente, não são países fáceis de navegar. Por isso estamos à espera de ter sempre casa cheia, muitas pessoas que nos conhecem. Sabemos que temos uma boa base de fãs em todos estes países, o que é fantástico! Estamos à espera de ter grandes concertos lá, talvez os melhores que vamos dar este ano, porque eles são bastante intensos e poderosos e não levam as coisas de ânimo leve e querem viver o momento da melhor forma possível, estão ali mesmo para aquilo.


M.I. – E aqui na Europa não notaste diferenças? A pandemia fez com que muitos festivais e concertos fossem cancelados. O pessoal não estava com mais sedento de música ao vivo? Notaste mais envolvimento do público durante os concertos da banda?

Sim! A verdade é que muitos dos festivais em que nós tocamos, são festivais que estavam a fazer cartazes muito grandes, porque estavam a fazer um 3 em 1, é o caso do Hellfest, o Wacken, que foi bastante diferente este ano. Tudo isto traz coisas boas e más, a meu ver. O bom é que as pessoas, com um único bilhete, conseguem ver quase todas as bandas que amam e estão ali no festival a aproveitar aqueles três ou quatro dias da melhor forma possível. Por outro cria-se outro problema que é: as pessoas, se forem a dois ou três festivais destes no verão, já viram as bandas todas que iam ver em dois ou três anos, o que torna todo o ciclo de tours um bocadinho mais imprevisível no final do ano. Os Dimmu Borgir estiveram cá em Vagos, se voltassem em outubro, se calhar não tinham tantas vendas, porque as pessoas já viram a banda na sua melhor postura, que é a serem headliners de um festival. E, nesta altura pós pandemia, em que toda a Europa está em crise, nós sabemos que as pessoas fazem este tipo de escolhas! Nós como artistas temos que saber que isso acontece, não pode ser só uma coisa emocional de acharmos que as pessoas vão sempre seguir-nos para todo o lado. Temos que saber avaliar também o mercado e o que está a acontecer e saber que vamos ter muito boas datas ao longo desta tour, porque as pessoas realmente estão sedentas de ver concertos. Também há muita gente que teve que fazer essas opções, porque os festivais eram muito caros por causa dos cartazes gigantescos! 
Sim, concordo, as pessoas estavam sedentas, todos os festivais em que tocamos estavam cheios! Muitos deles esgotaram pela primeira vez, o Brutal Assault quebrou recordes e o PartySan também... nota-se que as pessoas queriam mesmo muito reviver o verão a que sempre estiveram habituados. Nós agora é que vamos ver como é que é o setembro, outubro e novembro da Europa, sem pandemia, agora é que vamos ver como é que vai este circuito.


M.I. - Pois é, agora temos outro problema de que falaste: a crise! Sempre que se liga a televisão, vê-se notícias sobre os aumentos do gás, gasóleo, e isso pode ter impacto nas vendas, não só de festivais, mas também nas vendas de álbuns. Isso assusta-te de alguma maneira?

Não, eu acho que não nos deve assustar, porque é a realidade que vivemos e temos que nos adaptar. Felizmente estamos a ter um ano incrível, estamos a vender este álbum muito bem, não temos mãos a medir com todos os envios que temos que fazer... ainda agora estivemos dois ou três dias aqui fechados no nosso escritório a embalar coisas... ou seja, estamos a viver o nosso melhor ano de longe! Também sabemos que se houver datas nos próximos tempos com poucas pessoas é porque elas tiveram que fazer essas escolhas e não podemos levar as coisas demasiado a peito e achar que as pessoas já não gostam de nós. É um bocadinho imprevisível hoje em dia, porque as expectativas de uma tour estão nas pré-vendas e as pré-vendas das tours que estão a acontecer são muito fracas! Não quer dizer que vá correr mal, simplesmente as pessoas já não compram bilhetes com seis meses de antecedência, porque não sabem se vai haver outra variante, não sabem como é que vão estar depois das férias, são tudo coisas que nós percebemos bem da realidade das coisas e que acontecem em todo mundo. Por isso, este ano pós pandemia em que realmente as coisas vão acontecer bem, como 2019 nos estava a habituar, vamos ter que nos moldar e perceber que, se calhar, há coisas que não vão correr tão bem e isso que isso tem que criar oportunidades para nos reinventarmos de outras formas. Acho que é simplesmente conseguirmo-nos adaptar e também levar as coisas de ânimo leve e perceber que o mundo não gira à volta das Artes. No final de contas, há países que primam pela cultura mas outros países, como o nosso, as artes são um resíduo da nossa vida. As pessoas não vão ver, não vão consumir a lado nenhum, por isso nós temos que perceber que isso vai acontecer com alguma regularidade a partir de agora, mas, lá está, temos que nos adaptar.


M.I. - Ainda bem que falas disso das Artes, porque eu queria perguntar-te que medidas é que achas que o nosso ministério da cultura poderia tomar a favor da cultura para incentivar os portugueses a a consumir mais arte?

Não sei, e muito sinceramente tenho muito poucas bases para ter uma opinião. Desde que saí de casa em abril para a nossa primeira tour deste ano, nunca mais vi notícias e estou completamente alheio de toda a realidade deste país. Eu acho que as nossas notícias e tudo neste mundo que nos rodeia é importante, mas era uma coisa que me estava a incomodar durante a pandemia, por isso tive de desligar. Não tenho opinião nenhuma e, se calhar, é preferível não ter, porque nós nunca fazemos comentários políticos, nem daquilo que achavamos que os políticos deviam fazer e também não o quero fazer agora.


M.I. – Vocês são “patrocinados” por marcas mundialmente reconhecidas. Quão gratificante é serem contactados por essas marcas para as representarem?

É ótimo, muitas destas marcas são marcas que nós sempre usamos, o caso da ESP, enfim é perfeito! Não deixa de ser uma parceria de negócios. Ninguém nos está a dar nada, esse tipo de apoio há “anos 80” já não existem. É uma parceria em que nós temos que fazer uma parte, eles têm que fazer outra e ambas as partes ganham um bocadinho. É gratificante podermos ter estas marcas do nosso lado ec onhecermo-nos... eu acho que é muito mais toda a relação de contactos que se cria do que propriamente os produtos que vêm. São só guitarras, baterias e, no final, interessa muito pouco pessoalmente, para o ouvinte não interessa nada, é um bocadinho de conforto e sentimo-nos mais seguros porque estamos a trabalhar com pessoas que primam pela qualidade. Mas, no final, só um nicho dos nossos seguidores liga muito, mas eu pessoalmente ligo pouco, se retirar a parte do conforto e a parte da das relações que se criam. Acho que é principalmente isso! É o facto de podermos conhecer estas essas pessoas em festivais, podermos privar com elas, elas sabem quem nós somos porque trabalhamos com eles, falamos de ideias, trocámos impressões. Acho que é mais isso! É mais o networking a funcionar do que propriamente o facto de estarmos contentes por termos um desconto aqui ou ali. Mas muitos músicos ligam bastante mas, no final, o que interessa é o que se consegue fazer com estes instrumentos e não é o instrumento que tens! É ótimo mas também não é nada que vá fazer com que nós ganhemos mais fãs só por causa disso. Eu acho que é só uma ferramenta de trabalho, a que tens mais fácil acesso e que tens uma ligação diretamente com a fonte para se tiveres problemas ou se tiveres ideias...é isso, não é muito mais do que isso!


M.I. – A banda até agora conseguiu superar as expetativas do que vocês pretendiam alcançar quando começaram? Alguma vez pensaram chegar até aqui, alcançar tanto sucesso em 5/6 anos?

Não! Sucesso entre aspas! Somos uma banda que se está a afirmar, somos uma banda que as pessoas já começam a conhecer, mas estamos longe do sucesso comercial, mas eu percebo o que queres dizer. Eu quando criei isto, longe de mim pensar fazer concertos, e depois começamos a fazer concertos e criou-se uma banda à volta disto! Hoje em dia estamos a fazer quase 200 concertos por ano... ou seja, tudo coisas que vão mudando com a nossa ambição para para o que queremos com a banda e com as nossas vidas, estamos cada vez mais dentro deste mundo e cada vez mais temos a certeza que é isto que queremos fazer. Isto já deixou de ser um hobby há algum tempo, é uma coisa que nós pomos à frente de muitas coisas na nossa vida, porque queremos mesmo fazer isto com esta banda...ou seja, há coisas que estamos a fazer agora e eu nem sequer as queria fazer há um ano, enfim há coisas de que nos arrependemos, há coisas que são uma espécie de investimento a longo prazo... uma coisa que vamos fazer agora, daqui a dois ou três anos, vamos conseguir lá voltar melhor numa maior escala, há muitas coisas que estamos a fazer este ano que são assim. Nunca pensei que fossemos tocar ao Wacken, que é um festival tão gigantesco e tão genérico que nunca achei que fossemos convidados para tocar lá e o mesmo acontece com outros festivais que já fizemos. Mas é bom! Quer dizer que estamos a fazer um bom trabalho, que as pessoas valorizam esse trabalho e que estamos a fazer alguma coisa certa. Nada é perfeito nesta vida mas as coisas que estamos a fazer bem, estão a ser bem vistas e as pessoas gostam do que fazemos e valorizam o nosso trabalho e, por isso, é que estamos a ter algumas destas coisas tão interessantes este ano. 


M.I. – E de todos os temas do novo álbum, qual é o que é te agrada mais?

Os temas mais fortes que são os que me agradam mais, mas adoro o tema “Laude” que já vamos tocar no próximo concerto e é a última música oficial do álbum, é uma música que está um bocadinho mais fora do contexto ou do conceito deste álbum. É a música que fala sobre nós como banda, de alguns dos momentos que tivemos que ultrapassar como banda ao longo destes cinco,seis anos, e fala um bocadinho mais da união de trabalho e até emocional que temos em palco como banda. E pronto... é um tema que eu já queria fazer no “Limbo” mas não tinha a capacidade para pensar na banda nesse aspeto e, depois da pandemia, com todas as dificuldades que a pandemia trouxe, ajudou um bocadinho a desbloquear esse texto, esse processo criativo de criar uma música que fosse sobre nós, que fosse sobre Gaerea e sobre tudo aquilo que Gaerea representa, que fosse uma espécie de recap de tudo o que já fizemos e para onde queremos ir. Por isso, a “Laude” é um tema bastante emotivo e, para mim e para o resto da malta, significa isso mesmo... essa união e sacrifício, a chatice, as discussões... tudo aquilo que uma banda que se mete dentro de uma carrinha durante um mês passa e nós ainda somos esse tipo de banda. Por isso, achei interessante podermos escrever algo sobre isso, uma espécie de reflexão sobre os primeiros 5/6 anos de banda numa música que é das mais explosivas e intensas do álbum. Nós somos uma banda intensa e bastante agressiva ao vivo pela forma como nos apresentamos e a forma como sentimos esta música. Eu acho que é o melhor de vários mundos num só tema! A escolher uma, era essa!


M.I. - E aí agora vocês têm a tournée europeia e da América Latina. E Portugal? Têm alguma data para Portugal?

Não, nós tocamos em Portugal já está ano. Fizemos o VOA. Não temos nada pensado mas não vamos tocar em Portugal de certeza! Para o ano, veremos. Para já não há nada! Nós gostávamos mas para já não existe sequer perspectiva! Estamos bastante focados no que temos para fazer já, e é bastante, e quando acabarmos isto, se surgir algo interessante, vamos fazer mas para já não temos mais nada pensado para Portugal.

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Entrevista por Sónia Fonseca