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Entrevista aos Witches Hammer


As bruxas reergueram-se e voltaram do passado distante da forma mais crua, veloz, brutal e negra possível.  Os Witches Hammer são uma banda de black/thrash metal canadiana, que se formaram no início dos anos 80. Devido às várias demos que saíram nessa década, tornaram-se numa banda de culto mas sem nunca dar o passo seguinte.
Em 2021, lançaram o seu (apenas) segundo longa-duração, Devourer of the Dead. 
Falámos com o fundador e guitarrista, Marco Banco, que nos levou à épica época do thrash, esclareceu a história da banda e até declamou um soneto!

M.I. – Em primeiro lugar, obrigado pela entrevista! É sempre bom ter algumas palavras de quem viveu e moldou o metal – seja qual for o estilo – desde o início e que ainda hoje faz música de verdade. Congratulo o vosso regresso!

Obrigado pelas boas palavras de apoio.

 
M.I. – Ok, começando do princípio… Conta a vossa história. Apareceram em 1985, lançaram uma série de demos e desapareceram. Regressaram no início do século 21 com algumas compilações e desapareceram novamente. E, em 2020, voltaram para lançar, finalmente, o primeiro longa-duração. O que aconteceu durante todos estes anos??

Certo. A ideia para Witches Hammer começou por volta de 1982 na escola secundária. A música com a qual crescemos, Judas Priest, Black Sabbath Thin Lizzy, Led Zeppelin e grupos desse estilo, influenciaram-nos e inspiraram-nos a tocar riffs pesados.
No entanto, com a nossa geração a tornar-se adolescente, é claro, procurou o seu próprio estilo, o seu som. Venom e grupos parecidos… Algo um pouco mais cru, mais rápido e mais pesado.
Sendo já maníaco do heavy metal de Exciter, quando o Kill 'em All (Metallica), Show No Mercy (Slayer) e Metal On Metal (Anvil) saíram, tudo mudou.
Foi esse o catalisador para nos tornarmos algo diferente. O que foi ótimo porque causou uma grande divisão entre a velha guarda e nós.
Irritou bastante as cabeças mais clássicas. Acho que eles odiaram porque estava a roubar a sua onda Led Zeppelin e Nazareth e estavam com medo de não conseguirem arranjar mais sexo... Ainda bem.
Criámos esta coisa e chamamo-la de Death, depois Oblivion e, de seguida, Witches Hammer.
Completámos a formação em 1984 e gravámos imediatamente uma demo que nos arranjou, sendo a única banda de speed/thrash na nossa província, concertos com Exciter, Sacred Blade, Exodus, Metal Church, Verbal Abuse, The Accused, D.O.A, S.N.F.U. etc etc.
Correu muito bem nos primeiros dias.
Grandes multidões e muito entusiasmo porque era tudo tão novo.
Isso continuou até 1990, quando eu entrei para os Blasphemy, o Mike Death juntou-se aos Procreation e o John foi para os Armoros.
Não nos voltámos a juntar até 2018.
No início do século 21, a Nuclear War Now! Productions (NWNPROD) lançou compilações do nosso material antigo, mas nós nunca nos reunimos como um grupo de trabalho até 2018.
Lançámos esses dois álbuns porque a NWN informou-nos que gostariam de lançar todas as músicas não gravadas que tivemos nas demos entre 83-89. Depois de cerca de um ano a recolher tudo, entramos em estúdio e fizemos isto.


M.I. – Acho que o vosso nome vem de Malleus Maleficarum ou Martelo das Bruxas, um livro do século XV que era considerado um compêndio de demonologia. Foi até banido durante a Inquisição porque poderia levar a práticas ilegais. Tiveram/têm muitos demónios para exorcizar? Ou era uma forma de ser “contra” algo instituído na época?

Foi simplesmente um livro com o qual me deparei na secção ocultista/religiosa da minha escola.
Pensei que soava fixe. Então apresentei-o e o resto da banda achou que era bom porque era diferente.


M.I. - Acho que ainda não te parabenizei pelo novo álbum. Grande álbum! Tão bom quanto o anterior, mas parece-me com um som um pouco mais claro, onde o baixo e as guitarras, nalgumas partes, se destacam mais. Explica a produção de Devourer of the Dead.

Muito obrigado.
Gravámos Devourer of the Dead no mesmo estúdio com o mesmo produtor. Levámos um pouco mais de tempo na produção do que no primeiro álbum. Só porque queríamos que a bateria e o baixo tivessem mais clareza, já que ambos tocam excelentes nuances que queríamos ouvir um pouco mais.
 
 
M.I. – Tanto Damnation Is My Salvation como Devourer of the Dead têm reedições de músicas das demos e compilações. A produção dessas músicas correu como querias, da forma que foram inicialmente pensadas ou ainda havia espaço para melhorias?

Há sempre espaço para melhorias, mas praticamente gravámos tudo junto. Obter o melhor da primeira tentativa e partir daí. Pessoalmente, gosto que a minha música soe o mais natural possível e é isso que tu ouves. Uma banda ao vivo. Não produzido demais. Algumas das canções da demo precisavam ser gravadas corretamente. Por isso, foi isso que fizemos.  Uma vez gravado, deixo ir ou ficarei lá para sempre.


M.I. – Assim como em Damnation Is My Salvation, também em Devourer of the Dead optaram por colocar a roda do sol (ou sol negro) do Speed ​​Metal na capa. Porquê?

O logotipo da Banzai (editora canadiana) do speed metal do Canadá do início dos anos 1980 representa uma época que galvanizou o que era marginalizado como mainstream, o underground, tanto quanto o heavy metal, com punk rock e bandas de hardcore. Essa cena tomou conta e reuniu dois tons de música que criaram uma nova aparência artística. Grandes bandas, grandes shows e música crossover que unificou um estilo em algo que mudou completamente a direção e o cenário musical. Então continuamos a usar isso como a nossa herança musical. Na condenação, a roda destrói a terra. Em Devourer, a roda está a ser destruída.

 
M.I. – Existem mais músicas antigas perdidas que veremos em álbuns futuros?

Há mais algumas músicas demo que precisamos gravar corretamente e vários cortes não gravados que estamos a montar atualmente para o próximo lançamento, sim.
 

M.I. – Como está a correr a promoção de Devourer of the Dead?

Está a correr bem, mas poderia estar muito melhor, na minha opinião.


M.I. – Quem foram as vossas principais influências? Que bandas ouviam no Canadá quando se juntaram?

Ah, tantas! Claro que, sendo crianças que cresceram nos anos 1970 e 80, as nossas influências e inspiração são muito das precursoras do heavy metal: Black Sabbath, Judas Priest, Deep Purple, Thin Lizzy, Kiss, Led Zeppelin, Budgie, Rush, Motörhead.
Mas a nossa inspiração, desde que nos juntámos em 1983, para este estilo foram os Venom, Slayer, Metallica, Exciter, Anvil, Culprit e outras bandas porreiras como essas.

 
M.I. – Qual foi a primeira canção que aprenderam e tocaram juntos?

A primeira canção heavy, thrash, speed metal, como quiseres chamar, tocada em Vancouver B.C. Foi numa cave em North Delta (British Columbia, Canada) por uma banda local - Bloodlust dos Venom.
Foi um grande dia.
 
 
M.I. – E onde e como foi o vosso primeiro concerto?

O nosso primeiro concerto foi em 1985 no teatro de York abrindo para os Exciter, Exodus Metal Church e Sacred Blade, em Vancouver.

 
M.I. – Logo após a reunião da banda, em 2018, fizeram o primeiro concerto ao vivo na Alemanha. Porque escolheram a Europa em vez de fazê-lo em casa?

Na verdade, não escolhemos. A NWN pediu-nos para tocar no festival. Nós dissemos que sim, claro.


M.I. – Tocaram com grandes nomes como Metal Church ou Exodus. Como foi? Estavam nervosos? Alguma história engraçada? Como era a atmosfera naqueles dias do “velho oeste selvagem”?

Foi fantástico! Eu era um grande fã do Bounded By Blood dos Exodus. Eles estavam em digressão para esse álbum e o Paul Baloff foi uma grande influência para todos nós. Por isso, estávamos muito interessados ​​em fazer parte disso. Eu era muito jovem na época, com 15 anos, por isso não falei muito nos bastidores. Observei  mais e gostei de estar lá. Estava muito nervoso para me apresentar à frente de um grande público, pois nunca tinha feito isso antes. Mas o que me impressionou foi a rapidez com que passou. A adrenalina era tanta, que quando atingimos a nossa última nota no final do set, olhei à volta por um segundo, surpreso por já ter terminado. No entanto, o resto do concerto e depois, na festa, foi excelente. Os tipos dos Exodus fizeram jus à sua reputação e foram muito porreiros. Perguntei ao Baloff porque limava as unhas em pontas. Ele respondeu: “Para poder arrancar os olhos aos exibicionistas”. Personagens interessantes. A era inicial desse movimento speed/thrash era muito fixe. Era uma coisa nossa. Eu parava na sombra, no extremo leste, nos clubes mais underground. O que se tornou fixe foi o facto de ser tão odiado pelas pessoas tradicionais do hard rock e do metal. Para mim, isso foi o melhor porque sabia que estava no começo de algo. Sem falar que toda a gente era tão jovem. Na verdade, se já tinhas 20 anos, parecias um pouco velho para nós.
Os concertos ficaram maiores, as multidões ficaram maiores. Foi tudo muito bom.
 
 
M.I. – Sempre vi o underground como uma grande escola de vida. Saber superar dificuldades, concertos crus e loucos e crescimento “sustentado”. Agora, os artistas aparecem graças a concursos de TV e canais do YouTube. Achas que é por isso que a maioria sai de moda e não faz sucesso na música? Porque lhes falta “essa escola de vida”?

Bem, é claro que gosto do som e do estilo da minha geração. Não sou muito fã de esterilidade e música demasiado produzida. Pessoalmente, prefiro um som sujo e natural ao vivo, que crie nuances. Música onde se ouve o entusiasmo, a adrenalina e a angústia nos riffs. É isso que faz eriçar o pelo. Quando posso ouvir o som que cria uma visão que coloca o ouvinte no centro da música. Perdes-te numa paisagem de sonho. Posso sentir o maldito clube imundo, a escuridão das ruas ou o que quer que ele crie. Para mim, isso é incrível. É orgânico, misterioso, puro. É difícil criar isso com um som sanitário superproduzido.


M.I. – O Canadá lançou alguns grandes nomes do metal – Annihilator, Voivod, Devin Townsend… Sentes que hoje, na segunda década do século 21, existe alguma banda que tenha seguido esses passos? Ou há algum nome de metal canadiano que achas que é subestimado?

Eu não ouço nada que realmente me interesse no metal, neste momento, no que toca a novas bandas.
 

M.I – O vosso “regresso” em 2003 com a coletânea Canadian Speed ​​Metal (e todas as outras que se seguiram) foi através do Nuclear War Now! Como é que aconteceu?

Isso não foi um regresso da banda. A Canadian Speed Metal foi uma compilação que a NWN lançou com o nosso material antigo da década de 1980. Mas o grupo nunca se reuniu ou sequer falou sobre isso, naquela altura.  A NWN entrou em contacto connosco sobre o lançamento de demos e EP`s antigos, assim como as gravações de 1988. Nós concordamos, eles foram em frente e fizeram um excelente trabalho.
 

M.I – Havia alguma oportunidade, naquela época (2003), de lançar um álbum de originais pela NNW!Productions? Houve conversas nesse sentido?

Não, de jeito nenhum. O nosso baterista original John, faleceu em 1997. Ele e eu escrevemos a maior parte das músicas. Eu não tinha nenhum desejo de ressuscitar o som antigo em 2003.
Na verdade, pensar nisso quase me repugnava, por algum motivo. Não pensei duas vezes.


M.I. – Depois de tanto tempo de ausência, acabam por lançar os vossos dois álbuns no momento mais estranho dos últimos 120 anos, com uma pandemia que bloqueou o mundo. Foi um momento “Que se lixe! Vamos lá!”, tinham um prazo para cumprir, consideram adiar os álbuns?...

Em 2018 estava a conversar com o Ray (vocais) e o Yosuke (NWN) e o Yosuke perguntou quanto do material nunca gravámos, na altura...
Eu respondi: “Temos muitas demos de cave, riffs, todos os tipos de jam sessions que gravámos e que nunca viram um estúdio adequado”.
Ele perguntou “Queres gravá-los?”. Eu era contra e o Ray também.
Mas então começámos a falar sobre o John e quantas músicas ele escreveu comigo. Que talvez fosse porreiro deixar o seu legado já que ele foi um dos elementos que começou e criou nossa cena de metal extremo em Vancouver BC.
Pensei sobre isso durante algumas semanas, sabendo que desenterrar todas aquelas demos antigas seria uma tarefa enorme.
Depois de pensar nisso, liguei para os outros e disse “ok, vou começar a montar tudo”.
Levei um ano inteiro para encontrar tudo. Reaprendi uma tonelada de riffs daquelas fitas de 1984-88, levei-os para o estúdio e lá fomos nós. Aí veio o confinamento e decidimos fazer outro álbum já que tínhamos material mais do que suficiente. Há um terceiro álbum que estamos a montar neste momento.

 
M.I. – Como foram as entradas do AJ, do Steve e do Jesse? Já os conheciam e convidaram ou houve audições?

Durante algum tempo, estive num grupo chamado Tyrants Blood com o Steve Sinned. Já o conhecia antes de ver se ele queria entrar nos Witches Hammer. Foi uma transição fácil para ele. Especialmente, porque moramos perto um do outro.
O Jesse e o AJ, conheço-os há alguns anos. O Jesse toca com o Steve numa banda de death metal e ele gosta do tipo de música que fazemos, por isso foi muito fácil.
Colocámos um anúncio para o baixo porque o nosso baixista original, o Steve Withrow, ficou muito doente devido a um acidente no local de trabalho e não pôde mais apresentar-se.
Na verdade, foi assim que o Jesse entrou, também, na segunda guitarra.
O Mike Death, o nosso segundo guitarrista original de 87-89, ficou muito doente. Então decidimos pegar no Jesse.
Mas estou a divagar. O anúncio criou um burburinho e reduzimos a escolha para 5 baixistas. O AJ aprendeu as músicas mais rápido e criou riffs porreiros. Também tomou a iniciativa de fazer alguns concertos e festivais realmente arrebatadores… Ele encaixou-se perfeitamente na banda.
E foi isso.


M.I. – Todos os membros estão a 100% nos Witches Hammer? Ou têm outros projetos?

Eu e o Ray (vocais) estamos apenas nos Witches Hammer. O AJ (baixo), o Jesse (guitarra) e o Steve (bateria) estão todos noutros projetos.

 
M.I. - Se quisermos ouvir e comprar mais coisas de Witches Hammer, especialmente as primeiras demos, onde podemos fazê-lo?

Ah, as demos! São difíceis de encontrar, especialmente, as originais, pois foram apenas cerca de 100 feitas e enviadas para promoção.
O EP de 1987 é tão raro quanto o depósito em que foi guardado. Ardeu totalmente. Por isso, não há muitas cópias originais.
É claro que as reedições podem ser encontradas através de uma pesquisa rápida em muitos dos vários comerciantes, colecionadores e empresas de distribuição.


M.I. – Previsões/planos para apresentações ao vivo?

Algumas apresentações ao vivo estão a chegar. Em Los Angeles nalgum momento de maio. Vancouver, em maio também, com Exciter, Razor e Sacrifice. Agosto, em Victoria BC, com Ares Kingdom.


M.I. – Quase a terminar... Últimas palavras para os nossos leitores?

Humm, talvez o grande soneto;
“Encontrei um viajante vindo de uma antiga terra
Que me disse: — Duas imensas e destroncadas pernas de pedra
Erguem-se no deserto. Perto delas, sobre a areia
Meio enterrado, jaz um rosto despedaçado, cuja carranca
Com lábio enrugado e sorriso de frio comando
Dizem que seu escultor soube ler bem suas paixões
Que ainda sobrevivem, estampadas nessas coisas inertes,
A mão que os escarneceu e o coração que os alimentou
E no pedestal aparecem estas palavras:
"Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:
Contemplai as minhas obras, ó poderosos e desesperai-vos!"
Nada mais resta: em redor a decadência
Daquele destroço colossal, sem limite e vazio
As areias solitárias e planas se espalham para longe
.......................... .......... Infinito”
(N.T.: "Ozymandias" é um soneto de Percy Bysshe Shelley, publicado em 1818)
 
M.I. – Mais uma vez, obrigado pelas respostas e desculpa esta longa entrevista. Mas diante de lendas, sempre há muito que perguntar. Fica seguro e continuem a fazer grandes músicas!

Excelente, obrigado. Até à próxima.

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Entrevista por Ivan Santos