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Entrevista aos Öxxö Xööx

Ao evitar expressões algo estanques como “experimental” ou “avant-garde”, talvez “doom operático” seja uma das melhores formas de descrever a sonoridade dos Öxxö Xööx. Em 2011, a sua estreia com o álbum Rëvëurt atraiu alguns ouvintes curiosos, e as letras aí presentes não são menos idiossincráticas do que a música: insatisfeitos com o som do seu francês nativo, os Öxxö Xööx criaram uma língua própria para dar voz às suas ideias e sentimentos. Poderemos ouvi-la novamente em Nämïdäë, o novo disco de longa duração, que sairá no dia 26 de Maio.


M.I. – Quem são os Öxxö Xööx ?

Os Öxxö Xööx são a Rïcïnn (Laure Le Prunenec, voz e baixo), Isarnos (Thomas Jacquelin, bateria), e eu, Laurent Lunoir (composição, voz e guitarra). É o meu projecto pessoal e o meu nome de palco. O Igorrr (Gautier Serre) acompanha o projecto de perto e é responsável pela mistura e masterização dos álbuns, mas é um processo tão complexo que não sei se ele quererá continuar a fazê-lo. Trabalhou imenso no Nämïdäë, e agradeço-lhe.


M.I. – No teu Bandcamp, mencionas que os primeiros concertos de Öxxö Xööx, no line-up original, foram interpretados por dois extraterrestres. Podes explicar?

A estreia de Öxxö Xööx é baseada na história de duas personas que vêm de outra dimensão : Öxxö e Xööx. Éramos dois no palco (guitarra + guitarra e voz) e tínhamos máscaras a cobrir as nossas caras. Mesmo depois de o projecto ter crescido, podemos ver um deles no videoclip para a música LMDLM. Pessoalmente, não me identifico com o mundo material, sinto que não pertenço a esta dimensão. Talvez como um extraterrestre.


M.I. – O teu álbum de estreia, Rëvëürt, era muito peculiar, mas foi bastante bem recebido. Esperavas essa reacção ?

Estranhamente, não esperava nada em particular. Precisava de fazer música para prosseguir com a minha vida e expressar o meu pensamento e a minha arte. Mas as respostas positivas fizeram-me bem, como se fossem raios de sol. É verdade que me surpreenderam um pouco. Acho que as pessoas sentiram que éramos sinceros, que a nossa música era global e estudada, e é possível terem valorizado isso. Acho que se formos honestos conseguimos criar novas formas de arte.


M.I. – O novo álbum chama-se Nämïdäë e sairá em breve. O título está relacionado com “namida”, a palavra japonesa para “lágrima”?

Sim, Nämïdäë significa “as últimas lágrimas”, num misto entre o japonês “namida” e “däë”, ou “último”, na nossa língua inventada. O significado está escondido na caba do álbum. À direita, há um humano preso numa árvore morta, usando-a para continuar a viver. Este ser está a chorar (com um pequeno sorriso), as lágrimas escorrem pela árvore morta, e aos poucos ressuscitam-na, ao mesmo tempo que ela liberta o seu corpo. Simboliza as últimas lágrimas antes da libertação, e que podemos ser livres através da clemência, oferecendo o nosso coração e as nossas lágrimas. Lágrimas que precedem as nossas extravagâncias. Estou prestes a começar a trabalhar no próximo álbum, que abordará o ciclo do eterno retorno da morte e o desejo do nosso espírito de ser libertado da dimensão material.


M.I. – A língua em que vocês cantam tem um nome? Podes falar-nos sobre ela?

Tem como nome “Öx”. Simples. É uma linguagem que fui inventando passo a passo, ao longo dos anos. Na nossa biografia dizemos que “inventámos a nossa língua de forma intuitiva, antes de a codificarmos e de lhe darmos regras. Esta língua traduz emoções espontâneas que produzem sons; a voz, enquanto instrumento, adquire assim uma verdadeira importância e a emoção é libertada através da escolha de sons. Isto permite uma forma de expressão verdadeiramente única. É uma maneira de combater modos de pensar opressivos. Os sons são elaborados de forma a adquirirem significado, e é assim criado um léxico pessoal com mais de quatrocentas palavras, que tanto podem provir de simples emoções ou de uma ligação prévia com línguas já existentes.” Não há gramática, podemos organizar as palavras como preferirmos, e é tão simples quanto intuitivo, para estar assim o mais próximo possível das emoções e da alma.


M.I. – A linguística, enquanto objecto de estudo, foi ganhando importância ao longo do último século, e uma das suas preocupações é a ideia de que a estrutura e o modo como usamos uma linguagem afectam o que podemos dizer acerca do mundo e, consequentemente, a visão que temos do mundo. É algo em que costumas pensar?

À medida que a linguagem se torna mais precisa, há vantagens e desvantagens. Podemos desenvolver a consciência de um modo mais lógico mas, por vezes, isso relega para segundo plano a intuição, algo que é importante não esquecer. Neste mundo, intuição e linguagem são igualmente importantes, e somos forçados a procurar um balanço numa espécie de dualidade. No entanto, é através das nossas cordas vocais que criamos vários problemas civilizacionais, separações entre povos, etc. Acho que devíamos explorar outros detalhes da mente, como a telepatia e coisas do género. A linguagem serve para comunicar raciocínios analíticos que foram refinados pela nossa evolução, mas o mundo tornou-se cada vez mais complexo, por isso devíamos tentar explorar outras possibilidades, como a telepatia. E podemos usar a arte para desenvolver este sentido.


M.I. – Apesar de a música no Rëvëürt parecer, geralmente, triste, transmite também alguma esperança. Achas que tudo o que aconteceu no mundo entre estes dois lançamentos afectou a composição do Nämïdäë?

Sim, há uma ligação directa. Já tinha a ideia-base, mas queria falar acerca das batalhas que lutamos contra nós próprios e contra o mundo, e comecei a questionar-me acerca da melhor via: a guerra ou a paz (opções que estão sempre presentes, quando temos a coragem de olhar atentamente para as coisas). E penso que a forma mais poderosa de reacender a nossa chama eterna e a nossa ligação ao divino é através do coração e das lágrimas. Este é um álbum que aborda o autocontrolo, o perdão, a via das lágrimas que purificam a alma e nos fazem brilhar.


M.I. – É interessante constatar que, apesar de a França não ser um país conhecido pelo seu heavy metal, algumas das bandas com mais sucesso partilham alguns traços com os Öxxö Xööx. A mescla de géneros nos Blut aus Nord, as preocupações ambientais dos Gojira… achas que é meramente uma coincidência ou há alguma razão para isso?

Tenho alguma dificuldade em responder à questão porque não me considero francês, tenho até dificuldade em considerar-me um terrestre. Mas percebo o que queres dizer. Talvez se deva ao facto de ser muito difícil ser um artista em França, e isso pode levar-nos a quebrar barreiras enveredando de forma determinada pelos caminhos que decidimos tomar.


M.I. – Estás agora na Blood Music, a editora que acolhe os Ensiferum, os Moonsorrow e os Negură Bunget, entre muitos outros. Como ocorreu o primeiro contacto?

O Gautier (Igorrr) trabalhou com o Josh durante o nosso tempo nos Whourkr. Mais tarde, o Josh disse-me que adorava Öxxö Xööx e essa conversa desenrolou-se de forma muito positiva porque, para ele, a música é uma paixão; dedica ao seu tempo à editora e nota-se que não é simplesmente um hobby. Eu também me dedico por inteiro à minha arte. E adoro a sua ética de trabalho e o modo como ele apresenta as suas bandas.


M.I. – Apesar de o resultado final ser muito diferente, o vosso estilo de composição foi comparado a bandas como Dead Can Dance e Ulver. Consideram-se ouvintes eclécticos ou, por outro lado, sentem que a vossa criatividade parte de momentos de seclusão?

Eu não sei os motivos para fazer isto, só sei que tenho de fazer isto. É tão simples quanto isso.


M.I. – Os membros de Öxxö Xööx colaboram frequentemente com outros projectos. Há planos para o futuro?

Neste momento estamos a trabalhar num álbum da Rïcïnn. Há outro grupo em preparação mas, por agora, ainda está em segredo.


Entrevista por Daniel Sampaio