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Entrevista aos Dark Tranquillity


Depois de 31 anos, os Dark Tranquillity continuam em força. “Moment” é mais um álbum numa vasta e rica discografia que promete muito. “Atoma” foi um álbum aclamado pela crítica mundial e os suecos querem dar continuidade ao seu bom momento. Tivemos a oportunidade de falar com Mikael Stanne acerca do novo álbum, dos novos membros Chris Amott (ex-Arch Enemy) e Johan Reinholdz (Andromeda, Nonexist), das digressões e, como não podia deixar de ser, da situação atual relativamente à pandemia de COVID-19. Eis o que Mikael teve a dizer:

M.I. - Olá, Mikael! Em primeiro de tudo, quero agradecer-te pelo teu tempo e pela oportunidade. Como estás? Muitos problemas a lidar com tudo devido ao surto de COVID-19?

Olá! Tudo bem! Ninguém está doente, ninguém está magoado, portanto está tudo bem. Claro que é estranho. A Suécia tem lidado com as coisas de forma um pouco diferente: não há muitos confinamentos, nem encerramentos e as pessoas são cuidadosas. Parece que está a correr tudo bem. Espero que sim, pelo menos! Sair para ir a concertos, apreciar arte e desfrutar de entretenimento é aquilo de que mais tenho saudades. É de loucos não ter nada em vista em termos de espetáculos e sermos obrigados a cancelar todos os festivais. Há espetáculos que íamos dar, espetáculos que queríamos ver... é desapontante. Mas estou a tentar lidar com isso, tentamos fazer o melhor que podemos, mantendo-nos criativos, realçando as coisas mais positivas e participando em novos projetos nos quais, de outra forma, não teríamos participado. Mantemo-nos ocupados e tentamos não pensar em demasia sobre o futuro que pode nem vir a acontecer para os próximos tempos.


M.I. - Durante tal pandemia, o que fazes para manter a mente ocupada?

No processo de gravação, tentámos assegurar a conclusão do álbum. E isso ocupou-nos bastante. Mas nas últimas semanas, tive vários convites de amigos para participar em colaborações e outros projetos apenas por diversão. E, ao fazer isso, ao escrever e gravar, posso relaxar, porque posso agora fazer essas coisas para as quais não tinha tempo antes. Portanto, essa é a parte positiva com a criatividade a fluir, além do facto de que agora é possível dedicar tempo a tudo aquilo que quero fazer. Tentámos garantir que o álbum fosse lançado logo que possível, que tudo estava bem, fizemos vídeos, planeámos um espetáculo de transmissão em direto, portanto... houve muito a fazer. Tenho estado bastante ocupado e isso é sempre bom.


M.I. - Alguma vez pensaste que, numa carreira com 31 anos, verias um álbum teu a ser lançado durante uma pandemia? Que tipo de sentimentos surgem quando pensas nisto?

É estranho não ter planos para digressões. Nos três primeiros álbuns talvez não tivéssemos esse tipo de plano e não falávamos sobre isso, porque no máximo fazíamos apenas uma ou duas digressões para um álbum. No entanto, agora, é algo que por vezes fazemos durante dois ou três anos e isso é algo que planeamos. Não ter nada disso neste momento... é mesmo muito estranho! Mas vamos fazer o melhor que podemos, vamos pensar nisto como se nos preparássemos para ir em digressão. O pessoal veio até cá e iniciámos os ensaios com todas as novas músicas para que no dia do lançamento pudéssemos fazer uma transmissão em direto a partir de uma lindíssima cidade. Portanto, pelo menos sentimos que estamos no início de algo. Trouxemos a nossa equipa, de Portugal na verdade, para que pudessem vir até cá e trabalharmos em conjunto como se fossemos em digressão, que é algo pelo qual estou ansioso. Depois disso, poderão ser precisos mais uns 4, 5, 10 meses até que possamos fazer alguma coisa novamente, mas pelo menos temos algo.


M.I. - Mencionaste algo sobre um concerto em transmissão ao vivo. Queres falar sobre isso?

Sim, claro. No dia 21 de novembro juntámo-nos num teatro espetacular e tocámos o álbum na íntegra, o que é algo que nunca fizemos antes (e que poderemos nunca mais voltar a fazer, quem sabe) e foi fantástico ver como funcionam estas músicas. Atuámos num recinto vazio, mas esperamos que todos os fãs e todas as pessoas interessadas tenham visto e desfrutado de tudo. Vejo isto como uma celebração do facto de que, pelo menos, podemos fazer algo e de alguma forma nos ligarmos àqueles que aguardam pelo reinício dos espetáculos. Isto é, de certa forma, a nossa maneira de nos aproximarmos um pouco mais de toda a gente e de tentar fazer o melhor que podemos. 


M.I. - Isto não é a única novidade nos Dark Tranquillity. O Chris e o Johan juntaram-se recentemente à banda após a saída do Niklas Sundin. Sendo 2 membros experientes, como se estão adaptar às suas novas funções?

Incrivelmente bem. Reparámos nisso muito cedo, quando se juntaram a nós durante as digressões do “Atoma”. Houve um clique imediato. Penso que, falando em termos musicais, temos o mesmo tipo de origem. Damo-nos muito bem e, além disso, são músicos incríveis. Elevaram bastante a fasquia em relação àquilo que fazemos enquanto banda e, com isso, forçaram-nos a melhorar também, o que é muito bom para nós. Portanto, na composição deste álbum, ter dois guitarristas trouxe muitas mudanças e influenciou as nossas decisões. Mas, ao mesmo tempo, queríamos manter aquilo que torna os Dark Tranquillity únicos e diferentes e fazer uso das competências deles para criar um álbum diferente sem nos desviarmos demasiado do nosso caminho.


M.I. - Em que medida contribuíram para o processo de gravação? Que novas ideias trouxeram para a criação do “Moment”?

Penso que a maioria do material já estava composta no início do último ano e foi apenas uma questão de descobrir como integrar os novos membros. O Chris estava em Nova Iorque, por isso foi mais difícil quando o Johan começou. Ele verificou o material e tentou adaptar a sua forma de tocar e de interpretar as músicas. Foram precisas algumas tentativas até que conseguíssemos o resultado pretendido e compreender a sua forma de tocar e o seu processo de ideias. Foi uma daquelas situações em que damos voltas e voltas em que fazemos algo, enviamos tudo isso para ele e depois recebemos as suas ideias. Acabámos por chegar onde queríamos. Foi um processo fascinante e acabámos depois por nos sentarmos em conjunto num estúdio durante uma longa semana, durante longos dias e noites de composição a tentar que surgissem ideias. Foi um período extremamente criativo e recompensador. Depois, o Chris juntou-se e trouxe o seu estilo da guitarra principal, o seu estilo nos solos, bem como a sua sensibilidade melódica e não podia estar mais satisfeito com o resultado. Mas também acho que tivemos muito tempo para preparar este álbum e era disso que precisávamos.


M.I. - Como é que surgiu a ideia para o título “Moment”? 

Queria escrever sobre as diferentes escolhas que fazemos, sobre como lidamos com certas circunstâncias e ocorrências inesperadas, sobre como a experiência e o passado influenciam o futuro e sobre como um determinado momento pode mudar tudo, sobre quando seguimos numa direção e acontece um desastre ou quando seguimos noutra direção e há toda uma imensidão de opções das quais retiramos e aprendemos algo. Tem que ver também com o momento em que descobrimos algo sobre nós próprios ou sobre o mundo e é então que, subitamente, vemos tudo sob uma nova perspetiva. Esses momentos de definição na nossa vida que nos conduzem a outro lado. Esse era o pensamento inicial e então, de repente, acabei a escrever sobre a polarização da informação, sobre como temos tendência para nos olharmos sob prismas diferentes com base no quão diferentes somos e sobre a estupidez que inunda a sociedade. Basicamente, tenho estado muito irritado e desiludido com a direção para a qual o mundo se dirige, pelo que estou a tentar descobrir a origem desses sentimentos, como é que funcionam e as mecânicas desses pensamentos. Depois, a pandemia atingiu-nos e todas as músicas que escrevi, bem como o título, fizeram ainda mais sentido. Tudo se encaixou e todos os piores cenários sobre os quais escrevi tornaram-se realidade da forma mais estranha. E foi algo assustador. O título era algo temporário, mas assim que a pandemia nos atingiu foi óbvio que este seria o título a manter.


M.I. - Do que vimos em “Phantom Days”, a parte filosófica das letras continua presente. O que te inspira a criar este tipo de letras profundas, emocionais e reflexivas? Isto é, já disseste que estás irritado com o mundo; queres falar sobre isso?

Sim, é algo contínuo. Quando era novo estava irritado com a sociedade e com as coisas à minha volta. E não é que tenha desistido, mas sinto que me resignei ao facto de que as coisas não vão mudar. Talvez quando era mais novo pensava que, se dissesse às pessoas algumas coisas, elas tomariam as decisões certas, mas isso não é de todo a realidade. Penso que nos últimos anos, embora tenhamos toda a tecnologia da informação e acesso a tudo, isso tornou as coisas... não diria piores, mas acho que isso ativa este dispositivo inerente na natureza através do qual pensamos que os outros são diferentes e que não gostamos deles por serem diferentes; este tipo de pensamento limitado e territorial de que “não sou eu, são eles”. E, agora, basicamente temos acesso a todas as informações do mundo na palma das mãos ou nos bolsos e mesmo assim as pessoas continuam a optar por filtrar todas as informações só porque estas informações são desconfortáveis ou porque não são suficientemente inteligentes para chegar até ao seu significado ou porque não estão suficiente interessadas e preferem recorrer à forma mais simples de dedução. E isso é suficiente para estas pessoas que depois seguem em frente e de repente têm uma opinião formada sobre algo, tomando decisões com base num conhecimento incrivelmente limitado. Não considero que isto seja aceitável. Tal expõe-nos ao que realmente somos, enquanto espécie, e demonstra o quão ignorantes podemos ser e o quão idiota uma conversa pode ser quando todos têm uma opinião. Fico aterrorizado com isso e é algo que me faz querer escrever. Não me refiro a escrever em diretos, para ninguém diretamente ou nalguma secção de comentários. Mas posso gritar contra isso e, se conseguir criar uma composição que me faça sentir melhor, espero que alguém compreenda, que sinta o mesmo e que faça dessa composição musical um canal de saída para a frustração. Talvez seja essa a nossa função na sociedade.


M.I. - Ora, “Atoma” foi um álbum incrível aclamado pela crítica de todo o mundo. O que podemos esperar de “Moment”, o que nos podes dizer sobre ele?

Penso que é uma melhoria dos aspetos que adquirimos com o “Atoma”. A intensidade do “Atoma” tornou-se mais intensa com este álbum e o impacto emocional e melódico ganhou dimensões ainda maiores. Além disso, os novos membros acentuam verdadeiramente alguns dos aspetos emocionais que queríamos transmitir e foi mesmo fascinante de ver como interpretaram as músicas. Penso que o som é fantástico e acho que este é o nosso álbum com a melhor sonoridade, sem qualquer comparação. Têm saído vídeos e novas músicas e não podia estar mais feliz com os resultados. Trabalhámos mais arduamente do que nunca e estou muito orgulhoso.


M.I. - Depois de 31 anos, como consegues manter a criatividade nas letras, sempre a inovar e a reinventar? O que te motiva a continuar depois de tanto tempo nesta indústria?

Continuo irritado e continuo a querer gritar contra tudo para me libertar. Claro que a parte mais difícil é encontras novas e diferentes formas de me expressar. Essa é a parte com que tenho mais dificuldade e que demora mais tempo, porque criamos uma música e pensamos “Isto é muito bom”, mas na verdade isso soa de uma forma semelhante ao que já foi feito e temos de fazer algo diferente. Mas, tentar expressar o que sentimos de formas diferentes é também uma parte da essência disto mesmo e uma parte do desafio.


M.I. - Ainda relativamente a este assunto, os Dark Tranquillity têm uma impressionante discografia numa carreira aclamada por muitos. Que outras conquistas esperas alcançar?

Oh, uau, para mim... é isto. Ter apenas uma trajetória já definida nos últimos anos, onde tudo está em constante desenvolvimento e em movimento, onde a qualidade da produção, da música, da escrita e das atuações está em constante melhoria. É isso que quero. Quero que as coisas acabem por ser perfeitas, onde nada possa ser melhorado. Para mim, essa é uma busca contínua. Para 2020, isto é o máximo a que podemos chegar com a nossa música, mas tenho a certeza que dentro de 2 ou 3 anos, vamos começar a pensar em compor mais material e vamos pensar que precisamos de mudar novamente para criar algo novo. E é normal, acabas por te fartar de ti próprio e queres experimentar algo de novo, embora não veja isso a acontecer para breve.


M.I. - Relativamente à Suécia, temos visto constantemente uma grande quantidade de bandas de Heavy Metal provenientes da Suécia e muitas conseguiram alcançar grande sucesso nas suas carreiras. Arch Enemy, Opeth, Amon Amarth, At the Gates e, obviamente, Dark Tranquillity, apenas para mencionar algumas. Na tua opinião, o que torna as bandas suecas tão bem-sucedidas na indústria do Heavy Metal?

Bem, mencionaste algumas das melhoras e são muito muito diferentes. Existem muito poucos pontos de comparação, embora seja um grande fã de todas elas. A fasquia está alta desde os anos 80. Nessa altura havia muito boas bandas de pop, rock e metal a surgir. Portanto, nos inícios dos anos 90, quando o Death Metal surgiu, as bandas sentiram que era necessário darem o máximo para poderem sobreviver e isso permitiu às melhores evoluir e criar algo muito diferente. Lembro-me de Opeth quando tinha 17 anos e de participar em espetáculos com Arch Enemy no final dos anos 90 e mudaram muito, lembro-me de ver os Amon Amarth quando fomos em digressão há muitos, muitos anos... e é incrível ver como evoluíram e se tornaram nestas bandas únicas e diferentes. É com certeza um orgulho, mas a um nível musical tudo se resume à qualidade, à dedicação, à paixão e à honestidade também. Ninguém se está a fazer por passar algo ou a tentar ser popular. É música que vem verdadeiramente de dentro e isto é exatamente o que as bandas querem fazer pelos motivos certos.


M.I. - Mikael, parece que este é mais um excelente álbum. Depois disto, o que podemos esperar para o futuro dos Dark Tranquillity?

Para já, concentrámo-nos no lançamento do álbum. Depois, esperamos planear alguns espetáculos e iremos tentar estar bem preparados. Vamos aguardar que a situação possa ficar resolvida para podermos sair em digressão. Por enquanto, é isto que queremos fazer até final de dezembro e tentar ver o que pode surgir.


M.I. - Existem planos para algum espetáculo em Portugal?

Se formos a algum lado, Portugal é definitivamente uma das paragens da nossa digressão, em abril ou maio, se chegar a acontecer. Adoramos Portugal e passámos um bocado fantástico da última vez que aí estivemos. Foi ótimo conhecer vários amigos, principalmente porque a nossa equipa é de Portugal e insistiu que atuássemos aí. Foi muito, muito bom, verdadeiramente um dos pontos altos da última digressão.


M.I. - Há algo que queiras dizer aos vossos fãs em Portugal?

Comprem o álbum, espero que vos possa confortar, e apoiem as bandas, simpatizem com as bandas que não podem sair em digressão. Estas digressões são, para muitos, a sua principal fonte de rendimento e agora isso desapareceu. É isso que tenho feito, compro várias camisolas, vários álbuns e vários concertos de transmissão em direto, porque sei que é algo muito importante para as bandas. As transmissões em direto são a forma mais próxima de chegarem até às bandas, por isso comprem os bilhetes e t-shirts. Queremos estar à vossa frente, mas por enquanto temos de fazer o melhor que podemos e o melhor que é humanamente possível.


M.I. - Mikael, mais uma vez, obrigado pelo teu tempo. Foi uma grande honra. Espero que o final deste surto não esteja muito longe para que possamos ver alguns espetáculos ao vivo em breve.  

Isso mesmo, foi muito bom falar contigo, espero ver-vos em breve. Até à próxima!

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Entrevista por João Guevara