A 2ª edição do Camarro Fest realizou-se no primeiro fim-de-semana de fevereiro, na Sociedade de Instrução e Recreio Barreirense "Os Penicheiros", e contou, mais uma vez, com um cartaz bastante eclético, onde pudemos escutar sonoridades que foram do rock até ao metal, passando pelo punk, ao longo de dois dias bem animados.
A honra de dar início ao festival coube aos Skyard, uns jovens rapazes da terra que praticam um hard rock que teve o seu auge nos anos 80, mas que se vê aqui recuperado com mestria, através deste destemido quarteto. Prova disso, são os bem conseguidos temas "Society" ou "Strange New World", retirados do primeiro registo de originais da banda, e que se revelaram serem capazes de alentar ou incitar à saudade do mais cético. Embora diante de um espaço ainda pouco composto, a atuação coesa deste conjunto do Barreiro chegou para que ninguém ficasse indiferente ao desempenho destes hard rockers que terão certamente mais para dar.
Seguiu-se novamente o rock, mas desta feita um rock mais heavy, com ares do deserto. Os Son Of Cain subiram ao palco por volta das dez da noite e, perante uma sala bem preenchida, aceleraram a todo o gás pelo seu recente repertório com boas malhas como "Down On My Knees" ou "Stay Off", extraídas do primeiro trabalho "LowLife 69", ou ainda com a mais recente "Hit The Road", concluindo-se que este duo dinâmico garantiu um bom recital de stoner e doom neste seu primeiro assalto ao Barreiro.
A primeira (e única?) atuação metaleira da noite ficou a cargo dos veteranos Decayed que se comprometeram a tocar o bom e velho black metal com o auxílio inicial de uma pequena dose de bagaço, o ideal para aquecer as almas satânicas de um trio que deu início ao concerto justamente com "Son Of Satan". A partir daí, embarcámos numa viagem pelo vasto e sombrio trabalho da banda, onde pudemos ouvir temas como "Black Metal Onslaught", "Hell-Witch" ou "Spikes, Leather and Bullets" que contou com a prestação de Pedro A Pedra, vocalista dos Grog, a fazer lembrar outros tempos. Honra feita à sua maturidade, os Decayed despediram-se à boa maneira pagã com "Fuck Your God!".
Os Grog subiram ao palco pouco depois da meia-noite com o intuito habitual de grindar e espalhar sarro e, durante aproximadamente 50 minutos de brutalidade sonora, com malhas que remetem ao universo gore e escatológico, como "Rotten Grave" ou "Ass Sapiens", o que mais se destacou contudo foi o tema novo intitulado "Uterine Casket" que fará parte do novo trabalho da banda, "Ablutionary Rituals", trabalho esse que assinalará as bodas de prata de um conjunto que tem "rasgado" caminho em nome do grindcore nacional e, por isso, um grande Grind Up!
Por último, mais uma rodada de música pesada e veterania com os Mata-Ratos que animaram fortemente o que restava da noite. Malhas infames como "És um Homem ou És um Rato?", "Napalm Na Rua Sésamo" ou "Xu-Pa-Ki" ajudaram a compor robustos stage-dives e circle-pits, enquanto o vocalista Miguel Newton no seu jeito inquieto incentivava as hostes. A banda lisboeta proporcionou mais uma excelente festa tribal e despediu-se como manda a lei punk, ou seja, com "Leis de Merda".
Tal como no primeiro dia, o segundo dia da 2ª edição do Camarro Fest começou com hard rock, mas neste caso com um hard rock mais maduro. Os Affäire deram início às festividades e, ainda na ressaca glamorosa do seu primeiro álbum "At First Sight", brindaram aqueles que chegavam gradualmente ao recinto d'"Os Penicheiros" com "Cash 4 Flesh", "Busted!" ou o viral "Devil´s Cross". Depois de um desempenho bastante sólido, com ritmos vigorosos, riffs frenéticos e a voz exemplar de Miguel Freitas também conhecido como Dizzy Dice Mike, a banda despediu-se com a
promessa de continuar a acelerar na estrada, contando com um novo super-combustível designado de "Neon Gods".
O rock prosseguiu o seu caminho com os Dollar LLama e as suas sonoridades mais pesadas. O quinteto momentaneamente renovado - com o guitarrista Pedro Isaac Ribeiro dos Diabolical Mental State a substituir Hugo Vieira - entrou forte com "The All Seeing Eyes" e manteve-se assim até final. Para isso contou muito a pujante liderança do vocalista Tiago Simões que nunca se cansou de apelar à grande união daqueles que aproximavam do palco para apreciarem a performance da banda. Outros temas bem potentes e já bastante conhecidos como "Howl" ou "Deathblow" perfizeram quase
cinquenta minutos de bom stoner rock, suscitando também um grande anseio em relação à força destruidora que se avizinha com o novo trabalho intitulado "Juggernaut".
Os Sinistro deslocaram-se à margem sul do Tejo para deixarem a sua semente através de mais uma atuação bastante aguardada e única. Liderada por Patrícia Andrade, uma grande presença espasmódica em iminente sucumbência, a banda revelou toda a sua força, quer cénica, quer musical, ao som de temas hipnotizantes como "Partida" ou "Cidade". Num misto de doom e spoken word, os Sinistro provaram mais uma vez que se tratam de um caso sério no recente panorama da música nacional, atendendo inclusive aos seus futuros compromissos em termos de concertos e música nova pelos quais ansiamos verdadeiramente.
De regresso ao metal, mais concretamente ao death metal cujas vísceras abundam de goregrind, contámos com os Holocausto Canibal que - por falar em regressos - voltavam ao Barreiro, após alguns anos. Desta vez, o concerto realizou-se sem interrupções e com a força bruta que lhes é caraterística, o que contribuiu bastante para animar as frentes, até porque estávamos perante a comemoração dos 20 anos da banda portuense. Assim sendo, festa feita com alguns hinos do gore nacional como "Carnificina Psicopata", "Gorgamos... Orgásmicos Espasmos Gore" ou "Violada pela
Moto Serra", e que venham mais 20 anos sangrentos!
O privilégio de encerrar a 2ª edição do festival coube aos Process of Guilt, uma estreia em terras camarras. Sob uma constante e densa penumbra, o quarteto proveniente de Évora trouxe-nos a sua matriz sónica que se desdobra entre o doom, o sludge, o industrial e o post, e durante quase uma hora de atuação arrebatou os ouvidos dos mais incautos. Ao longo desse processo, a banda destacou "Harvest" ou "Fæmin", como também testemunhos sonoros do próximo álbum, e, apesar de um final abrupto, resta saber se propositado ou não, conseguiu entregar um desempenho sólido, antevendo um futuro ainda mais negro, no bom sentido, em relação ao próximo capítulo que dá pelo nome de "Black Earth".
Reportagem por Bruno Porta Nova