About Me

Reportagem: Baroness e Process of Guilt @ Lisboa Ao Vivo, Lisboa - 27/06/2018


Se o profissionalismo se medir apenas pela resiliência e capacidade de se adaptar face às adversidades, então os Baroness são a banda mais profissional do mundo.

Em vésperas de actuar mais uma vez em Portugal, os norte-americanos viram o seu baterista, Sebastian Thomson, abandonar a digressão e regressar de urgência a casa para tratar de imponderáveis de força maior. Perante tal facto, e quando muitos outros o teriam substituído por um roadie ou alguém talvez menos qualificado, ou simplesmente cancelado a data no cantinho à beira mar plantado, John Baizley deixou o mundo saber do que se passava e anunciou que Lisboa iria receber um concerto dos Baroness transformados em trio semi-acústico, sem apoio da sua secção rítmica.

Perante tal facto, foi com muita curiosidade que a fila junto à porta do Lisboa ao Vivo ia debatendo a novidade. Estariam os Baroness a apostar alto demais? Seria possível retratar em palco faixas tão pesadas e intricadas musicalmente com o auxílio de pouca electricidade? Como seriam “vestidas” as músicas perante tal alteração?

Perante uma sala bem composta, e com o palco encimado por um pano de grandes dimensões com o símbolo da banda, os Process of Guilt subiram à hora marcada para mostrar “Black Earth”, o quarto disco de originais da banda lisboeta. Aproveitando este concerto como ensaio geral para a participação da banda no Resurection Fest, onde irão actuar dia 14 de Julho, a banda de industrial doom escolheu tocar ao vivo na totalidade e por ordem as faixas do EP. O início foi com “(No) Shelter”, seguindo-se “Feral Ground”, com o seu riff inicial tão familiar para o público presente. O quarteto serviu depois “Servant” e “Black Earth”, terminando com “Hoax”, numa performance sem mácula e que abre grandes perspectivas para as próximas performances fora de portas para uma banda que merece mais atenção nacional e internacionalmente.

Rápida mudança no palco, nomeadamente a retirada da bateria, e ficou perceptível qual seria a disposição dos Baroness no palco do LAV: Baizley do lado direito, Gina Gleason do lado esquerdo e Nick Jost no centro atrás do sintetizador. Ficou assim bem claro que não iriamos ter baterista e pelos vistos nem baixista. Um enorme pano com a arte de Baizley ondeava no fundo enquanto o público regressava de uma pausa para fumar e enchia a sala de Xabregas. John e Gina entraram em palco calmamente sob uma enorme salva de palmas e mal se sentaram, Baizley fez questão de explicar o que iria acontecer nessa noite, um espectáculo bastante diferente, muito mais intimista, uma tentativa da banda de “não estragar” os temas e pedir muita ajuda e compreensão do público presente.

De guitarras acústicas em punho, os dois guitarristas arrancaram com “Foolsong”, faixa do duplo álbum “Yellow & Green”, de 2012, disco de onde vieram quase a totalidade das faixas escolhidas para o alinhamento desta noite, deixando apenas duas de “Purple”, o mais recente. E se na primeira faixa as diferenças entre a versão original e a tocada não eram marcantes, em “March to the Sea” isso foi difícil de esconder. A faixa tem uma secção rítmica proeminente em disco, e tocada apenas a duas guitarras acústicas perde velocidade e os riffs são menos impactantes, mas ganha toda uma involvência que vai crescendo na medida em que os próprios elementos da banda sentem a reacção muito favorável da plateia. O instrumental “Green Theme” antecede a entrada em palco de Jost, motivando um comentário de Baizley sobre o facto de finalmente serem um trio em palco. Pedindo novamente desculpa pelo “unplugged” – e recebendo um “é pesado na mesma” por parte de alguém no público que fez a banda sorrir de maneira muito sincera, seguiram para “Cocainium”, logo seguido por “Little Things”.

Baizley volta novamente a falar com o público, para relembrar a primeira vez que os Baroness tocaram em Lisboa, no Paradise Garage, e que foi para ele um dos melhores de sempre da banda, tendo ficado apaixonado pela capital portuguesa logo nessa altura. Introduziu "If I Have to Wake Up (Would You Stop the Rain?)", primeira faixa retirada de “Purple” que iriam tocar, dizendo que depois de muitos anos a escrever músicas finalmente escreveu uma “love song”, dedicada a todos os que ficaram ao seu lado depois de um grave acidente em que pensou que nunca iria recuperar, alusão ao desastre rodoviário que a banda sofreu em 2011 perto de Bath, em Inglaterra, quando a chuva e fraca visibilidade fez o autocarro da banda voar de um viaduto para uma queda de mais de nove metros. Com uma interpretação muito sentida e sem a presença da omnipresente bateria no tema, é possível perceber toda a força da letra e da musicalidade do tema. Seguiu-se mais um tema de “Purple”, “Chlorine and Wine”, com o líder dos Baroness a argumentar que esta seria uma faixa onde fazia muita falta a presença de Thomson atrás e que iria “tentar não a estragar muito”. Pela enorme salva de palmas do público presente, deu para perceber que não estragou absolutamente nada. “Board Up the House” e “Eula” marcaram regresso a “Yellow and Green”, antes do encore com o clássico “Shock Me”, de “Purple”, e de mais uma vez um enorme agradecimento ao público português que não deixou de vir ver ao vivo a banda de Savannah a uma quarta-feira. A promessa de regressar em quarteto “como deve de ser” foi a cereja no topo do bolo de um concerto que ficará na memória de muitos.

Texto por Vasco Rodrigues
Fotografias por Sophia Silva
Agradecimentos: Prime Artists