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Reportagem: Amplifest 2015 @ Hard Club, Porto - 19 e 20/09/2015


Dia 1

E se, saídos de uma violenta descarga de noisecore, um desconhecido nos convidasse a ir até um jardim escutar poesia e prosa? Só poderia acontecer no Amplifest, certamente! Poucos dias após o Hard Club cumprir cinco anos na sua versão 2.0, o Amplifest iniciava a quinta edição. A coincidência só é aparente, pois aquele que é hoje um dos mais internacionais festivais musicais do Porto, resultou de uma parceria entre a Amplificasom e o Hard Club, a convite da sala portuense.

Tal como no ano anterior, o festival começou cedo, pelas 15:30 de sábado, com a projecção de um filme na sala 2, uma curta-metragem sobre Bannon, vocalista dos Converge, intitulada “Rungs in a Ladder”. Mas foi na sala 1 que a música efectivamente começou, com Juseph vs Memoirs of a Secret Empire. A banda de Vale de Cambra e a de Vouzela, juntaram-se num concerto invulgar em formato. Pena o “Vs.”, em lugar de um “&”, pois os grupos foram desfilando alternadamente, ora o trio para um tema, ora o quinteto para outro, apenas se juntando no último tema, ensaiado em conjunto e apropriadamente denominado “Amplimalha”. Se ambos os grupos foram certinhos e interessantes no seu post-Rock, as pausas, mesmo que minimizadas, para entrada e saída de cena, quebraram um pouco o feeling do concerto. Enquanto na sala 2 continuava a exibição de um documentário, na zona central, entre as salas, ia decorrendo a venda de merchandise e conferências moderadas por José Carlos Santos, da Loud! e Terrorizer. 

Na sala 2 começava Filho Da Mãe, naquilo que foi um festival dentro do festival: a apresentação, quase sempre na sala 2, de guitarristas a solo. Seguiu-se na sala 1, a primeira grande descarga do dia, com o noise dos Full Of Hell que num set curto, simplesmente arrasaram a sala num concerto cheio de energia mas demasiadas vezes cortado por pausas em que o vocalista Dylan Walker ajustava a  electrónica que utilizava. O set dos americanos foi mais curto que o anunciado, não excedendo a meia hora, quando na saída, o público foi surpreendido por uma personagem que convidava a que o seguissem. O destino foi o jardim fronteiriço, onde ficou a recitar prosa e alguma poesia.

Ao mesmo tempo, no palco entre as salas, começava uma performance de gongos com os artistas João Filipe e Steve Huback, repetida a várias horas em ambos os dias. Na sala 2, Noveller, projecto a solo da nova-iorquina Sarah Lipstate, era a segunda aventura no mundo da guitarra, numa actuação algo barroca, que diminuiu, porventura, o interesse dos que esperavam algo mais introspectivo, como tinha sido Filho Da Mãe. Mesmo assim, Sarah teve, aqui e ali, o seu encanto, muitas vezes ensaiando um bailado com a sua sombra, como um personagem de J. M. Barrie. 

Encerrada, assim, a tarde de sábado, iniciava-se a noite na sala 1, com os Altar Of Plagues, naquela que foi anunciada como a digressão de despedida, após o súbito término em 2013. Inicialmente quase no escuro, o palco foi sendo iluminado à medida que o concerto evoluía e os irlandeses destilavam o seu post-black metal. Talvez porque esta digressão já viesse fora de horas, ficou a sensação de ficar a faltar algo, particularmente depois de outras actuações do fim-de-semana. No fim, rumou-se de novo à sala 2, onde uma figura de longos cabelos grisalhos, se movimentava à volta de laptops e mesas de mistura: Era o norte-americano William Basinski que de imediato foi convidando os recém-chegados a sentarem-se no chão e assim disfrutarem melhor da sua new age electrónica, que limpou as almas das atmosferas escurecidas pelos Altar Of Plagues. Basinski foi a calma que antecedeu a tempestade… Converge!

Logo na entrada em palco, um Jacob Bannon calmo e sorridente perguntou ao público “Are you ready?”, virou-se para os fotógrafos e com um sorriso irónico perguntou o mesmo. De imediato o quarteto explodiu com “Dark Horse” e até ao final, com “Last Light”, Converge transformou-se num turbilhão de corpos em movimento, na sala e no palco, com diversos stage-diving (mesmo com grades a separar palco do público) muito crowdsurfing e até um outro salto mortal para uma plateia que, por diversas vezes partilhou o microfone com Bannon, naquilo que, para nós, foi uma memorável passagem de Converge por Portugal e para a banda, se espera tenha sido um fechar de tour com chave de ouro. A noite encerrar-se-ia na sala 2 com Wife, projecto de James Kelly dos  Altar Of Plagues e mais uma proposta de sons electrónicos, mas os corpos pediam descanso face à devastação sonora, e física, que tinha sido Converge.

Dia 2

O domingo começou marcado pela ressaca e as mazelas da noite anterior. Talvez por isso o palco 1 arrancasse muito calmamente com um excelente Nate Hall. O vocalista dos U.S. Christmas, apareceu na sua versão solo, com guitarra e uma voz que foi bem trabalhada ao longo da actuação, em que se recuperaram as raízes da cultura apalache. Nate Hall pode não ser um Scott Kelly, mas esteve muitos pontos acima dos restantes músicos que neste festival apareceram a solo, com guitarra. A abertura da sala 2 com Atilla foi um pouco sensaborona, sendo talvez a menos interessante das propostas de música electrónica do cartaz. 

? era o que estava no alinhamento, ocultando uma banda surpresa que foi do agrado de muitos: Grave Pleasures, o quinteto finlandês que resultou da cisão dos Beastmilk que não duraram mais que um disco, pese o impacto deste. O Goth Punk ritmado de um alinhamento baseado tanto no disco de estreia da nova formação como nos clássicos da anterior encarnação resultou muito bem e apenas deixou a questão sobre a mais-valia que poderia ter resultado para o cartaz, se tivesse sido anunciado. Na sala 2, dentro da electrónica e música ambiente, veio Syndrome e quase de seguida as luzes apagaram-se para a actuação de Wiegedood. O trio belga trouxe um black metal cru, num palco em que a luz se reduzia ao mínimo necessário para orientar músicos nos seus instrumentos. 

A noite começou no palco da sala 1 com uns tonitruantes Metz que colocaram a plateia a dançar. O trio canadense da Subpop parecia uns Therapy? energizados e conseguiram uma das melhores actuações do festival. Um dia este grupo vai ser grande e a Amplificasom ficará orgulhosa por os ter trazido.

A energia positiva dos Metz foi exorcizada por um Stephen O’Malley escondido nas trevas do palco 2. Se o hype que rodeia Sunn0))) associado à espera com porta fechada, fez aumentar a afluência à sala, no fim da actuação do guitarrista restava menos de um terço da audiência, pulverizada pelas distorções e acordes do guitarrista, sustentado por quatro gigantescas colunas. Foi uma actuação única que mudou o estado de espírito de todos e nos fez mergulhar nas trevas. Os corpos moídos por O’Malley dirigiram-se para a sala 2 onde uns Amenra conseguiram ter uma actuação hipnótica e memorável. O vocalista Colin Eeckhout quase sempre de costas para o público lembrou por diversas vezes Maynard dos Tool, mas a sua gigantesca tatuagem, revelava-se a sua verdadeira face e não deixava esquecer que estes belgas praticam um post black Metal soberbo que neste festival reuniu as condições necessárias a surpreender tudo e todos.

O fecho do festival deu-se na sala 2, com a junção de maquinaria e cordas. Se ao longo do festival se tinha assistido a artistas que ora usavam as guitarras para se exprimirem, ora usavam laptops e mesas de mistura, em Gnaw Their Tongues assistiu-se à concatenação das partes, coalescida pelos vocais de ambos os integrantes do duo holandês. Balanço final muito positivo, para um festival que conseguiu oferecer um conjunto de concertos memoráveis.


Texto e fotografias por Emanuel Ferreira
Agradecimentos: Amplificasom