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Reportagem: Opeth e Voivod @ Sala Tejo, Altice Arena - 26.11.2022



Já se passavam 6 anos desde a última vez que Portugal recebeu os gigantes do metal progressivo, Opeth. Não faltando aos fãs motivos para celebrar, também os suecos se encontravam numa tour especial que celebrava os seus 30 anos de carreira, a Opeth Evolution XXX By Request Tour, e que trouxe uma setlist muito especial, escolhida “a dedo”. O início da noite esteve no entanto, a cargo dos Voivod, uma das grandes influências para muitas bandas atuais e crucial na génese dos Opeth.

Antecipando uma sala lotada, a abertura das portas ocorreu mais cedo que o previsto, começando os fãs de ambas as bandas a afluir para a Sala Tejo da Altice Arena. As honras da casa são feitas pelos Voivod, que apesar de uma disposição simples e modesta de todo o equipamento em palco, apenas iluminado nas traseiras por um ecrã gigante com o logo da banda, se encaixava perfeitamente na onda old school deste grupo, que já está em cena desde 1982. O importante afinal era a música e a diversão, e estas falaram sem dúvida mais alto que os jogos de luzes ou a falta deles. Entrando com “Experiment” e “The Unknown”, ficaram evidentes os fãs “die hard” na plateia, mas também muita gente que não estava ainda familiarizada com a sonoridade da banda. É verdade que normalmente estamos mais habituados a que as bandas de abertura sejam nomes ainda em ascenção, fazendo destas oportunidades rampas de lançamento. Visionários e mestres na sua arte, os Voivod não se encaixam de todo nesta posição comum de banda de abertura. Em vez disso, nesta noite os Opeth reservaram esse lugar para deixar a sua homenagem à banda que desde sempre os influenciou na sua composição musical e que tanto apreciam. Nas palavras de Mikael Åkerfeldt, esta foi “A melhor banda com quem já estivemos em tour”. Assim, se por um lado os canadianos já demonstraram várias vezes o porquê de ainda continuarem a ser um nome de peso na cena do metal progressivo e experimental, por outro foi uma ótima oportunidade para os fãs que ainda não tinham cruzado caminho com a sua sonoridade tão caótica, ver estes titãs em palco. Esperava-se desta noite uma quantidade abundante de música progressiva e os Voivod tinham-na para dar e vender, especialmente patente nas obras do novo álbum. Em “Synchro Anarchy” e “Holographic Thinking” e perante fãs para os quais os poliritmos, mudanças de tempo e síncopes não são estranhos, confesso que manter um nível de headbang satisfatório que acompanhasse estas faixas não foi tarefa fácil… Em palco, tanto o baixista Rocky, como o guitarrista Chewy, mostravam boa disposição e um ar de quem se estava a divertir à grande. Snake era o guia visual para os compassos, patrulhando confiantemente a frente de um lado para o outro, enquanto Away guardava a sua energia e concentração para manter o tempo. Houve ainda tempo para a passagem por um dos temas favoritos, “The Prow” e ainda “Fix My Heart”, intercaladas por mais uma faixa do novo álbum, “Planet Eaters”. Como já é costume, a banda encerrou assim a sua atuação com um excelente cover de “Astronomy Domine” dos Pink Floyd, que se enquadrou na perfeição.

Inicialmente com data marcada para 2021 e posteriormente remarcada, Portugal recebeu finalmente os Opeth, numa noite muito especial e melancólica, uma vez que seria também a última data desta tour. Desde o seu início e até aos dias de hoje que a banda sueca tem vindo a construir um reportório único, englobando os mais diversos géneros e subgéneros, passando pelos seus primórdios do black metal, até ao “hoje em dia” com uma vertente prog-rock mais presente. Em boa verdade, e com tanta diversidade musical, não deve ser nada fácil elaborar uma setlist, mas pelo menos desta vez foram os fãs que se encarregaram da tarefa, uma ideia que Mikael admitiu não ter achado muita piada, acabando contudo por ceder. O resultado? Uma setlist curada pelos fãs, com uma seleção de uma faixa por álbum e que traz ao palco uma grande variedade de temas, incluindo uma estreia ao vivo. Sem demoras e com a mesma pontualidade da banda anterior chegava agora a vez dos Opeth, que faziam já soar os primeiros e falaciosamente serenos acordes do clássico de 2005, “Ghost of Perdition”. Foi uma entrada a pés juntos com uma obra prima de 10 minutos, que quase de imediato coloca em foco os guturais de Mikael Äkerfledt, numa sala que era preenchida pelos aplausos incessantes da plateia. Ainda sem grande tempo para recuperar o fôlego, seguiu-se “Demon of the Fall”, também esta uma faixa de peso e com uma sonoridade intimidadora. Apesar das mudanças de membros que os Opeth sofreram ao longo dos anos e particularmente da mais recente entrada de Waltteri Väyrynen, esta digressão parecia estar a correr lindamente, observando-se um grupo muito coordenado em palco. Em contraste com os sorrisos de ponta a ponta visíveis na plateia, a banda rasgava pelas músicas com enorme proficiência, mas também com caras muito sérias e concentradas, não querendo dizer que as faixas lhe estavam a dar particular luta. Talvez os Opeth não sejam propriamente conhecidos por serem um grupo super dinâmico em palco, talvez até menos que os Voivod, mas a verdadeira chave desta relação com o público era Mikael Äkerfeldt. Famoso pela sua personalidade carismática e humor seco, o vocalista dirigia-se à plateia, da maneira única que apenas ele sabe fazer, com a sua postura serena e espirituosa, dando lugar a risos e gargalhas que intercalavam a maioria das músicas. Dada a evolução da banda, nos últimos anos existe uma maior tendência para músicas menos centradas nos vocais com guturais e fry e com mais vertente melódica e frases cantadas. Não fossem as faixas terem sido escolhidas pelos fãs e talvez Mikael tivesse mantido este registo vocalmente mais sereno pelo qual tem demonstrado preferência. Confesso que não sabia o que esperar… Contudo, ficou bem claro que, ainda que possa existir menos prática e talvez sejam menos saídos das profundezas abissais, os famosos guturais de Mikael maturaram e continuam fortes como nunca, não se vendo nenhum esforço na sua execução. A passagem por “Under The Weeping Moon” foi um ótimo exemplo disso, regressando aos primórdios black metal da banda, com o luar em pano de fundo. “Pano” de fundo esse que consistia num ecrã que ao longo de todo o concerto passou vídeos e imagens que complementavam visualmente cada uma das faixas, em conjunto com diversas projeções de luzes. Seria mais fácil descrever em maior detalhe este cenário durante músicas mais introspetivas e melancólias como “Windowpane” e “Harvest”, mas para além de saber que simplesmente encaixavam na perfeição, o embalar da voz de Äkerfeldt levava a melhor de muitos de nós na plateia que íamos de olhos fechados para um mundo à parte. A meio do set, uma das grandes experiências da noite foi ouvir a “Black Rose Immortal” ao vivo… Pois é, 20 minutos de música, sempre a bombar riffs atrás de riffs. Um aglomerado musical, que foi na verdade a música mais votada pelos fãs. Vemos contudo, que Mikael não partilha do mesmo entusiasmo, tanto que foi a primeira vez que tocaram este monstro de música em tour. Incrivelmente, sem sinais de cansaço, a banda passa diretamente para “Burden”, que oferece o momento perfeito para fazer brilhar os solos em conjunto de Mikael e Fredrik Åkesson. Já seguíamos em quase 30 minutos seguidos de música quando Mikael confirma com a plateia se estão todos prontos para mais uma faixa, “queixando-se” de que são todas tão longas, dando assim entrada a “The Moor”, seguida por “The Devil’s Orchard”.
A banda retomou novamente as obras mais recentes com a semi-clássica “Allting tar slut”, e os riffs e chuggs lentos de Sorceress, faixa que marcava já o início do encore. A pedido de um fã com um cartaz, houve ainda tempo para um cover da complexa “You Suffer” dos Napalm Death, tocada duas vezes, como que para exibir as capacidades técnicas, um ótimo contraste com a “Black Rose Immortal”… Para fechar a noite em grande, ficou escolhida a “Deliverance”, que agitou muito mais a sala do que qualquer outro dos temas, vendo-se até o primeiro e único “Crowdsurf” e moshpit. Quer tenha sido por emoção, brincadeira ou esquecimento da letra, Mikael aproveitou esta faixa para soltar os seus rugidos que substituíram uma boa parte da letra, antes de entrar no registo cantado.

Agora com um catálogo mais rico e diverso, foi interessante ouvir ao vivo os exemplares das várias obras que têm marcado a evolução dos Opeth, numa única noite. Um espetáculo de duas bandas únicas que superou largamente as expectativas, satisfazendo ainda o desejo de um concerto com uma setlist feita a gosto pelos fãs e muito prog.


Texto por Miguel Matinho
Fotografias por Paulo Jorge Pereira
Agradecimentos: Prime Artists