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Entrevista aos Blaze of Sorrow


Blaze of Sorrow é um dos atos mais consistentes do underground italiano do black metal. Conhecidos pelas suas capas naturalistas e introspetivas, este ano, lançaram o 6º longa-duração, Absentia, da sua carreira que já leva 23 anos de existência.

Em plena pandemia, a partir de um dos países do mundo mais afetados pela Covid-19, descobrimos a alma sensível, misteriosa e patriota do multi-instrumentista por detrás da banda, Peter, que teve a gentileza de responder às nossas questões. 


M.I. - Olá! Muito obrigado por responderes às nossas questões.

És mais que bem-vindo.


M.I. - Vamos falar sobre o Absentia... Como foram as críticas até agora? Estás feliz com o resultado final?

Estamos a ter ótimas críticas e feedbacks e realmente apreciamos que as pessoas usem o seu tempo ouvindo o álbum. Pontos de vista positivos e negativos são sempre bem-vindos, porque é interessante saber o que as pessoas sentem ao ouvir a nossa música.


M.I. - Qual é o conceito por detrás do álbum? Absentia significa "enquanto ausente", estar envolvido, mas não presente... O álbum inteiro parece evocar uma espécie de experiência transcendental... quase como aquelas histórias de pessoas que dizem que viajam para fora do corpo... Elas estão presentes, mas ao mesmo tempo... não estão.

As músicas falam sobre a falta de sentido da humanidade e os limites que comparamos com a natureza. As fraquezas dos humanos e a sua tentativa de sair do abismo. Acho que todos podemos encontrar algo sobre nós mesmos, lendo as letras.


M.I. - A maioria dos vossos registros passados ​​parecem concentrar-se no relacionamento entre homem e natureza... Em Absentia, parecem mudar para o relacionamento que temos connosco mesmos. Parece ser algo muito mais espiritual e individual.

A natureza sempre esteve presente nas nossas músicas e letras. Microcosmos e macrocosmos, sabes? O vínculo com a natureza também permanece em Absentia, mas, como dizes, desta vez damos mais voz ao nosso “eu” interior.


M.I.- A arte da capa também é muito abstrata (de facto, como quase todos os vossos álbuns)... O que é? Quem a pensou e desenhou?

O conceito por detrás disso é que todos podem encontrar a sua própria ligação entre o que vemos e o que a imagem consegue despertar em nós. Este é o conceito primitivo por detrás do significado de Absentia. Erebograph pintou e passou muito tempo a ouvir o álbum e tentou dar-lhe uma cara e as cores certas.


M.I. - Ainda sobre as capas... Elas sempre foram muito artísticas e, ao mesmo tempo, simples. Algumas assemelham-se a pinturas de Monet, Cezanne, O'Keeffe ou Heade... achas que a arte deveria andar de mãos dadas com a música? Que é impossível desassociar as duas?

A arte é autêntica quando é uma expressão da humanidade. Existem cânones e estilos precisos que podem proteger e limitar ou ajudar na expressão. Acredito que música, pintura, escultura, narrativa, poesia são formas expressivas da mesma alma. Dividi-los é impossível. A obra de arte precisa de comunicar com o ouvinte num primeiro passo e depois introduzir a música.


M.I. - De onde vem a vossa inspiração ao escrever música?

Somos a música que tocamos, se conseguires canalizar as emoções e visões para a música sem usar nenhum filtro ou tentar torná-la elegante apenas por causa das vendas, o resultado será honesto e pessoal. Isso fará a diferença ao longo dos anos. Tudo pode ser uma inspiração: um pôr-do-sol, uma voz, uma lembrança de alguém que partiu, deixando-nos neste mundo complicado.


M.I. - Quando sabes que uma música terminou?

Continuamos a ensaiar até que a música pareça fluente e estarmos todos satisfeitos. Pode levar um dia ou meses.


M.I. - Porque escolheram cantar em italiano em vez de inglês? Através de uma linguagem universal, não seria mais fácil alcançar mais pessoas?

Uso o italiano porque acho que é a melhor maneira de me expressar. Sei que usar o inglês seria melhor para alcançar mais pessoas, mas usar o meu idioma permite-me dar uma verdadeira identidade ao que sinto. Todas as bandas devem cantar na sua língua materna.


M.I. - A vossa música é muito... melancólica, triste, sombria. É uma maneira de exteriorizar o que se passa na vossa alma? No dia-a-dia, são mesmo assim?

Os nossos dias são passados em tarefas relacionadas com o trabalho e as necessidades diárias. Ser dominado pela melancolia durante as ações diárias simples e mecânicas, seria tolice e covarde. Mas quando te retiras para o espaço da música, podes dar lugar à liberdade de expressão. Quando isso acontece, sim, geralmente trata-se de visões com tons escuros.


M.I. - Li algures que algumas das tuas bandas favoritas não tocam o teu género musical. Porque decidiste escrever num tipo de música diferente das tuas referências musicais?

Eu oiço muitos géneros, da música clássica ao metal extremo. Acho que podes perceber isso ouvindo as nossas músicas. Eu, realmente, não tenho bandas favoritas. Constantemente descubro novos álbuns e o meu gosto musical muda com o tempo. Por isso, um álbum pode ser ótimo, mas depois poderia mudar de ideias durante os anos seguintes. Acho que é normal. Como disse, também ouço metal extremo, por isso não é um género estranho para mim e é o melhor tipo de música que encontrei para expressar o meu “eu” interior.


M.I. - Conheces alguma banda portuguesa? És fã de metal mediterrâneo (Portugal, Espanha, Grécia ...)?

O metal mediterrâneo tem identidade e influências próprias, por isso sim, gosto. Falando sobre bandas portuguesas, eu mencionaria os Moonspell, Sinistro e Ava Inferi. Se tens alguma sugestão, diz-me.


M.I. - Falando sobre o tema do momento… A Itália foi um dos países do mundo mais afetados pela Covid-19. Porque achas que isso aconteceu?

O norte da Itália, onde moramos, é uma das áreas mais afetadas da Europa. Acredito que isso esteja relacionado com as áreas industriais e densas e aos locais produtivos. Temo que também seja uma boa dose de "acaso / destino".


M.I. - As coisas de agora em diante, certamente não serão as mesmas. E levará muito tempo até que tudo volte ao normal. Como pensas que será com os concertos e outros espetáculos ao vivo?  O mundo da música em Itália está preparado para resistir a todas as restrições que ainda estão para vir? As lojas, editores e promotores de música italianos sobreviverão a esses tempos?

De momento, não sabemos nada sobre o futuro, mas realmente esperamos poder viver as nossas vidas normais e voltar a tocar em concertos o mais rápido possível. Acho que precisamos esperar um pouco para entender qual é a situação real e ver se conseguimos encontrar uma cura. Não é apenas a Itália, mas uma crise mundial, and the show must go on.


M.I. - Como tens passado estes dias fechado em casa? O que tens feito?

Nós os quatro continuamos a trabalhar, cada um à sua maneira. É claro que perdemos a oportunidade de ensaiar ou manter contactos importantes. Mas conseguimos aproveitar este momento de "pausa" como uma oportunidade para ler e manter as nossas mentes ativas.


M.I. - Muito obrigado pelo teu tempo. Gostarias de acrescentar algo? Alguma última palavra para os nossos leitores?

Obrigado pelo teu tempo. Ducunt volentem fata, nolentem trahunt (frase latina, atribuída a Séneca – filósofo, orador e trágico romano -, que se traduz por “os destinos levam os que desejam e arrastam os que não querem”).

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Entrevista por Ivan Santos