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Entrevista aos Shores Of Null


A banda italiana de Blackened Gothic Doom, Shores Of Null, lançou recentemente "Beyond The Shores (On Death And Dying)", que apresenta músicos convidados de alta classe (Mikko Kotamäki / Swallow The Sun e Thomas AG Jensen / Saturnus) e leva o ouvinte numa jornada através do processo de luto, que é inspirado nos cinco estágios do luto formulados pela psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross. Lançado no dia 27 de novembro pela Spikerot Records, Davide Straccione (vocal) conversou com a Metal Imperium sobre este álbum que possui apenas uma música com mais de 38 minutos. Continuem a ler...

M.I. - Qual é a origem do nome Shores of Null? O que significa para vocês? 

Quando escolhes um nome para a tua banda, queres ter certeza de que é único, algo que não dará outros resultados nos motores de busca, e Shores Of Null soou perfeito para esse propósito. Além disso, procurava algo evocativo, ligado à nossa música, e o meu fascínio por riachos veio ajudar. Lembro-me de que estava em Budapeste, nas margens do Danúbio, quando a inspiração me chegou; e os outros tipos adoraram o nome. O que significa para mim? Os Shores of Null representam um lugar onde se começa de novo, um pouco como fazíamos quando começamos a banda, mas a coisa boa, sobre música e arte em geral, é que podes encontrar o teu próprio significado dentro delas.


M.I. – Os Shores of Null contêm membros de bandas como Zippo, The Orange Man Theory, Noumeno, Il Grande Scisma d'Oriente, Mens Phrenetica. Por que decidiram formar uma nova banda? 

As nossas bandas anteriores estão todas dissolvidas ou em espera agora, e mesmo quando começamos os Shores Of Null, todos estavam à procura de algo novo e The Orange Man Theory, Mens Phrenetica e Il Grande Scisma D’Oriente já não estavam ativos. Eu ainda estava muito envolvido com os Zippo e o Emiliano era muito ativo com os Noumeno e outras bandas, sendo baterista ele sempre foi um tipo muito procurado. Os Zippo e The Orange Man Theory - a minha ex-banda e a ex-banda do Gabriele - partilharam a mesma editora Subsound Records por alguns anos e foi assim que nos conhecemos, também tocamos nos mesmos concertos e fizemos muitas tournées juntos que fortaleceram a nossa amizade. Durante essas tournées, encontramos uma paixão comum na música gothic / doom e fantasiamos em formar uma banda deste género. Isso permaneceu apenas uma ideia até que algo realmente inesperado aconteceu alguns anos depois, por volta de 2012: o Raffaele tinha riffs que não podia usar nos Mens Phrenetica, muito tristes e sombrios, e encontrou-se com o Gabriele e começou a trabalhar nesses riffs enquanto escrevia material novo. Quando as gravações da demo ficaram prontas, o Gabriele lembrou-se das nossas velhas fantasias e entrou em contacto comigo. Estou feliz por ele o ter feito.


M.I. - Shores of Null é uma banda cujos membros estão na cena metal há muito tempo... a experiência ensinou-vos a fazer as coisas melhor com esta banda? 

Claro. Com esta banda queríamos aproveitar a nossa experiência e trabalhar melhor em todos os aspetos. É por isso que nos concentramos em tocar ao vivo antes mesmo de lançar um álbum, porque não é só lançar um álbum e já está, um álbum deve ser o ponto de partida, não o objetivo final, precisas de te apresentar e testar as reações das pessoas. Antes de começarmos a procurar uma editora, lembro-me que lançamos o nosso primeiro vídeo para a música “Kings Of Null” e organizamos uma mini tournée com os Negura Bunget, em 2013. Com essa apresentação começamos a contactar editoras e foi assim que recebemos uma resposta da Candlelight Records.


M.I. - O som é muito diferente das vossas bandas anteriores, qual foi a motivação para mudar para um som mais sombrio? O que nos podem dizer sobre as influências dos Shores of Null? Como descreveriam a vossa música? 

Como disse antes, eu e o Gabriele costumávamos andar em tournée com as nossas antigas bandas que tocavam rock progressivo stoner (Zippo) e Hardcore / Death'n'roll (TOMT), e como disseste, eram totalmente diferentes dos Shores Of Null. Mas, não ouço apenas um tipo de música, e sempre fui fã do lado melancólico do metal, assim como o Gabriele. Type 0 Negative, Sentenced, Paradise Lost, My Dying Bride, Katatonia, Anathema, Amorphis, foram grandes influências para mim enquanto crescia e é a minha música de conforto ainda hoje. Algumas dessas influências podem ser encontradas dentro do som dos Shores Of Null, bem como vibrações enegrecidas “emprestadas” dos Enslaved ou Primordial mas, no geral, tentamos fazer as nossas próprias coisas. Muitos jornalistas e também fãs notaram uma vibe de Alice In Chains na nossa música, provavelmente devido à minha abordagem vocal, marcada por um forte uso de harmonizações. Temos a tendência de descrever a nossa música como Blackened Gothic Doom.


M.I. - Em 2014 lançaram o álbum de estreia ”Quiescence” e em 2017, “Black Drapes for Tomorrow”. Agora, em 2020, é hora de "Beyond The Shores (On Death And Dying)". Quais são as principais diferenças entre eles? Quanto é que vocês evoluíram? 

Nos dois primeiros álbuns as influências são mais variadas, com várias camadas de géneros diferentes: doom, gótico, melodic death e black; algumas músicas são mais lentas, outras mais rápidas, mas acho que dificultamos a vida dos jornalistas, porque podiam dizer totalmente de onde vieram as nossas inspirações mas, provavelmente, não existem muitas bandas que as misturam da mesma forma que nós o fazemos. Estou apenas a dizer o que me disseram, não gosto de falar sobre música de uma forma analítica, para ser honesto. “Black Drapes For Tomorrow” tem alguns elementos mais progressivos em comparação com a franqueza de ‘Quiescence’, mas no geral são dois discos de que ainda gosto muito. O que fizemos com “Beyond The Shores (On Death And Dying)” foi pegar no nosso lado mais lento, pesado e dramático e levar esses aspetos ao extremo, ainda existem todos os elementos dos Shores Of Null, mas definitivamente vistos com um estilo gótico / doom metal, às vezes até fúnebre. A adição de instrumentos clássicos como violinos ou piano, certamente presta uma homenagem aos deuses dos anos 90 do género, mas não é algo que fizemos de propósito, a influência sempre esteve lá, só precisava do momento certo para sair. Já temos um quarto álbum gravado e representa uma espécie de continuação dos dois anteriores, portanto vamos considerar “Beyond The Shores” como um desvio agradável.


M.I. - Os dois primeiros álbuns “Quiescence” e “Black Drapes for Tomorrow” foram lançados através da Candlelight Records, depois assinaram contrato com a Spinefarm, mas não lançaram nada e o novo álbum será lançado pela Spikerot Records. O que aconteceu com a Spinefarm? Por que mudaram para a Spikerot Records?

Algum tempo após o lançamento de “Quiescence”, a Candlelight foi comprada pela Spinefarm, que assumiu o catálogo anterior da Candlelight, bem como os novos lançamentos. Ainda tínhamos um contrato com a Candlelight, por isso “Black Drapes For Tomorrow” foi lançado em 2017 sob o selo Candlelight / Spinefarm, e essa é a explicação para a tua pergunta. Durante essa transição sofremos muito, a comunicação não foi tranquila, a promoção não foi como o esperado, sentimo-nos deixados para trás e estávamos a perder o controlo da nossa própria música, por isso uma mudança drástica foi necessária. A Spikerot Records é a minha editora, que administro com dois grandes amigos, e tudo que queríamos para este álbum era criar uma boa sinergia entre a editora, os membros da banda, as agências de relações públicas e assim por diante, e até agora as reações têm sido incrivelmente boas.


M.I. - Como é que os Shores of Null representam a cena do metal italiano? O folclore e as tradições italianas influenciam a vossa música? Como é que a música reflete os vossos sentimentos? 

Não sei se posso responder adequadamente à primeira parte da pergunta... nós, pessoalmente, trabalhamos muito na cena musical como promotores e também como membros da banda, e conhecemos a luta. Existem muitas bandas boas no nosso país, mas às vezes tem que se cavar fundo para encontrar algumas joias escondidas. O folclore e as tradições italianas são tópicos interessantes, mas não posso dizer que façam parte da nossa formação musical ou lírica. Em vez disso, a nossa música reflete muito bem os nossos sentimentos íntimos, mesmo quando nos inspiramos noutra coisa, um livro ou a experiência de outra pessoa, eu filtro-o sempre com os meus próprios olhos e tento torná-lo meu.


M.I. – Os vossos riffs, tempos e melodias criam algo muito forte e tornam as músicas muito memoráveis. Como é que esse processo é feito na banda? Escrevem coletivamente? 

Não somos o tipo de banda que improvisa na sala de ensaio, já não temos sala de ensaio por causa do Covid-19, da ausência de concertos ao vivo e de morarmos longe uns dos outros. Felizmente, a nossa maneira de compor não mudou ao longo dos anos. Normalmente, começamos com um rascunho de uma música de um dos dois guitarristas, o Gabriele ou o Raffaele, ou de ambos. Esse rascunho é enviado para o resto da banda e fazemos alguns ajustes juntos, especialmente enquanto trabalho nas vozes, posso precisar de esticar algumas partes ou montar algo diferente, todos nós damos sugestões de como melhorar a música e acho que isso é um elemento chave na democracia da banda. Depois de adicionar as vozes, gravamos algumas pré-produções mais sérias em casa para, quando chegarmos ao estúdio, sabermos exatamente o que fazer.


M.I. - O novo álbum apresenta apenas uma música que dura mais de 38 minutos. Por que optaram por incluir apenas uma música longa?

Na verdade, como mencionei antes, já estamos a preparar outro álbum. Para encurtar a história, no verão de 2019 entramos no Kick Recording Studio para gravar um álbum normal com faixas diferentes, gravamos bateria e baixo e depois fizemos uma pausa porque é assim que costumamos fazer as coisas. Normalmente, demoramos um longo período de tempo a gravar por causa dos nossos empregos, mas também porque não queremos apressar nada. Durante este período, o Gabriele e o Raffaele criaram esta nova música e, em apenas 4 ou 5 sessões, ela ficou pronta. Estávamos a passar por um momento muito negativo na nossa vida como banda e não sabíamos o que o futuro nos reservava, o relacionamento com a nossa editora anterior era incerto e frustrante, e a única coisa que fomos capazes de fazer foi traduzir esses sentimentos em música, e acabou por ser esta longa faixa e decidimos aproveitar enquanto o estúdio ainda estava reservado, para a gravar também. Para fazer isso, tivemos que gravar a bateria e o baixo novamente antes de gravar as guitarras e as vozes para os dois álbuns. Portanto, na verdade, “Beyond The Shores” era para ser o quarto álbum, mas foi lançado como terceiro, a razão por trás disso é simples: num momento em que não temos certeza quando seremos capazes de tocar ao vivo novamente, um álbum com uma faixa de trinta e oito minutos minuto com certeza parece adequado. Claro, adoraríamos tocar esse ao vivo também.


M.I. - Para o novo álbum vocês inspiraram-se nas 5 fases do luto formuladas pela psiquiatra suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross. Afinal, quais são os 5 estágios? Contem-nos mais sobre isso, por favor.

Quando a faixa instrumental estava quase completa, tivemos que pensar sobre o tema lírico, eu estava muito esgotado na época porque tinha acabado de escrever as letras para o outro álbum e não tinha nenhum assunto em mente. Em seguida, o Gabriele sugeriu que as letras fossem baseadas no trabalho de Elisabeth Kübler-Ross e especialmente no seu livro de 1969 "On Death And Dying". Então fiz a minha pesquisa e, honestamente, não consegui encontrar um tema mais adequado para este álbum, o fluxo narrativo da composição combinava perfeitamente com o conceito, por assim dizer. Não há outra razão por trás disso, não temos estudos sobre psiquiatria na nossa educação, mas sentimos uma ligação interna e misteriosa entre uma música tão longa e os 5 estágios do luto. Conforme a música progredia, nós intencionalmente ligamos um estágio a um riff particular, por exemplo, e isso ajudou-me muito a escrever as letras. Os estágios nunca são consecutivos, mas perseguem-se uns aos outros, porque cada pessoa é diferente, assim como cada luto é diferente. Isso pode ser visto como a história pessoal de um ser humano diagnosticado com uma doença terminal, da negação à aceitação.


M.I. – O Marco “Cinghio” tem sido o homem responsável por todos os lançamentos dos Shores Of Null até agora. Além de ser um produtor de primeira linha no Kick Recording Studio, também é conhecido por ser baixista / guitarrista nos Hour Of Penance, Inno, Coffin Birth, Buffalo Grillz e The Orange Man Theory. Trabalhar com um amigo tão próximo complica ou facilita as coisas?

Eu mencionei anteriormente os The Orange Man Theory, certo? Bem, o Marco era o baixista dessa banda, e foi assim que o conheci. Quando ele abriu o Kick Recording Studio, não tínhamos dúvidas sobre aonde ir, e tentamos manter a mesma equipa porque preferimos crescer juntamente com as mesmas pessoas em vez de mudar de equipa todas as vezes. Trabalhar com um amigo próximo que também é um verdadeiro profissional torna as coisas muito mais fáceis, temos mais flexibilidade e, o mais importante, ele conhece o nosso som, a maneira como tocamos, a maneira como canto, e tenta sempre tirar o melhor de nós, é isso que um bom produtor faz.


M.I. – A Martina L. McLean é a mulher responsável pelos vossos vídeos e trabalhou no novo vídeo para “Beyond The Shores (On Death And Dying)”, uma curta-metragem de quase 40 minutos que foi lançado recentemente. Como surgiu a ideia de fazer uma curta-metragem? Quão complicado é fazer algo assim? 

Preferimos dizer simplesmente que é um vídeo porque a palavra “curta-metragem” pode assustar as pessoas :) Piadas à parte, a duração desempenha um papel importante neste. Debatemos muito se devíamos fazer um vídeo ou não, se para a música inteira ou apenas um excerto. O aspeto visual sempre foi crucial para os Shores Of Null ao longo dos anos, mas no início estávamos quase a desistir devido ao aspeto financeiro, mas não só isso, fazer um vídeo de quase 40 minutos de música é uma loucura em todos os sentidos. No entanto, decidimos tentar e literalmente filmamos tudo em 3 dias, desde as primeiras luzes da manhã até aos últimos raios de sol, filmamos tudo entre as montanhas de Abruzzo, um castelo e um pequeno cemitério na Toscana, tudo isso durante uma pandemia, a lidar com zonas vermelhas, carros avariados, um orçamento apertado e prazos rígidos. Foi filmado em novembro e lançado no início de dezembro. Parabéns à Martina e aos Sanda Movies por acreditarem em nós e criarem um trabalho tão massivo. Ouvir a música enquanto assistes ao vídeo e lês as letras oferece-te uma experiência melhor sobre todo o tema.


M.I. - "Beyond The Shores (On Death And Dying)" tem músicos convidados de alta classe (Mikko Kotamäki / Swallow The Sun e Thomas AG Jensen / Saturnus). Como surgiu a ideia de convidá-los? Que outras surpresas é que os fãs podem esperar do novo álbum?

A natureza narrativa da obra exigiu alguns efeitos especiais. Depois de ouvir os primeiros riffs algo ficou muito claro para mim: este álbum era especial e precisávamos de alguns convidados para dar ao disco uma maior profundidade. A ideia de “contratar” o Mikko e o Thomas surgiu naturalmente, as respetivas partes em que cantam são totalmente adequadas para eles e quanto mais eu ouvia essas partes, mais me convencia de que deveria convidá-los. Felizmente, o convite foi um sucesso e conseguimos levar os dois para Roma para as gravações, isso foi um aspeto muito importante para nós, tê-los em estúdio connosco, não apenas alguns convidados distantes. Sabes o que quero dizer, o Mikko e o Thomas são realmente parte do álbum, este disco não seria o mesmo sem eles, o mesmo vale para a Elisabetta Marchetti, cantora dos Inno, em que o nosso produtor (e o seu marido) Marco também toca. Realmente queria algumas vozes femininas neste álbum e os resultados são simplesmente impressionantes. Outra convidada vocal é a Martina L. McLean, que contribuiu com o seu grito agudo numa parte pequena, mas muito significativa na música. E depois tem o violino e o contrabaixo tocados pela Valentina e o Fabio Gabbianelli e piano de cauda tocado pelo Paolo Campitalli. Como vês, foi um trabalho de grupo e não poderia ser de outra forma.


M.I. – Como é que os Shores of Null estão a lidar com esta situação de pandemia pela qual todos nós estamos a passar?

Continuamos a ser seres humanos responsáveis, não podemos culpar ninguém por tudo o que está a acontecer. Tentamos tirar o melhor proveito desta situação sem precedentes, antes de tudo queríamos muito que o álbum saísse este ano. Realmente sentíamos a necessidade de lançar novas músicas e esse álbum especialmente num momento tão estranho para a humanidade, não poderíamos esperar mais um ano na esperança de que os concertos ao vivo começassem. Quanto ao resto, ainda conseguimos sobreviver com os nossos empregos, e temos sorte. Espero que isto acabe rápido.


M.I. - Quais são os objetivos a curto prazo para a banda? Uma tournée? Transmissão de concertos ao vivo?

Certamente continuar a promover o novo álbum e fazer alguns concertos de verão se a situação melhorar. Transmissão de concertos ao vivo? Nunca digas nunca.


M.I. - Deixe uma mensagem aos fãs e leitores portugueses do Metal Imperium Webzine. 

Muito obrigado por lerem esta entrevista, e espero que possamos tocar em Portugal num futuro próximo. Nunca tivemos a oportunidade de tocar aí ainda, mas tenho a certeza que seremos capazes de encontrar almas gémeas sombrias aí também.



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Entrevista por Sónia Fonseca