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Entrevista aos Carach Angren


Quase duas décadas depois de “Lammendam” ter revelado ao mundo o seu universo espectral de horror sinfónico, os mestres holandeses do black metal cinematográfico, Carach Angren, regressam ao ponto de partida. O novo EP “The Cult of Kariba” ressuscita as terras assombradas de Lammendam com uma nova e arrepiante narrativa, enraizada em antigas lendas, feitiçaria e vingança.
Nesta entrevista exclusiva para a Metal Imperium, Ardek e Seregor revelam as origens da maldição de Kariba, as ligações sombrias entre mito e história, e como a sua arte de contar histórias continua a evoluir após vinte anos de terror. Entre ecos industriais e pesadelos orquestrais, “The Cult of Kariba” prova que o teatro fantasmagórico dos Carach Angren está longe de terminar… tornou-se apenas mais venenoso!

M.I. – “The Cult of Kariba” revisita um pouco o mundo de “Lammendam”, pois foi nessa altura que vocês estabeleceram o vosso estilo característico de black metal sinfónico e narrativa centrada em diferentes fantasmas e lendas. O que vos inspirou a regressar a esse tipo de histórias agora?

Ardek: Deparámo-nos com algumas informações que revelaram novas camadas da história original de “Lammendam”. Havia indícios de que existia um conto sobre uma bruxa venenosa chamada “Kariba”, com uma história de fundo completamente diferente. É possível que “A Dama Branca” e “Kariba” sejam a mesma personagem. A lenda original revela-se muito antiga, com elementos que remontam à Idade das Trevas. É o que acontece com este tipo de histórias… são contadas ao longo de centenas de anos, e acabam por ganhar ou perder elementos. Ficámos fascinados com esta história paralela de Kariba e decidimos criar uma espécie de sequela ou prequela sob a forma deste EP.


M.I. – Como “Franckensteina Strataemontanus” foi um conceito tão complexo, foi libertador regressar a uma narrativa mais enraizada no folclore e “local”?

Seregor: Libertador? Não sei bem. Depende da perspetiva, acho eu. De certa forma, sim, o álbum “Franckensteina” é denso, profundo e complexo. Mas, por outro lado, a história de Frankenstein já existe. O Ardek tinha ficado com algumas músicas de estilo mais industrial de um projeto em que trabalhou. A história tem muitas facetas: horror, ciência, amor, assassinato, vida, morte, tristeza, religião, etc. E a revolução industrial é uma delas, pois ocorreu nessa altura. Eu não gostava muito daquela música de “fábrica amaldiçoada” dele, até que encontrei o título que o verdadeiro Doutor Frankenstein (Johan Conrad Dippel) usava nos seus estudos: Franckensteina Strataemontanus. E essas palavras encaixavam perfeitamente com a ideia da revolução industrial, e, de repente, aquela maldita música de fábrica... passei a adorá-la. Tornou-se algo precioso na nossa discografia. É um exemplo entre milhares de pequenos detalhes que fazem um álbum acontecer. Assim, pode-se dizer que a história de Frankenstein é inegavelmente famosa… é fácil seguir certas linhas, porque as partes boas da história já existem. A história de Lammendam é, de facto, mais local e pessoal. Especialmente para mim. Tenho 45 anos, e já andava a brincar com Lammendam em bandas de black/death metal quando me masturbei pela primeira vez. Ainda se pode encontrar um álbum no YouTube de uma banda chamada Inger Indolia, intitulado “Hexed Forgotten Sanctuaries”, com a música “The Lammendam Saga”. Dá para ouvir a minha voz rouca e a horrível linha de baixo, haha. “Lammendam” é o álbum de estreia dos Carach Angren. Quando era miúdo, ouvia os velhos da aldeia sussurrar sobre um lugar amaldiçoado na floresta, onde não se ouviam pássaros e se viam vestígios de um castelo que teria afundado nas profundezas do Inferno por volta de 1600/1700. Não havia internet, apenas avisos e murmúrios dos velhotes. Então, peguei na bicicleta e fui à procura. Demorei dois anos a encontrar o local certo, porque está escondido numa floresta densa e rodeado por areia movediça. A história diz, basicamente, o seguinte: existia um castelo ou quinta onde vivia uma bela mulher que se apaixonou por dois homens: um cavaleiro holandês e um duque alemão. Ela dormia com a Holanda de manhã e com a Alemanha à noite. Aparentemente, um deles descobriu e o castelo foi reduzido a cinzas (ainda hoje se pode ver o fosso do castelo). A mulher morreu de forma agonizante. Tudo isto aconteceu durante a Revolução Francesa. Refugiados franceses vieram para a vila de Schinveld trabalhar nos campos. Trabalhavam arduamente, e alguns diziam: “Cuidado, quando a lua está cheia, pode ver-se uma figura envolta em branco a pairar junto à orla da floresta.” Os franceses chamaram-lhe La Madame Blanche. Os holandeses pegaram nessa expressão e, com o passar dos anos, transformou-se em Lammendam. Agora, o interessante é que, depois de todos estes anos, o Ardek teve a ideia de revisitar Lammendam e encontrámos uma história totalmente diferente na internet. Descobrimos que a saga é muito mais antiga, remontando à época romana, quando a vila foi fundada como uma simples estrada com uma sepultura de soldado romano. Desta vez encontrámos uma lenda sobre uma bruxa venenosa, Kariba, conhecida por voltar o seu ódio contra a humanidade. Também havia um holandês e um alemão nesta história. Um queria matar o outro e foi procurar a bruxa por um veneno. Quando ela percebeu que o veneno se destinava ao homem que um dia a salvara das presas de um javali selvagem, decidiu avisá-lo. Em vez dela, foram os seus filhos que foram queimados na fogueira. Por ter interferido com os assuntos humanos, quebrou um juramento e foi amaldiçoada por uma divindade da floresta, transformando-se numa velha feia e odiadora de homens, condenada a viver sozinha no bosque.Descobrimos que, em 1666, 75% da vila foi dizimada por uma doença. E é aqui que ser Carach Angren se torna libertadord… amos o nosso próprio toque à narrativa e decidimos que Kariba teria sido a responsável por esse genocídio. Não inventamos coisas ao acaso; fazemos o nosso trabalho de pesquisa para garantir que as nossas teorias têm base em factos e lendas reais. Portanto, pode muito bem ser verdade que Kariba, filha do Diabo, envenenou mais de metade da aldeia em 1666.


M.I. – Kariba é uma figura tanto aterradora quanto misteriosa. Como moldaram a sua personalidade ao escrever a narrativa? Ela foi sempre pensada como vilã ou há ambiguidade no seu papel?

Seregor: Bem... como disse, Kariba é mais ou menos o mesmo que a Dama Branca, ambas assombram as ruínas de Lammendam. A Dama Branca era uma jovem que não conseguiu escolher entre o amor de dois homens. Provavelmente um deles descobriu e incendiou o castelo, transformando-a num espírito vingativo. A informação existente sobre Kariba classifica-a simplesmente como uma bruxa feia e maligna. A parte ambígua da sua história é que, eventualmente, ela avisou alguém sobre o veneno que ela própria criara, o que levou à sua desfiguração e solidão. Desde então, passou a odiar tudo. Acrescentámos elementos nossos, como o facto de os seus filhos terem sido enforcados pelos seus pecados. E até hoje, um culto sombrio segue os passos de Kariba.


M.I. – Se a própria Kariba vos pudesse falar hoje, o que acham que diria sobre a forma como foi retratada neste EP?

Seregor: Bem, talvez dissesse: “Obrigada pelos malditos créditos, Monsieur Seregor… acho que te devo um broche!” e é aí que ela me morde o caralho... Desculpa, não consigo perceber o que ela diz a seguir... está com a boca cheia.


M.I. – Já contaram histórias sobre casas assombradas, exércitos espectrais e horror psicológico. Onde se encaixa Kariba na linha temática dos Carach Angren?

Seregor: Ela encaixa-se perfeitamente na literatura dos Carach Angren. Depois de 20 anos a contar a história da Dama Branca, foi uma grande surpresa descobrir que Kariba era uma parte que ainda faltava contar.


M.I. – Olhando para a vossa carreira, sentem que a vossa forma de contar histórias se tornou mais sombria, mais complexa ou até mais lúdica com cada lançamento?

Seregor: Sim, pode dizer-se que sim. Sempre tivemos uma forma única de contar histórias. E para muitos conceitos, adaptámo-nos. Onde é possível, damos o nosso próprio toque a contos e sagas existentes, mas só se acharmos necessário, só se isso tornar a história melhor do nosso ponto de vista.


M.I. – O EP condensa uma saga inteira em cinco partes. Como é que isso alterou a vossa abordagem à composição em comparação com um álbum completo?

Ardek: Foi igual, apenas mais curto. Desde o início percebi que seria uma história mais breve, porque os princípios centrais são muito claros: existe um culto que tenta ressuscitar o fantasma de Kariba. Ao fazê-lo, as coisas correm mal e quem volta primeiro é o seu agressor. Não quisemos incluir músicas só para encher nem elementos desnecessários. Esperamos que os fãs apreciem isso.


M.I. – “Ik Kom Uit Het Graf” é cantada em neerlandês, o que acrescenta uma textura local e íntima. Quão importante foi para vocês incluir a língua regional nesta história?

Seregor: Muito, porra! Alguns críticos questionaram porque é que lançámos primeiro uma música mais industrial. É porque “Ik Kom Uit Het Graf” é horror cru e hardcore: o tipo de história que deve ser contada na nossa própria língua. Este lançamento é, mais ou menos, uma sequela da história de Lammendam. Mas o videoclipe mostra algo diferente da letra em si. Por isso, pode dizer-se que o tema em comum é o ódio puro... que sobrevive à sepultura. Pode comparar-se com um filme como “I Spit on Your Grave”, só que desta vez são os homens que se lixam. Inspirei-me num filme dos anos 80 chamado “Buried Alive”. Uma mulher infiel trai um homem; este cria uma poção venenosa para que ela possa matar o marido. Algo corre mal… um pouco do veneno pinga e causa a morte do marido... mas ele acorda no túmulo. Imagina o horror. No filme, ele sai do túmulo como o personagem de “The Crow”. Em criança, vibrei quando ele levou a ira do Inferno sobre aquela mulher e o amante dela. Na nossa história, eu morro, acordo noutro corpo... e, bem, basta traduzir a última parte da música para ver como o tio Seregor e o senhor Ardek fazem certas visitas a certas entidades.


M.I. – A faixa final, “Venomous 1666”, parece simultaneamente um fim e um novo começo. Deixaram propositadamente a história em aberto?

Ardek: De certa forma, sim. A faixa tem um tom quase triunfante. Depois de “Ik Kom Uit Het Graf”, a bruxa regressa e vinga-se de todos. Quis que a música fosse agressiva, mas também emocional. O culto conseguiu ressuscitá-la, mas as consequências foram que ela matou todos… o culto e o resto da aldeia. Pode dizer-se que o final fica em aberto... Quem sabe, talvez voltemos a revisitar a saga no futuro. No fundo, a lenda é misteriosa, por isso pareceu-nos adequado manter esse mistério vivo.


M.I. – A banda sempre esbateu a linha entre música sinfónica e black metal. Como equilibraram atmosfera e agressividade neste EP mais curto e focado?

Ardek: Nós focamo-nos sempre na história, sem sacrificar a força das músicas. Achamos que as faixas devem poder ser ouvidas independentemente da narrativa. Ao mesmo tempo, a história é consistente e detalhada para quem quiser mergulhar mais fundo. Pessoalmente, não gosto de bandas em que a música sofre por causa da história. Não faz sentido. Também equilibramos diferentes formas de contar: começamos com narração e evoluímos para uma narrativa mais linear, e à medida que o EP avança, surgem elementos musicais e líricos inesperados. Isso mantém as coisas interessantes. No início, concentrei-me em criar uma atmosfera aterradora. Mantive a intro orquestral curta, mas sombria, com flauta baixo e outros elementos que a tornam mais obscura e sufocante. Isso mistura-se com a introdução de “Draw Blood”. Gravei a minha própria voz e distorci-a para soar como cânticos guturais rituais. Também adicionei didgeridoo e cânticos de bruxa para acentuar o caráter ritualístico. Acho que isso ajuda muito a definir o ambiente. Depois, quando a música avança, entram todos os elementos pesados e tornam-na verdadeiramente Metal.


M.I. – Este EP é uma obra autónoma ou deve ser visto como uma ponte para o próximo capítulo dos Carach Angren? O que é que “The Cult of Kariba” diz sobre o momento criativo atual da banda?

Ardek: Para nós, é definitivamente uma obra autónoma. Subestimei o facto de as pessoas tenderem a ver um EP como algo menos sério do que um álbum. Para mim, um EP é apenas um álbum mais curto. Fiquei surpreendido que alguns não o levassem tão a sério. Quero garantir que dedicámos tanto tempo (ou mais) a este lançamento como a qualquer outro álbum. Não fazemos as coisas pela metade. Este EP é um álbum para nós, apenas um pouco mais curto. Poderíamos ter adicionado músicas de enchimento, como algumas bandas fazem, mas isso seria uma traição, a nós e aos fãs. Só lançamos algo que atinja o nosso padrão extremamente elevado de qualidade.


M.I. – Se tivessem de descrever “The Cult of Kariba” em três palavras a alguém que nunca ouviu Carach Angren, quais seriam?

Ardek: Cinematic Horror Metal.


M.I. – A música dos Carach Angren é quase cinematográfica. Houve filmes de terror ou compositores que influenciaram o som de “Kariba”?

Ardek: Pessoalmente, fui influenciado por alguns contos curtos de H.P. Lovecraft, especialmente a ideia do culto. Lovecraft tem um talento incrível para criar atmosferas sufocantes e sombrias. As suas histórias avançam lentamente, mas formam imagens insanas na minha mente. Tudo isso levou-me a um pensamento perturbador: e se pessoas do teu próprio bairro estivessem envolvidas num culto secreto... reunindo-se à noite para realizar rituais horríveis? Essa ideia ficou comigo e acabou por entrar neste EP.


M.I. – O que reserva o futuro próximo para a banda? Planeiam fazer digressões para promover o EP? O que podem os fãs esperar?

Ardek: Sim, acabámos de concluir uma digressão incrível pela Ásia. Tocámos vários concertos na China e terminámos com um espetáculo no Japão. Fãs verdadeiramente dedicados por lá!!!

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Entrevista por Sónia Fonseca