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Entrevista a Hoofmark

Hoofmark foi uma das boas surpresas do primeiro trimestre de 2021. Constituído por El Vaquero Ungulado, voz e guitarras, Towkuhsh Razamod, baixo e sintetizador, e Andrecadente, na bateria. A Metal Imperium foi descobrir o projecto, através do seu mentor Nuno M.M.R. com quem esteve à conversa.

M.I. -  O disco de Hoofmark sai para o mercado e a recepção foi boa, na generalidade. Esperavas isso, face a um disco que cruza estilos bem diferentes?

Nem sempre tive uma opinião muito firme acerca do meu trabalho, mas o «Evil Blues» deu-me alguma confiança. Sei, pelo menos, que está ali o disco que quis fazer, e sei que aquele produto final resulta de recursos culturais e emocionais que antes não estavam ao meu alcance. Suspeitei que essa maior segurança nos resultados fosse também um sinal de que a receção seria boa e tenho verificado isso com satisfação. Depois, penso que quem ouve metal, se calhar hoje mais do que nunca, já estará acostumado a algum esforço de hibridização por parte dos músicos. Em black metal diria que isso é especialmente claro. Acho que estamos todos a experienciar a externalidade (positiva ou negativa, em função de quem perguntares) da democratização do acesso a basicamente toda a música (e não só) alguma vez gravada. Quanto a mim isso tem tido um efeito genericamente positivo ao nível das ideias sobre como as coisas podem soar e também da recetividade para o que foge dos moldes tradicionais, embora com consequências disruptivas do ponto de vista do trabalho musical enquanto atividade sustentável. Sobre o blues em particular, reconheço que fiquei sujeito a ser descartado, antes mesmo de ser ouvido devido a ideias preconcebidas sobre o que o blues é. No entanto, acredito que os géneros têm muitíssimo mais em comum do que pode parecer quando apenas se lê sobre “a mistura”. E pode-se fazer mais e ir mais além com isto. Conciliar mais, e não ficar pela coisa de “ok, depois deste riff ‘à norueguesa’ toco uns licks do B. B. King e assunto arrumado – mais uma canção!”. Sinto que é por o «Evil Blues» não fazer da música um rato de laboratório, ou jogo de lego, que o disco também tem sido bem recebido ou pelo menos despertado alguma curiosidade.


M.I. - Após o lançamento do disco, fizeste questão de usar as redes sociais para destacar os colaboradores. Algo raro de se ver. Porque o fizeste?

Só posso falar por mim porque só eu sei o que fiz, e não fiz para o disco, mas não tenho problema nenhum em dizer que o álbum seria dramaticamente pior sem as pessoas que participaram no projeto. Na minha cabeça, agradecer publicamente esse trabalho, é o mínimo que posso fazer. Hoofmark é decididamente meu, contudo não tenho a ousadia de lhe chamar uma one man band. Não é, porque sem o outro tinha ficado pelo caminho, e já quase que ficou. A parte social e a partilha de uma jornada são importantes para mim e procuro que tenham tanta influência para o meu bem-estar como chegar ao destino, fechar um disco e lançar música.


M.I. - Valorizas muito o blues, algo estranho, particularmente na tua idade. Como acontece isso?

Encontrei o country e o blues numa fase da vida em que precisava de desesperar um bocadinho, e a isso aliaram-se outras coisas que fizeram deste encontro improvável, um casamento feliz. Primeiro, a minha afinidade para estilos musicais mais narrados e amarrados à terra. Depois, o country e o blues surgem num momento em que começo a ficar desencantado comigo mesmo enquanto guitarrista. Conseguir olhar para o instrumento com outros olhos, desapegando-me dos maneirismos de sempre, deu-me entusiasmo. Há aqui, portanto, um lado mais emocional, mais íntimo e terapêutico até (embora a música, por muito boa, não substitua umas boas/más sessões de terapia), e outro mais utilitarista. Escusado será dizer que não é todo o blues ou todo o country, como não é todo o metal, evidentemente. De resto, sou bastante picuinhas com o que ouço.


M.I. - O que veio primeiro, Black Metal ou Blues?

O black metal no geral, Bathory em particular. O que mais ouvia de black metal enquanto ia tomando as primeiras decisões a respeito de Hoofmark era Bathory, Sodom, Mefisto - a segunda demo… perfeição- Hellhammer, Slaughter Lord - a «Die by Power» continua na luta por melhor música de todos os tempos - Poison - o «Sons of Evil» será para todo o sempre um momento sensacional de inspiração artística -  Darkthrone, Burzum, Tangorodrim, Vetter - o disco «Vetterkult» é um disco super importante para mim - Power from Hell… Novo, velho ou de meia-idade – desde que não estivesse atado a modelos mais, enfim, institucionalizados, eu gostava e gosto. É isso principalmente que eu retiro do meu black metal preferido e de que me tento apropriar, não tanto de frases musicais ou produções. Para todos os efeitos, não acho que consiga competir com outras bandas em agressividade e explosão, que em muitos sentidos também tenho a impressão que se têm vindo a esgotar, ou pelo menos a normalizar-se. Com Hoofmark, e com o blues, eu tomei a decisão consciente e dar uns passos atrás no frenesim e estridência e reinterpretá-los à minha maneira.


M.I. - Este disco já estava pronto há algum tempo, não era?

O álbum está gravado desde Março do ano passado, sendo que todo o trabalho de produção e masterização aconteceu já em pleno “novo normal” no curso da Primavera e do Verão. Depois de concluída essa fase houve um período de procura de editora que terminou antes do fim do ano. O confinamento e as restrições foram fatores condicionantes e que sem dúvida atrasaram um bocado as coisas. Podia ter sido pior, na verdade. Lembro-me que gravei as vozes no Rock 'N' Raw no dia 7 de Março, poucos dias antes do primeiro fecho do estúdio, devido à pandemia. Por outro lado, não estava com pressa. Andava suficientemente ocupado em terminar o primeiro ano de um mestrado em pós-laboral, além do meu trabalho regular a tempo-inteiro, para deixar que os atrasos do disco fossem um fator de ansiedade. Para não falar de tudo o resto que estava a acontecer. Ali naquele início, sobretudo, foi uma experiência estranhíssima. Ainda se andava sem máscara dentro dos supermercados, mas havia uma desconfiança e medo muito grandes em estar próximo do outro. Foi “ontem”, mas parece que aconteceu há uma eternidade.


M.I. - Como foi o seu processo de composição e escolha de colaboradores?

Os preparativos para o álbum terão começado em Abril ou Maio de 2017. Aconteceram muitas coisas para explicar este intervalo de tempo desde a composição até ao lançamento. Primeiro, contra as minhas expectativas, acabei por me envolver na produção de mais um single de dois lados de country/blues. Em segundo lugar, escrever as músicas em si envolveu um grande “para trás e para a frente”. A minha visão era de conseguir um trabalho que, pese embora as suas características, não soasse “esquisito”. Procurava-se fundir os elementos de um jeito harmonioso de tal maneira que pensar no género pudesse ser uma tarefa supérflua. Executar sobre essa visão não aconteceu de repente. Depois, houve uma fase em que provavelmente estava a ir longe de mais. O “Evil Blues” foi criado em paralelo com um livro que estava a escrever, mas para o qual fiquei sem saída. Da interação de um com o outro os trabalhos foram-se desenvolvendo e entrelaçando, por isso aceitar que estava a ter mais olhos que barriga e que era mais sensato focar as minhas atenções numa só coisa levou o seu tempo. Contas feitas, foi a música que sobreviveu, embora existam ecos das histórias que escrevi, preservados sobretudo no booklet do CD. Finalmente, a vida pessoal e profissional mete-se muitas vezes no caminho e é preciso escolher guerras.
Sobre as colaborações, o “Evil Blues” foi uma experiência muito solitária durante muito tempo, e eu também não conhecia muita gente do meio. Por isso, fico contente por mais tarde me ter conseguido rodear de pessoas com uma combinação desejável de talento, bom gosto e mente aberta. Tenho de agradecer ao João de Summon, Sepulcros, 黒 K͚U͚R͚ØC͚C͚V͚L͚T͚ 黒 e muitos outros projetos pelo apoio inestimável. Estabelecemos contacto no final de 2017 quando convidámos os Systemik Viølence para um set na Rádio Quântica em nome de Satan Made Me Do It. Foi ele que me apresentou ao André (bateria) e ao Ricardo (baixo, produção e masterização) e, portanto, que deu ânimo a este projeto na fase em que ele mais precisou de sair das minhas mãos. O Carlos, que criou a máscara na capa do disco, conheci através da Internet, já sabendo do que é que andava à procura, e tanto o Luís (fotografia) como a Carina (design) já conhecia de outras primaveras.


M.I. - Entretanto o tempo passou, o disco está cá fora. O confinamento e a boa recepção ao disco, deram frutos? Podemos esperar novidades para breve?

Se me perguntasses isto há umas três semanas/um mês dir-te-ia que não. Entretanto a coisa mudou de figura. Eu próprio estou surpreendido, mas é o bom da inspiração: ela trabalha-se, que não hajam dúvidas; e, no entanto, por vezes também surge quando menos estamos à espera. Aí, ou se agarra o momento ou fica tarde demais. Se gostam de Hoofmark e do “Evil Blues”, há mais música a caminho.

Entrevista por Freebird