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Reportagem: 3º Dia - Evil Live 2025: Slipknot, Falling in Reverse, Jinjer, Adept, Gaerea e Faemine @ Estádio do Restelo - 29.06.2025


Chegou o último dia do Evil Live, e desde cedo se viam demasiadas T-shirts dos Slipknot e muitas pessoas mascaradas, antecipando auspiciosamente uma noite memorável. 

Sem demoras, chegou o momento dos FAEMINE. Abriram com o seu single “Salvation”, e logo se acendeu uma faísca no recinto. Metalcore moderno, com forte ênfase na atmosfera e numa dualidade notável entre vocais limpos e guturais. Nota-se claramente uma grande influência de Bullet For My Valentine, sobretudo nos álbuns mais recentes, tanto na mistura como no timbre vocal. Tocar com o calor absurdo que se fazia sentir, manter uma presença intensa em palco e ainda ativar toda a plateia seria tarefa impossível, mas não para este grupo abençoado pelos deuses da música. Tocaram seis malhas com mestria, mantendo todos os olhares cravados no palco. Em “Black Star”, pediram um circle pit, e nem o calor travou os metaleiros, que giraram freneticamente, culminando num Breakdown que convidava ao crowd surfing, servindo para refrescar o ambiente. “Broken Bones” e “Oceans Collide” encerraram a atuação, sempre com muito mosh à mistura. Ficou claro: apostar nesta banda foi uma vitória para todos.

Os Gaerea subiram ao palco e a atmosfera mudou de imediato. A sua presença foi quase sobre-humana durante os (breves) 60 minutos da atuação. Arrancaram de forma brutal com “Hope Shatters” e, para quem diz que não há Mosh Pit em Black Metal, é melhor assistir a um concerto de Gaerea - porque há - e é muito bem-vindo. Toda a atuação pareceu um ritual, uma invocação de almas penadas para uma celebração intensa, e ninguém no Restelo se incomodou em ser possuído pela genialidade destes artistas do Porto. Uma performance enérgica, cuidada e impressionante, marcada por um sentimento de regresso aos palcos lusos, algo reiterado nas várias intervenções. A energia transbordava, e mesmo com o calor, espalhou felicidade entre todos os presentes, que receberam cada música como algo muito seu (afinal, são os nossos Gaerea). A sonoridade é rica e diversa, sem repetição entre temas, desde os mais melódicos aos mais atmosféricos. 
Destaque para “World Ablaze”, onde se sente, nas entrelinhas, uma pincelada de metalcore ou hardcore, revelando ousadia e criatividade. Esta música serviu de base para muito Mosh e Crowd Surfing, num ambiente que todos levarão no coração. Após a terceira do set, “Salve”, com mais festa bruta, anunciaram dois concertos em dezembro – um no Porto e outro em Lisboa. Se levarem a mesma intensidade que mostraram no Evil Live, preparem esses corações metálicos. Ainda houve tempo para “Wilted Flower”, num registo ultra atmosférico, com muitos braços no ar a abanar ritmicamente – quebrando preconceitos irracionais sobre o Black Metal. Terminaram com “Laude” numa atuação grandiosa que mostra porque fazem tanto furor cá dentro e lá fora. Da parte da plateia, a entrega foi igual de intensa, culminando num grito em uníssono entre banda e público: “We are Gaerea”. Estes gigantes do Black Metal deixaram a sua marca e conquistaram mais um festival.

A mudança de cartaz em cima da hora trouxe os Adept em substituição dos Crossfaith. Os suecos apresentaram um metalcore moderno com Breakdowns absurdos que quase exigiam avisos de tsunami. Começaram, como tem sido habitual na tour, com “Heaven”, que rapidamente evidenciou a qualidade do dualismo vocal e a capacidade de manter o recinto em ebulição. O ponto alto foi com “Carry the Weight”, onde um riff influenciado pelo Thrash conduziu a um solo lindíssimo, adornado com um tapping maravilhoso. A quantidade e exuberância dos Breakdowns terão sido responsáveis por alegadas lesões no esternocleidomastóideo. Deixaram um enorme elogio aos More Than a Thousand – mais uma banda a cativar ouvidos lá fora - antes de entrarem em “Secrets” com uns Breakdowns que fizeram a constante gravitacional mudar por breves instantes (tal era o peso). “Black Veins” com forte influência no Hip Hop, muito bem recebida pela plateia que aproveitaram a salada russa de Breakdows para saltarem exageradamente. Em “Shark! Shark! Shark!” numa sonoridade mais ligada à segunda onda de Metalcore (mais melódico), foi requerido pelo vocalista Robert Ljung, que se fizesse um pit colossal. A insanidade atingiu proporções mal calculadas pela banda, e foi quase preciso chamar um exorcista para retirar os demónios daquela malta, que rodaram freneticamente (alguns sem colocarem os pés no chão). A loucura continuou com “Ivory Tower”, onde os fãs trocaram os calções camuflados por calções de banho – era hora de surfar as multidões. Despediram-se com o single “You”, seguido de “At Least Give me my Dreams Back, You Negligent Whore!” – duas canções mais orelhudas. Vieram, viram e conquistaram. 

Quando se ouviu o primeiro acorde de “On the Top”, parecia que todos tinham sido teletransportados para outro planeta - o Planeta Jinjer - onde as leis da física são groove e vitalidade. O entusiasmo de Tatiana Shmailyuk era divinal e espalhou-se rapidamente por todo o Restelo. ‘Bom dia, Portugal’, e seguiram-se três malhas do mais recente álbum: “Duél”, “Green Serpent” e “Fast Draw”, todas repletas de groove, criatividade e energia. “Vortex”, “Teacher, Teacher!” e “Judgement (& Punishment)” trouxeram a sonoridade clássica dos Jinjer – e os Fiscais do Djent foram convocados. 
O concerto ganhava cada vez mais fãs e, como um quasar, absorvia todos para os devolver sob forma de energia musical – um compromisso raro, típico de bandas desta dimensão. As músicas foram executadas com todo o empenho esperado do quarteto ucraniano, sempre com groove, dissonâncias e melodias envolventes, que encheram os tímpanos dos mais glutões, e que convenceram os mais teimosos. Destacam-se “I Speak Astronomy”, provavelmente a melhor do alinhamento – capaz de converter calor em som – e “Someone’s Daughter”, pela profundidade lírica que não deixou ninguém indiferente. Antes de fecharem com “Pisces”, deixaram um ‘We Love You Portugal’, e com aquele vozeirão, Tatiana hipnotizou o público. Mosh Pits infinitos alimentados pelo djent dos Jinjer, com pausas para lançar banhistas metálicos sobre a multidão. O carinho pela banda foi tão intenso que os próprios Jinjer admitiram: foi um dos melhores concertos da tour. E para muitos, o melhor de todo o festival. 

Nos altifalantes, “Highway to Hell” dos AC/DC incendiou o estádio. Os Falling in Reverse entraram em palco com força, e após a voz de Bon Scott, foi a vez de “Prequel” dar o tom, criando um ambiente intenso e empoderado. Seguiu-se “Zombified”, mais uma desculpa para o Crowd Surfing, com direito a Super Mário, Jesus Cristo e disfarces variados a flutuar por ali. Cada tema trouxe a sua marca: “I’m not a Vampire” teve o melhor solo de guitarra da noite e groove contagiante; “Bad Guy” trouxe muito Rap com crítica social; “Losing My Mind” manteve o Rap, agora fundido com industrial e metalcore; “The Drug in Me is You” introduzida com piada ‘knock, knock’, bebeu do Punk Rock, em especial do Skate Punk, e deslumbrou com uma linha de baixo encantadora. “Just Like You” destacou-se pela paródia em palco e festa fora dele, culminando com Ronnie Radke a pedir o dedo do meio de todos – e talvez um recorde de piret. Ainda houve uma simulação de abandonar o concerto… mas todos conhecem esses truques. A recta final fez-se com temas clássicos dos Falling in Reverse. “All My Life” trouxe todos os membros de chapéu, a gritar - e a pôr toda a gente a gritar - inúmeros ‘Yeah ahh’ (em tom de cowboy), espalhados por todo o estádio. 
A alegria atingiu proporções que desafiaram qualquer lei da física clássica, ao ponto de Ronnie Radke captar o momento com uma foto da multidão. Seguiu-se “Popular Monster”, carregado de Hip Hop e com um Breakdown que, honestamente, devia ser considerado ilegal. Em “Voices in My Head” voltou a carga, com mais um Breakdown ideal para provocar hérnias cervicais, ainda assim, ninguém arredou pé, todos curtiam intensamente. As duas últimas faixas foram “Ronald”, com uma agressividade e peso superiores a tudo o que tinham tocado até então; e “Watch the World Burn”, com mãos no ar e um ambiente de verdadeiro festival. Despediram-se com um sincero ‘We love you’. A sonoridade dos Falling in Reverse é bem mais complexa do que muitos poderão pensar à primeira audição. Uma liga metálica de Metalcore fundida com fortes influências de Rap e Hip Hop, iluminada por ramificações de Pop e polvilhada com muitos elementos Industriais. O resultado? Um som que agrada a quase todos e que ao vivo conquista até os mais céticos. Se a sonoridade por si só não convenceu, a presença em palco tratou do resto. Foi uma atuação sólida, distinta de tudo o que se ouvira até então no festival. Os festivaleiros corresponderam com entusiasmo, provando uma vez mais que são genuinamente ecléticos. Durante aquela hora, houve uma espécie de amnésia colectiva, esqueceram-se todos de que estavam num festival de Metal. E a verdade é que ninguém quis saber de rótulos.
 
Chegara o momento: Slipknot! O início mais épico do festival. Um milésimo de segundo após a primeira batida em “(Sic)”, o Restelo virou campo de batalha: choveram litros de cerveja, voaram copos, houve Mosh, Crowd Surfing – 22 mil pessoas em êxtase. Corey Taylor gritou “Are you Fu%&#ng Ready?” e atiraram-se para “People=Shit”. A prova estava dada: Eloy Casagrande foi uma contratação acertada. “Gematria (The Killing Name)” estreou-se finalmente em Portugal. Como agradecimento, a multidão inventou um Mosh Pit perpétuo com energia capaz de abastecer o planeta. Seguiu-se “Wait and Bleed”, ovacionada e com crowd surfing desenfreado. 
Olhando para o setlist típico desta tour, seria fácil pensar que “Nero Forte” e “Yen” fossem momentos mortos. No entanto, o pacto de sangue entre banda e fãs era tão sólido e inquebrável que todos entoaram as letras como verdadeiros fanáticos. O segundo grande destaque foi “Psychosocial”, que trouxe uma onda de nostalgia que bateu forte em todos os corações. E, mais uma vez, Eloy provou que a coroa não pesa na sua cabeça. Sid Wilson teve o seu momento com “Tattered & Torn”, antes de se avançar para “Heretic Anthem”. Aqui atingiu-se o apogeu: um mega circle pit surgiu em uníssono com os berros ‘six-six-six’, numa epidemia altamente contagiosa que se espalhou por todo o recinto, uma constelação puramente metálica de circle pits em constante expansão. “Devil in I” veio para espremer a loucura até à última gota. Mas os ‘Evilnenses’ sabem bem que um concerto de Slipknot é como ir para a guerra, e trouxeram munições inesgotáveis, prontas para durar até ao último segundo da noite. “Unsainted” serviu de aquecimento para o clássico que se seguiu: “Duality”. E nessa, Corey Taylor e companhia devem ter ficado com os tímpanos a arder, tal foi a força com que o público gritou o refrão, especialmente o lendário ‘Eyes!’.

O encore foi servido em três doses: “Spit it Out”, “Surfacing” e “Scissors”. A primeira funcionou como um aperitivo intensamente condimentado, usado como desculpa para prolongar ainda mais a festa: o público não mostrava sinais de cansaço. A segunda trouxe uma libertação total, expressa em mais crowd surfing, mosh e uma avalanche de saltos. Já “Scissors” poderia parecer, à primeira vista, um final anticlimático. Mas foi precisamente aí que os Slipknot revelaram o seu verdadeiro poder. Numa representação quase ritualística, o grupo do Iowa transformou o estádio numa experiência coletiva xamânica. Cada pessoa teve o seu momento único, o seu desígnio pessoal, a sua descoberta interior. Uma performance irrepreensível para encerrar o festival: verdadeiramente ‘ouro sobre azul’. Ou, como diriam em Des Moines, “icing on the cake”: sublime, perfeito e dominador.

Num concerto sem mácula, os Slipknot mostraram como se faz. Numa noite especial, marcada pelo aniversário do seu álbum de estreia, foi no Evil Live que se celebrou: e que celebração foi essa! Protagonizaram aquele que ficará na memória como o melhor concerto de todo o festival. O som esteve no ponto certo, e o ambiente ultrapassou qualquer expectativa. A idolatria pelos Slipknot esteve presente desde o primeiro momento do dia até ao último segundo da última música. A potência dos norte-americanos foi tal que houve quem alucinasse (em grupo) e se visse como marinheiro, a remar nas marés de cerveja lançadas ao longo de todo o espetáculo. Só uma banda de topo consegue pôr mais de 20 mil pessoas a vibrar daquela maneira. Eloy Casagrande tomou conta da percussão com mestria absoluta, tão assombrosa que, não fosse Corey mencioná-lo, poucos teriam notado a ausência de Clown em palco.

O festival Evil Live chegou ao fim de uma forma que muitos poderiam ter previsto, em parte, embora nunca se esperasse tamanha intensidade. Este, foi mais um dia repleto de brilhantes concertos, que quase que eclipsaram os dias anteriores. Ficam as memórias bem gravadas, para serem digeridas pausadamente, enquanto se aguarda pela próxima edição (ansiosamente)!


Texto por Marco Santos Candeias
Fotografia por Paulo Jorge Tavares
Agradecimentos: Prime Artists