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Entrevista aos Foscor


Os FOSCOR vêm da Catalunha e inspiram-se nas reflexões mórbidas, decadentes e doentias de uma sociedade em rápida mudança, conforme a paisagem artística do final do século XIX.Os catalães regressam com o segundo capítulo "Les Sepulcres Blancs" da trilogia iniciada com "Les Irreals Visions" em 2017, mas fortemente ligado ao movimento cultural do Modernismo. As coisas visuais devem adquirir uma nova aparência secreta e, com “Els Sepulcres Blancs”, os FOSCOR tratam poeticamente como enfrentar a mudança de um mundo e sociedade doentes através da terra dos sonhos. Fiar teve uma interessante conversa com a Metal Imperium continue a ler…

M.I. - Foscor significa "Escuridão" em catalão. Vocês estão ligados à cultura, raízes e tradições catalãs?

Olá Sónia, obrigado por dispensares um pouco do teu tempo connosco para conversar sobre o novo álbum da banda e todos os tópicos relacionados. Para responder à tua pergunta, é preciso voltar aos primeiros dias da banda, quando o Falke e eu decidimos usar algumas ferramentas específicas para compor a iconografia e o universo inicial. Essas ferramentas já foram usadas há 20 anos, com o objectivo de partilhar com o mundo um pedaço do local em que vivemos e construir o nosso ambiente cultural e histórico. Pelo menos parte do que nos inspirava.
O nosso primeiro logótipo foi criado usando o F da tipografia usada em alguns desenhos da Sagrada Família de Gaudí, e uma desculpa para expressarmos o quanto os movimentos do modernismo catalão nos inspiraram. O ícone de Phoenix que costumávamos usar veio de um movimento cultural chamado “Renaixença”, que viu as nossas disciplinas de arte e colectivos sociais levantarem-se novamente após tempos de opressão. Como podes ver, algumas dessas ferramentas ainda fazem parte de nós, da maneira mais presente e completa, acompanhando o uso do nosso nome e letra na língua nativa.
Acreditamos que esta é a melhor maneira de entregar um álbum mais pessoal, pois lembra e relaciona-se directamente ao local onde vivemos e crescemos. Da diferença vem a riqueza deste mundo. Vamos deixar claro o que nos inspirou e ainda nos ensina em muitos níveis.


M.I. - "Els Sepulcres Blancs" é o segundo capítulo da trilogia iniciada com "Les Irreals Visions" e foi lançado recentemente. Como se sentem quando o material é lançado para o mundo ouvir? Com que tipo de sentimentos se deparam?

Excitação, com certeza... uma espécie de vibração assustadora também faz parte desse momento, mas apenas quando se trata de ver se seremos realmente capazes de nos ligarmos emocionalmente com o público. Criamos e tocamos música para estabelecer um diálogo com o resto do mundo, digamos, explicando o conceito e o discurso por trás de um álbum, partilhando uma parte de nós mesmos, que permitiu que uma colecção de músicas e emoções acontecesse.
Isso não é feito apenas para nós mesmos, porque não faria sentido continuar a lutar tanto quanto fazemos para abrir novas portas e aumentar as oportunidades e opções de momentos e experiências a serem vividos.
Estamos muito mais confiantes sobre o que estamos a expressar e como queremos capturar essas emoções; portanto, não há dúvida de que o que entregamos é o que queremos expressar e é coerente com os nossos objectivos e intenções. Continuamos uma jornada iniciada em 2016, antes de assinar com a Season Of Mist e, com certeza, agora as coisas são muito mais fáceis de criar, concretizar e expressar. Enfim, como eu disse antes, sempre há dúvidas sobre se as pessoas se irão identificar connosco e se farão parte da jornada apenas por um instante. Quando esse momento acontece, não tem preço.


M.I. - Qual é a principal inspiração para a trilogia? Como decidiram fazê-la?

Antes de compor "Les Irreals Visions" de 2017, a banda estava focada em encontrar um discurso coerente que pudesse levar faixas musicais e conceptuais, ajudando também em termos estéticos. Da necessidade de fazer todos os álbuns funcionarem como um todo (digamos que durante os álbuns anteriores tudo foi simplesmente observado e não concretizado), percebi que muitas coisas que estávamos a tentar explorar e expressar, mesmo as que nos inspiraram e não fomos capazes de explicar, já foram explicadas e desenvolvidas há um século atrás pelo movimento cultural catalão chamado Modernismo. Isso fez-me ver uma maneira clara de relacionar o discurso criativo com um momento social de convulsão semelhante e, finalmente, a possibilidade de partilhar um pedaço da nossa cultura. Tudo isso conduzido de forma coerente e sólida, ligando todos os nossos objectivos e interesses de maneira adequada e permitindo traduzir o passado no nosso presente, e talvez tornarmo-nos um exemplo para o futuro.
Os artistas que participavam de todos os tipos de disciplinas de arte naqueles anos apareceram num momento de forte renovação dos papéis culturais e sociais vividos no final do século XIX; um modelo provavelmente já consumido que destacava as pessoas e os poderes económicos dos níveis cultural e social, etc. Precisávamos de mais provas e desculpas a respeito de quão real e vasto poderia ser algo que meramente tínhamos usado em termos estéticos antes? Não.
Desenhamos uma linha dividida em 3 capítulos com base nos seguintes princípios, que podem resumir o processo criativo na época:
  • Coisas comuns devem adquirir um novo significado;
  •  Coisas visuais, uma nova aparência secreta;
  • E o já conhecido, a dignidade do desconhecido;

3 princípios que devem ser lidos com olhos poéticos, mas falam de problemas comuns num mundo global e tinham um objectivo real em mudar o mundo e melhorar a vida dos outros através da arte.


M.I. - Porquê o título "Els Sepulcres Blancs"? O que significa?

Assim que decidimos traçar esta linha para os próximos 3 álbuns antes de assinar com a Season Of Mist, o actual e novo "Els Sepulcres Blancs" vai mais fundo na segunda premissa, onde o mundo dos sonhos pode ser visto como a melhor expressão do estado individual. Um nível em que os limites morais podem não afectar os nossos ideais e imaginar um mundo melhor poderia ser feito livremente.
O título é traduzido como "Os Túmulos Brancos", extraído de uma das obras do dramaturgo catalão Jaume Brossa, de 1900. Ele desempenhou um papel de liderança durante o movimento cultural e artístico modernista na literatura. O conteúdo do álbum não é especificamente baseado neste livro, mas leva o título dessa bela metáfora para o acto de sonhar. Obviamente, uma bela metáfora em tempos extremos nos quais os humanos precisam de referências, também precisam de se relacionar entre si de uma maneira diferente e mais equilibrada.
Como acontece com todas as referências sonhadoras, o nevoeiro é uma das principais fontes de inspiração e é usado recorrentemente para obter essa aparência secreta que estamos a reivindicar. Uma espécie de filtro para assistir e viver o mundo de maneira íntima e subtil; onde alguém pode encontrar beleza nos cantos mais decadentes.


M.I. - O álbum inclui 7 faixas e nenhuma está em inglês, como no primeiro capítulo. Por quê?

Repara nos nossos 4 primeiros álbuns em que misturávamos os dois idiomas. Errado ou não, pensamos que poderíamos melhorar a nossa proposta musical. Mas, depois de traçar a clara linha conceptual que encontramos com o movimento modernista catalão, a única maneira de obter coerência total foi cantando tudo no idioma em que falamos, sentimos e pensamos: catalão. Torna o nível emocional que estamos a tentar alcançar e expressar, mais credível, e torna a nossa uma voz mais única para o mundo.


M.I. - Fiar é responsável pela letra. Que temas líricos são abordados?

Descrevo sempre a minha maneira de escrever como um exercício para chegar à beira da noite e encontrar um novo amanhecer para acordar mais forte. É como superar as fraquezas com o coração cheio de vitalidade, usando metáforas e poesia para lidar com questões diárias que podem afectar quem tu quiseres.
O humanismo pode ser o foco principal do meu trabalho como escritor, mas as referências a muitos momentos da vida, momentos históricos e situações que me inspiram, transformam isso numa confusão de emoções, tentando alcançar a reconciliação entre o nível espiritual e o aqui; o nível ideal e o real; e tentar transformar todos os momentos em algo eterno, pois podem ser os últimos.


M.I. - A capa é uma fotografia de Deborah Sheedy. Qual é o seu significado?

Para nós, alcançar a coerência entre todas as parcelas criativas é uma meta em todos os álbuns. A obra de arte deve ser uma extensão do que a música expressa e da letra que se desenvolve, e na parcela visual, uma vez que traçamos a linha a seguir nos próximos álbuns, em termos de conceito e processo criativo, a fotografia foi definida como o melhor canal para se ligar a realidade com o nível de alucinação com o qual estávamos a lidar nas letras.
Com a fotografia da Deborah, como conseguimos com a da Nona Limmen no álbum anterior, estabelecemos alguns termos para ela desenvolver a cena. Intimidade, monumentalidade, o nível ideal de neblina e uma realidade vaga para descrever a acção de excitar os sentidos que estávamos a procurar.
A cena da Deborah passa-se no quarto, um lugar de abrigo, longe do ameaçador mundo social. Um mundo que deve ser melhor visto através dos olhos das mulheres, e esse é outro motivo para trabalhar com a figura feminina através da câmara de uma fotógrafa.
Ao traduzirmos esse momento e o movimento cultural do final do século XIX e início do século XX para os dias actuais, a Deborah Sheedy traduz como sente a metáfora da cama e o acto de sonhar.


M.I. - O álbum já está disponível há alguns dias... como tem sido a resposta até agora?

Estou muito feliz com o feedback recebido até agora... além de ter a impressão de que, juntamente com a Season Of Mist, chegamos mais longe em termos de promoção em comparação com "Les Irreals Visions", a resposta da imprensa e do público tem sido esmagadora.
O nosso objectivo era que o nosso nome e proposta musical se destacassem no cenário internacional como algo diferente e pessoal, e ninguém duvida que conseguimos. Ainda é uma coisa surpreendente para muitas pessoas e novos ouvintes que recebemos, mas espero que, com o tempo, todos vejam as nossas ferramentas como normais e singulares, pois vêem uma banda como Solstafir (e muitos outros) a cantar na sua língua nativa e a usar parte das suas vidas e antecedentes no que fazem.


M.I. - Quem gere a página de Facebook dos Foscor e as redes sociais? É porreiro lidar com os fãs directamente e ver as suas reacções imediatamente?

Sou eu quem cuida das redes sociais e das comunicações da banda. Às vezes, é uma tarefa exaustiva quando se trata de actualizar tudo e apresentar bem a estética. Se desejas manter a coerência ao longo de todas as parcelas da banda, tudo deve estar ao mesmo nível. Entrar em contacto com as pessoas através das redes sociais é o primeiro passo para obter o diálogo desejado que eu mencionei antes e, com certeza, um presente para esta tarefa.
Deve haver um equilíbrio entre todas as parcelas da criação e comunicação. A Internet é uma óptima ferramenta, mas deve ser manuseada com cuidado.


M.I. - O que é que os Foscor têm reservado para 2019/2020?

Estaremos focados em tocar a nossa música ao vivo em todo o lado. Agora estamos a trabalhar com a Doomstar Bookings e, além de uma série de datas ibéricas antes do final de 2019, tentaremos tocar na Europa durante o primeiro trimestre de 2020.


M.I. - Eu sei que pode ser muito cedo para perguntar, mas já estão a preparar o terceiro capítulo da trilogia? Se sim, já têm alguma ideia de quando será lançado?

É muito cedo em termos de composição e trabalho, como fizemos com este novo álbum e, claro, o anterior, mas eu já sei o título e o conceito por trás dele. Deves pensar que ainda precisamos de enfrentar o ciclo de tocar ao vivo com este álbum e prepará-lo adequadamente para que a música ao vivo seja tão coerente quanto a restante... por isso, ainda há muito que fazer.
Mas, sobre o tópico do álbum, a terceira parte aprofundará a terceira premissa do mencionado anteriormente:
And the already known, the dignity of the unknown.
Digamos que, no final, é necessária uma acção para permitir que a mudança ocorra e é isso que desenvolveremos no futuro encerramento desta trilogia. Não posso prever quando pode sair. Precisamos sentir o momento e ainda há muito para fazer antes.


M.I. - Como é um concerto de Foscor? Qual foi o concerto mais louco que já fizeram?

Trágico pode ser a melhor palavra para descrever os nossos concertos e como as pessoas experimentam a nossa música. Provavelmente é muito mais intenso do que o que pode ser ouvido no álbum, e obviamente tal deve-se ao contacto directo. Eu acho que essa é a magia da experiência do Live, quão humana e forte ela torna a ligação entre a multidão e a banda.
Lembro-me de muitas noites boas e loucas, mas sem dúvida acho que foi a apresentação do último álbum em Barcelona e alguns concertos há uns anos quando comemorámos o 10.º aniversário da banda com os Vidres A La Sang. O entusiasmo foi além do real durante essas noites e sentimo-nos muito bem... é aquele diálogo e conexão que pretendo reviver.


M.I. - A música espalha-se tão rápido hoje em dia por causa da internet. Achas que a tecnologia e as redes sociais podem ter afectado a essência da música?

Não acho que a essência da música possa ser afectada pela Internet, mas é verdade que os hábitos de consumo mudaram muito em comparação com os anos 90. Actualmente, a vida de um álbum é muito menor do que antes, e uma banda só mantém a visibilidade além do período promocional se a sua presença ao vivo for constante e extensa. Requer uma luta contínua para ampliar os ciclos dos álbuns, já que a quantidade de bandas por aí é muito grande para seguir todas as bandas, conforme a música e a arte exigem.
Os álbuns ainda não são feitos como fast food / música... mas o consumo leva a hábitos de vida muito curtos. Não se trata apenas de música, mas de estética, que deve manter a atenção das pessoas por mais tempo. Quando alguém encontra um álbum de que gosta, a internet permite-lhe aproximar-se e ficar mais bem informado do que nunca. Mas a internet exige um filtro pessoal, se não quiseres ser engolido pela infinidade de notícias e ofertas massivas de música. Tudo requer um equilíbrio e, com certeza, a Internet precisa de ser tratada como uma óptima ferramenta que pode fazer-te sentires-te perdido devido ao mercado saturado.


M.I. - Como está a cena underground na Catalunha? As bandas de metal dão-se bem? Há muitas pessoas a assistir aos concertos agora que Barcelona está cheia de turistas?

Barcelona e os seus arredores têm uma cena forte em todos os estilos musicais, que hoje oferece propostas conhecidas mundialmente, longe do era há apenas uma década atrás. Basta reparar nos nossos colegas de editora os Obsidian Kingdom, os thrashers Crisix ou os roqueiros Syberia. Todos eles cresceram sem referências e agora estão a oferecer vozes únicas no seu estilo, alcançando visibilidade longe do nosso pequeno território. Os Death Metallers Graveyard ou a banda de Fantasy Folk, Trobar De Morte, ou os Post-Rockers Ánteros estão ainda mais presentes nos palcos internacionais do que aqui, e a lista continua forte com muitos outros artistas, desde o Black Metal ao Post Punk.
Também há uma relação muito saudável entre muitos deles, o que permite aprender e partilhar interesses a muitos níveis diferentes, e isso acontece com muitas outras bandas do território espanhol.
Apesar de ter perdido muitos espaços de eventos de tamanho médio e pequeno, a cidade de Barcelona ainda mantém uma infraestrutura forte e é um bom local para tournées internacionais onde bandas locais podem participar e continuar a crescer. Eu diria que este é um momento saudável para a nossa cena e bandas.


M.I. - Os Foscor prestam atenção à política? São a favor da independência da Catalunha ou contra ela? Por quê?

Foscor é um colectivo criativo interessado em dialogar com o mundo e em se relacionar com indivíduos semelhantes através da arte. Música, letras, recursos visuais e, claro, a experiência ao vivo são o que os Foscor oferecem para saberem como entendemos e lemos o mundo. A política nunca fez parte do conteúdo da letra e nunca fará. Não vou dizer que estamos a lidar com tópicos muito mais importantes, mas, na verdade, falar em política parece-me um acto muito banal.
Política e políticos devem ser a parcela encarregada de impor ordem e liderar os interesses e necessidades da humanidade. Já foi provado muitas vezes que essa classe de pessoas deve deixar de lado todas as emoções e ter empatia com o ser comum. Estamos a tentar lidar, explorar e aprender com emoções, com as nossas fraquezas e com todas essas ameaças que tornam a nossa vida tão difícil.
Dito isto, é verdade que vivemos num mundo social e, como parte dele, sofremos todos os efeitos de nossa própria política. Sou pela independência da Catalunha como pela independência de qualquer outro território ou colectivo com o seu próprio projecto comum e memória histórica, que podem ter aspirações próprias de se tornar diferente do que o rodeia.
Não apenas porque temos a nossa própria cultura, que parece tão irritante na utopia espanhola interminável de um projecto para obter um país homogéneo, temos mais direitos do que qualquer outra pessoa. Mas não é uma coisa agradável ver um colectivo pacífico ser espancado pela polícia apenas por uma questão de votos... e esse tipo de coisa afecta-me assim como afecta a maneira como escrevo e expresso as minhas emoções.
Não tem nada a ver com política, mas com aqueles humanos que não conseguem lidar com a diferença.


M.I. - Deixa uma mensagem final aos leitores da Metal Imperium.

Que a escuridão seja trágica ...

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Entrevista por Sónia Fonseca