É por estas e por outras que se chega à conclusão de que vivemos bons tempos para a música underground. Numa altura de crise, a meio da semana, temos um concerto com um bom número de espectadores a justificar a aposta da passagem da tour de três bandas por Portugal.
As duas datas em Portugal eram previstas para duas bandas, pelo que com a adição dos britânicos Esben And The Witch, o espectáculo começou meia hora mais cedo e a actuação dos nuestros hermanos Obsidian Kingdom sofreu com isso, começando a tocar para uma plateia algo vazia, já que entraram em palco às oito e meia quando o que estava estabelecido anteriormente era começar às nove. O destaque foi para o ainda seu último álbum, "Mantis", que foi lançado em edição de autor em 2012 (quinhentas cópias que desapareceram num instante) mas que foi disponibilizado em Outubro passado para o público norte-americano pela Season Of Mist), começando com o tema que encerra o álbum, "And Then It Was" e prosseguindo com a sequência "Last Of the Light" e "Awake Until Dawn". Os níveis de intensidade eram mais que muitos e o tempo voou na actuação da banda basca, com a banda a mostrar uma vida em palco que impressionava, principalmente o teclista Isam Alegre, que estava completamente endiabrado. Ainda se fizeram ouvir a "Cinnamon Balls"/ "Endless wall", "Fingers In Anguish" e "Ballroom", acabando tão depressa como começou. Foram "apenas" trinta e cinco minutos, mas foram trinta e cinco minutos preciosos já que para quem não conhecia, já que ficou provado que mais do que um banda com um bom álbum, está aqui um monstro de palco que consegue agarrar o público do início ao fim, quer a casa esteja vazia ou não. E também se começaram para uma plateia quase despida, no final, tinham uma sala completamente rendida. Mais do que aquecer para os Sólstafir, elevaram bastante a fasquia para aquilo que a banda islandesa teria de fazer para os superar.
De seguida vieram os Esben And The Witch que tiveram direito a um pouco mais de tempo de antena e com a casa já praticamente feita em termos de assistência. Começando de forma quase tímida com o início de "Press Heavenwards", um épico com mais de dez minutos, ir em crescendo até explodir surgir a voz de Rachel Davies a fazer lembrar uma pop já extinta e acompanhada por um guitarrista que até nem usa muita distorção e por baterista versátil. O power-trio poderá não ter tido um efeito imediato mas a voz de Davies, pelo contrário, mostrou-se ser logo o ponto alto da actuação. Aliás, em termos de voz, Rachel Davies dominou entre as bandas, estando ainda mais inspirada do que em estúdio. Antes da calma "Dig Your Fingers In", ela referiu que gostavam muito de estar em Lisboa pela primeira vez, e tocaram ainda a "No Dog", a "The Jungle" e a "Smashed To Pieces In The Still Of The Night". Diferentes dos Obsidian Kingdom, mas com outros pontos de atracção igualmente poderosos. De uma forma mais próxima do shoegaze, o palco também foi dominado por este power trio.
Era chegada a tão aguardada vez dos Sólstafir que entraram em palco quinze minutos depois das dez horas arrancaram ainda mais entusiasmo do que aquele que tinha sido arrancado anteriormente apenas com a sua entrada em palco. Esse monstro que é a "Köld" foi a faixa que abriu o espectáculo e os níveis de emotividade foram logo aos píncaros seguida pela primeira de muitas incursões ao novo trabalho através da faixa "Lágnætti". Algo que tem de ser dito é que os islandeses são únicos na arte de hipnotizar um público, não comunicando praticamente nada com o mesmo, ou pelo menos não se dirigindo verbalmente, exceptuando no final da actuação onde agradeceram pela noite. Outra coisa curiosa foi a forma como conseguiram criar silêncios. O começo a capella de "Rismál" fez salientar este facto, já que o público estava em silêncio. Nos momentos em que Aðalbjörn Tryggvason não emitia sons da sua boca, o silêncio era intenso e claustrofóbico. Na épica "Þín Orð" pôde-se sentir o mesmo. O sentido de ambiência e atmosfera é realmente uma das grandes armas desta banda e o tema título do novo álbum, onde se viu Sæþór Maríus Sæþórsson a largar a sua guitarra para pegar numa espécie de banjo eléctrico que tem uma sonoridade que traz ainda mais um feeling folk à música. Este novo trabalho também demonstra que ao vivo resulta muito bem, conseguindo conjugar uma série de emoções e estados de espírito distintos, indo da melancolia até a ritmos mais alegres (de uma perspectiva islandesa Sólstaferiana, claro) músicas pequenas com os épicos monstruosos que quase obrigam o espectador a entrar em transe e a quase sair do corpo. Para o final ficaram os momentos mais explosivos com o tema título de Svartir Sandar a anteceder a pausa para o encore - que por acaso viu a banda a demorar a voltar ao palco, ou então era o público que estava bastante impaciente - "Fjara" na sua melodia contagiante e a "Goddess Of Ages", a única do set cantada em inglês e que ainda viu Tryggvason a meter-se com os fãs que estavam a tirar fotos mesmo à frente do palco.
Foi uma grande noite de música, daquela que não passa na rádio, que passa despercebida ao mundo e que faz sentir especial quem os conhece e os vê a dar um concerto destes. Três bandas diferentes, três formas diferentes de sentir a música e três formas diferentes de fazer sentir a música. Todos os concertos deveriam mexer desta forma com os espectadores.
Texto por Fernando Ferreira
Fotografia por Liliana Quadrado
Agradecimentos: Prime Artists