Sem regras e sem expetativas. Os A Constant Storm iniciaram o seu percurso musical há mais de doze anos, um projeto tipicamente black e death metal que na atualidade é bem mais do que um simples estilo musical. Assim como os Ulver, a banda de Daniel Laureano não se prende apenas a uma esfera musical, mas abraça, de coração cheio, o rock, folk, punk, gótico e até mesmo o pop. Halls of Alabaster é a sua mais recente produção e que vem cimentar uma panóplia de influências musicais desde Nick Cave, Moonspell, Graveyard e Sia que interligam o espírito livre da pirataria com a arte fina.
M.I. - O que te levou a iniciar os A Constant Storm?
Contou com a sua fundação no ano de 2013, um projeto com os seus doze anos de atividade, após ter feito 18 anos, decidi criar uma banda como se fosse uma espécie de “caixa de areia”. Comportava um projeto onde eu quisesse ter a liberdade para fazer o que me apetecesse, sobretudo relacionar vários géneros.
Aquilo que me inspirou a perceber o caminho de “one man band” foi, sem dúvida, o black metal, que esteve presente no início da banda e foi desaparecendo ao longo do tempo. Falamos de um black metal mais atmosférico, toda a questão envolvente de apenas um membro na banda que me mostraram que era possível. A partir daí foi começar a explorar novos caminhos musicais.
M.I. - Uma autêntica panóplia de géneros musicais. Começaste com death metal, passando pelo post-punk e agora com rock. Isto vem provar que a banda não se prende apenas a um estilo?
Exatamente. Está na Genesis do projeto, no mote principal daquilo que eu pretendo fazer. A minha grande referência são os Ulver pela forma como conseguem combinar géneros e saltar de reino para reino, no qual uma pessoa diria que inicialmente era impossível.
A ideia consiste em seguir géneros musicais diferentes, tocar diferente e ser inovador, ser um explorador, mas manter uma identidade através da composição e atitude.
M.I. - Falaste dos Ulver que também moldaram um pouco o seu estilo. Achas que podemos esperar um dia que os ACS retornem ao passado com o seu black/ death metal?
Nunca devemos dizer nunca, até porque o metal mais extremo continua a ser um género que ouço bastante, juntamente com outras coisas.
Porém, sinto que cheguei a um ponto que deixei de gostar de criar e tocar novas músicas de metal mais extremo. O Lava Empire é já uma tentativa de saltar fora desse conceito e naturalmente a minha saída dos Moonshade também precipitou a carência desse gosto ou vontade em explorar black/ death metal. Talvez um dia concretize a ideia de voltar a criar algo desse estilo, mas apenas para recriar músicas antigas do álbum Storm Alive e dar-lhes uma nova roupagem.
M.I. - A temática da pirataria é bastante visível neste disco. Qual o motivo de escolha deste tema, juntamente com o título do álbum?
Halls of Alabaster é um disco que congrega e faz uma síntese de mundos que, à partida, parecem pouco opostos. A ideia partiu do princípio em criar uma ligação de um choque entre o universo da pirataria, a busca pela liberdade, sempre fiel aos nossos próprios princípios e a rebeldia da pirataria com o mundo da arte fina.
É uma espécie de ligação e desafio aquilo que é a rebeldia com o que já está pré-estabelecido e depois teres essa arte ligada, daí a capa ser uma bandeira pirata no centro de uma sala, de um material muito valioso, o alabastro. É o conceito visual e, de certa forma, direto visto as ligações serem menos conspícuas. No caso do ANT temos uma história definida, enquanto neste último álbum inspirei-me na obra mais recente do Nick Cave & The Bad Seeds, onde ele explora mais a imagem e os sentimentos. São coisas mais sensoriais e, às vezes, não temos a perceção do que ele quer transmitir.
Posteriormente, há toda a questão da viagem; um álbum que é uma certa crónica metafórica da minha ida de Portugal para a Alemanha e todas as dificuldades que estiveram presentes neste percurso da minha vida. Houve bons e, efetivamente, maus momentos, como se fossem oscilações das ondas do mar, mas que, no final, tiveram uma nota positiva e que nos permitiu regressar a casa. Uma alegoria à aprendizagem adquirida, o objetivo da viagem foi descobrir novos territórios e tornar-me mais completo como ser humano.
M.I. - Podemos também afirmar que é uma alegoria ao espírito português que sempre procurou viajar para terras longínquas e manter uma forte ligação com o mar?
Uma ótima interpretação. Eu tenho uma forte ligação com Portugal, não é por estar a viver fora que desvalorizo o meu país.
Quando uma pessoa emigra, o coração bate com mais força. Acho que sim, acredito que é inteiramente possível o que estás a dizer. Eu não tive essa noção quando estava a produzir o disco, pois relaciona-se com a minha história e metaforizá-la como uma experiência. Nunca pensei que pudesse relacionar-se com o espírito português, mas vejo-a claramente.
M.I. - Numa publicação nas redes sociais, enunciaste um leque de bandas que te inspiraram na composição do Halls of Alabaster. Falamos de Nick Cave, Moonspell, Dead Can Dance até Sia.
São bandas e algumas músicas que contribuíram como fontes de inspiração para a conceção do álbum.
Faço sempre esta lista de músicas para todos os álbuns através de uma listagem criada no Spotify. São as influências que eu consigo perceber; muitas das vezes compomos músicas e não percebemos as suas raízes. Por exemplo, estive há uns tempos em Portugal a conversar com o Manuel da Bunker Store e ele mencionou que detetou um pouco de influências de Placebo no Halls of Alabaster. Achei interessante e nunca ponderei tal ligação, visto eu adorar Placebo.
São muitas as influências, mas as que eu consigo facilmente identificar estão listadas numa publicação que fiz. É, sem dúvida, uma manta de retalhos, mas estas são as que mais me influenciaram de diversas maneiras desde a própria atmosfera, o conteúdo lírico, entre outros aspetos.
No caso da Sia, foi uma artista que descobri em 2023, enquanto estava a compor algumas músicas. O álbum 1000 Forms of Fear é um algo concetual de composição, assumidamente pop mas muito bem conseguido. Porém, tem também uma garra nas composições e rebeldia que não se veem na indústria pop. Cavando ainda mais no disco dela, cada música é melhor do que a anterior. Recomendo vivamente a faixa “Burn The Pages” que me influenciou particularmente para a música “Hymn To The Sleep Deprived”.
M.I. - Onde foi gravado o vídeo “The Ballad of Captain Flint”?
Foi no meu local de trabalho. Sou chefe da equipa de audiovisual do Port des Lumières, uma galeria de arte digital que originou em França e já existe em nove países e existe no museu de Hamburgo, no qual coordeno uma equipa.
Comporta uma galeria digital de vários espetáculos desde arte clássica, ciência e outros temas. A ideia partiu de uma conversa com o diretor, visto eu querer fazer um vídeo do single da música. Vesti-me com o traje de pirata, algo mais assemelhado que vemos na série Black Sails. Inicialmente, o vídeo era para ser gravado numa praia, mas voltando à ligação de choque e anacronismos em misturar o tradicional com o moderno, neste caso da rebeldia com a arte fina, lancei a ideia de como seria se fosse numa praia digital. No vídeo vemos uma praia digital com projeções, luz e eu a cantar numa praia digital. Não sabia se o diretor aprovaria a ideia, mas gostou bastante e foi como uma espécie de agradecimento pelo meu trabalho. Acedi ao convite com todo o gosto e correu tudo bem.
M.I. - “One Day Away” é uma faixa que mistura um pouco daquela sonoridade dos filmes Western. É, também, provavelmente a faixa com um instrumental mais pesado. Embora ACS não seja só exclusivamente heavy metal, as suas raízes são transversais a todos os discos?
Sim. De uma forma ou de outra, as raízes do heavy metal estão sempre lá. Faz sentido em ver o metal como parte integrante do que é o rock e A Constant Storm foi algo agora que não deixou de ser rock. Seja black metal, death metal, gótico, post-punk, folk rock, entre outros estilos nunca deixou de ser rock.
Quanto a essa música, concordo e vejo essa ligação à música western, embora a maior referência seja de blues. A grande referência desta música advém dos suecos Graveyard, em especial a faixa “Hard Times Lovin’” que tanto contribuiu para o seu desenvolvimento. O instrumental mais pesado combina com o momento mais emocional do disco, de um ponto de vista pessoal relacionado com a minha ida para a Alemanha.
M.I. - Já “Coming Home” afigura-se como uma balada de despedida, como se o capitão regressasse a casa. Sem dúvida, uma música que intimamente para ti tem um cunho pessoal?
Claro. É uma música que me diz muito. Do ponto de vista sensorial, traz-me muitas emoções, particularmente quando venho a Portugal.
É uma música que correlaciona o viajante quando regressa a casa, após dias fora, sente a brisa do mar que sempre conheceu, o toque da areia e toda essa amálgama de sensações que conheceu antes de embarcar na aventura. É uma música muito apoteótica e que termina em êxtase, cuja melodia está feita para tocar quem a ouve e remeter ao sentimento português da saudade. Para mim, não é só Portugal, mas também o Porto.
M.I. - Se tivesses de recomendar ACS para um novo ouvinte, qual o disco?
Eu mostrava-lhe o último álbum, o Halls of Alabaster. Pode parecer um cliché, mas sinto que é o melhor álbum produzido, a tese mais completa e que melhor me representa hoje em dia. Claro que o objetivo é continuar a melhorar e a progredir, mas este álbum é o meu magnum opus, com um conjunto de músicas mais forte e mais bem produzido.
Tenho sempre um carinho por todos os discos incluindo o Sun Dethroned dos Moonshade e o meu outro projeto Crianças do Labirinto. Tenho uma ligação muito especial com o Lava Empire, por ser o disco onde expandi verdadeiramente pela primeira vez. Ainda hoje em dia quando o ouço, deu-me imenso gosto a fazê-lo. Em terceiro lugar seria o ANT, um disco muito importante na minha vida com boas ideias que foram aplicadas. Infelizmente, a minha voz não está tão bem conseguida como no Lava Empire ou Halls of Alabaster. Em último lugar, vem o Storm Alive. É um álbum mais ingénuo, feroz e que mesmo gostando muito dele, hoje em dia, representa menos do que os outros. Acrescento também a demo Storm Born à lista, o disco que originou A Constant Storm, quero pegar nesse disco e dar-lhe uma nova roupagem a ver se soa diferente.
Ouvir A Constant Storm, no Spotify
Entrevista por André Neves