Apenas um dia depois do apagão que afetou a Península Ibérica, os Ghost marcaram presença no MEO Arena, com o seu líder, Tobias Forge, a afirmar: "é um milagre estarmos aqui hoje". No rescaldo desse episódio, muitos sublinharam como, em plena era de dependência da energia e das tecnologias, foi notório ver as pessoas a sair à rua, a interagir entre si e a dedicar-se a atividades que, entretanto, tinham ficado para segundo plano.
Durante a madrugada, após o restabelecimento da energia nas casas dos portugueses, a Everything is New partilhou nas redes sociais a excelente notícia para os fãs nacionais dos Ghost: o concerto iria mesmo realizar-se como previsto. Tal como já tinha sido anunciado, o espetáculo decorreu sem a utilização de telemóveis, que foram guardados à entrada em bolsas Yondr, apenas reabertas no final da atuação.
Goste-se ou não da decisão tomada pelos Ghost para esta digressão mundial, ficou evidente que a ausência dos viciantes dispositivos eletrónicos que dominam o nosso quotidiano permitiu ao público estar mais presente e em verdadeira comunhão com a “missa” conduzida por Tobias Forge e os seus Nameless Ghouls. Essa ausência traduziu-se numa experiência mais intensa e envolvente, sem interrupções ou distrações, onde se pôde apreciar plenamente tanto a excelente música como o espetáculo visual digno de uma banda da dimensão que os Ghost já alcançaram.
A banda presenteou os fãs — que, embora não tenham esgotado a sala, a preencheram de forma impressionante — com 1h50 de concerto, numa viagem que percorreu os seis álbuns de estúdio e alguns dos seus EPs. A atuação iniciou-se com Piecefield, um dos singles do novo álbum, num momento em que Tobias Forge surgiu apenas nos ecrãs, criando um crescendo de expectativa até à entrada da banda em palco.
A reação do público foi positiva e manteve-se com “Lachryma”, outro tema recente que soa inequivocamente a Ghost e tem tudo para se tornar um futuro clássico. Após a performance segura destas duas faixas do novo trabalho Skeletá, Tobias saudou o público com um "Lisboa, estão prontos?", recebendo uma resposta entusiástica que antevia o que estava para vir.
E assim foi, com a banda a mergulhar nas duas primeiras faixas de Meliora, um dos seus álbuns mais aclamados. Se as músicas novas ainda estão a ser absorvidas, “Spirit” e “From the Pinnacle to the Pit” já estão definitivamente entranhadas nos fãs, como se pôde comprovar. A essa altura, tornava-se claro que a formação atual dos Nameless Ghouls é exímia, tanto instrumentalmente como em presença de palco, embora a estrela continue a ser, inevitavelmente, o carismático vocalista e compositor, Tobias Forge — uma figura já incontornável no universo da música pesada.
Tal como o próprio referiu numa entrevista recente, Ghost é, em grande parte, um projeto solo, o que é a forma mais precisa de o encarar. A voz inconfundível de Forge é, sem dúvida, o elemento mais distintivo da sonoridade da banda, e esteve irrepreensível nesta noite.
Após o par de temas de Meliora elevar ainda mais o entusiasmo do público presente na MEO Arena, um dos Nameless Ghouls (guitarrista) incentivou os fãs a levantar os braços e a gritar, enquanto os restantes membros saíam momentaneamente do palco.
Apesar da digressão de Impera não ter passado por Portugal, os Ghost compensaram com a interpretação de “Call Me Little Sunshine”, provavelmente a faixa mais orelhuda desse disco. O público agradeceu a lembrança com uma ótima recetividade à interpretação do tema.
Seguiu-se uma fase mais virada para o rock com “The Future Is a Foreign Land”, originalmente lançada no filme/DVD Rite Here Rite Now, mostrando que o público também estava familiarizado com esta música. O curto instrumental “Devil Church” deixou antever o regresso à intensidade, imediatamente confirmado com a entrada de “Cirice” — uma das composições mais marcantes de Ghost —, que explodiu em palco e fez o público vibrar.
A banda revisitou também “Darkness at the Heart of My Love”, uma das escolhas menos óbvias de Impera, mas ainda assim bem acolhida, com os fãs a acompanharem o coro final a pedido. Do mais recente álbum, seguiu-se “Satanized”, o primeiro single de apresentação, já bem conhecido dos presentes, que cantaram com Tobias do início ao fim.
O entusiasmo atingiu novos patamares com “Ritual”, um clássico do disco de estreia, recebido em euforia. “Umbra”, a última música do novo trabalho apresentada nesta noite, trouxe uma proposta mais rock, ainda não tão familiar ao público, tornando este talvez o momento mais contido do concerto. Ainda assim, os excelentes solos de guitarra e teclado desta faixa permitiram aos respetivos Nameless Ghouls brilhar.
A partir daqui, a banda deixou de lado as novidades e concentrou-se em alguns dos temas mais fortes e reconhecíveis do seu percurso, confirmando o estatuto consolidado que hoje ostenta. “Year Zero” deu início à reta final, com o público a cantar em uníssono com o Papa, num segmento memorável do espetáculo — ainda mais marcante por não haver registos em vídeo ou fotografia para mais tarde recordar.
Seguiram-se a obrigatória balada “He Is”, a frenética “Rats”, que pôs o público a saltar, o energético rock de “Kiss the Go-Goat”, e o ponto alto de intensidade do concerto, “Mummy Dust”, com headbanging generalizado, chuva de confétis e notas voadoras. A despedida antes do encore fez-se com o hino sombrio “Monstrance Clock”, deixando os fãs entre a satisfação profunda e a euforia.
O encore foi previsível, mas digno de um grande final. Em tom de brincadeira, Forge mencionou que a próxima música era “cantada pelo pai dele”, introduzindo, como se esperava, “Mary on a Cross”, o fenómeno inesperado do TikTok que catapultou esta faixa para a ribalta.
O hard rock dançável de “Dance Macabre” pôs a plateia em delírio, e o fecho com “Square Hammer” trouxe a noite a um clímax de energia e entusiasmo, numa atuação que demonstrou como um concerto sem telemóveis pode intensificar a vivência do momento.
Ficou claro que a vida deve ser vivida no presente e não
apenas registada para memória futura. Afinal, o amanhã é incerto,
e o agora é tudo o que temos — e nesta noite com os Ghost, esse
“agora” foi vivido em plenitude.
Texto por Mário Rodrigues
Agradecimentos: Everything Is New