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Entrevista a Sylvaine


A multi-instrumentista e cantora norueguesa Sylvaine está prestes a lançar o seu 4º álbum, no próximo dia 4 de março. Depois de três excelentes discos, “Nova” dá um passo em frente, mantendo a identidade – peso e profundidade – que sempre esteve presente desde o início, mas mostrando uma maturidade criativa cada vez mais cativante. Conversámos com Kathrine Shepard, a mente de Sylvaine para saber mais sobre o projecto e este novo disco.

M.I. - O teu nome é Kathrine Shepard. Como surgiu o nome “Sylvaine”? 

Escolhi o nome Sylvaine porque queria que o nome do projeto fosse relacionado com a palavra “sylvan” (silvestre). Eu sempre fui muito ligada à floresta, e queria que isso fizesse parte do nome da banda, pois tem sido praticamente um abrigo para mim. É como um porto seguro e um lugar importante para a minha inspiração. Então, quis trazer isso para o nome. Depois também pensei em adicionar o lado urbano para ter a dualidade entre os dois mundos,  digamos assim. O mundo humano, o plano etéreo, deleite, escuro. E mesmo que não seja super obscuro, decidi escolher o poeta francês Paul Verlaine porque adoro o trabalho dele. Há muitos poetas românticos franceses que eu adoro, e ele é um deles. Então basicamente, juntei “Verlaine” com “sylvan”, e resultou em Sylvaine, que também é um nome francês e o nome de uma borboleta. (risos) Então, pode ser interpretado de várias maneiras diferentes.


M.I. - Como foi o teu passado musical? Tiveste aulas de música? Outros projetos?

Sim, andei em três escolas de música diferentes porque, aqui na Noruega, podemos escolher o que queremos fazer no ensino secundário. É como o liceu em França. Basicamente, podemos escolher que direção queremos tomar. Escolhi música, porque já sabia aos 14 anos que queria fazer isto da vida. Todas as escolhas que fiz até agora trouxeram-me a este ponto, por isso eu já sabia, quando fui para o liceu, que queria fazer música. Aprendi bateria, piano e voz, além de toda a teoria e história, e outras disciplinas musicais. Depois, fui para uma “folk high school”, que está entre o ensino secundário e a universidade, e durou apenas um ano. Basicamente, em vez de fazer um gap year, podes fazer isto, e é uma escola que se foca principalmente em coisas criativas. Eu escolhi banda, então tocava numa banda todos os dias. Segui essa opção porque queria testar a minha voz para ver se aguentaria fazer isto todos os dias. Depois fui para a Universidade de Oslo e tirei a licenciatura em Musicologia. Portanto, basicamente tenho uma experiência diversificada na música, o lado teórico e o lado histórico. No entanto, nunca me encaixei em nenhuma das “caixas” no que toca ao lado performativo. Na escola, geralmente estudavas jazz, música clássica, ou música folk e eu nunca me identifiquei com esses estilos, então isso fez com que experimentasse muitas coisas diferentes que não teria feito de outra forma. Acho que isso me transformou na vocalista que sou hoje. Antes de começar “Sylvaine”, tive vários pequenos projetos, como bandas e pequenos ensembles com guitarra e voz, e coisas assim. Mas iam sempre numa direção na qual eu não me sentia  totalmente em casa, o que não é um problema, de todo. Quero dizer, isso é ótimo, mas não queres forçar as tuas próprias emoções para os outros quando não é isso que o projeto pede. Então, decidi que precisava de começar o meu próprio projeto, onde não teria de comprometer a minha visão artística e podia ser apenas autêntica e fiel à minha expressividade. E foi basicamente isso que me levou a formar “Sylvaine”. 


M.I. - Como é o teu processo de escrita? Compões sempre sozinha?

Sim, escrevo praticamente tudo neste projeto e, a certa altura, trabalho com um baterista porque, apesar de eu tocar bateria, sou bastante limitada, e sei que, sozinha, não vou conseguir o nível que quero no álbum. Costumo pegar na minha guitarra elétrica e tocá-la sem amplificação ou qualquer efeito, e escrevo a minha música assim. Normalmente, faço a estrutura principal, o esqueleto da música, apenas assim, com voz e guitarra. A partir daí, começo a adicionar camadas e, conforme vou avançando, vou acrescentando a bateria, que costumo programar primeiro em software. Faço arquivos midi com ideias de bateria, às vezes são ideias muito específicas, outras é apenas um beat, um groove que eu quero para essa parte... Geralmente, faço-o com a guitarra, a relação guitarra/bateria, é muito importante para mim. Claro, bateria e baixo também. Por isso, costumo trabalhar depois numa sala de ensaio com o baterista. No último álbum não pude fazer isso por causa do COVID, mas trabalhámos online e funcionou bem. É basicamente assim que funciona. Normalmente sou apenas eu no meu quarto silencioso a tocar comigo a minha guitarra, e a partir daí vou construindo camadas. Por isso costuma demorar um pouco, visto que faço tudo sozinha.


M.I. - É curioso, porque um dos aspetos interessantes da tua música, para além da composição, é a produção e as escolhas tímbricas. Especialmente os efeitos adicionados na guitarra, mas também o tratamento das vozes, da bateria, etc... Mas tu começas apenas com o básico: voz e guitarra sem amplificação.

Eu sempre disse a mim mesma que gostaria que todas as minhas músicas funcionassem mesmo só com uma guitarra e voz. É óbvio que soam diferentes, mas eu sinto que a música merece ter uma estrutura, como acordes e melodia vocal, que seja forte o suficiente para existir por si mesma, sem todos os efeitos e assim. Claro, isso funciona algumas vezes, outras não. Quando tens músicas com 9 ou 10 minutos, vais ter algumas partes que, se as tocares na guitarra acústica, soa tipo “ok, estás só a tocar um tremolo na guitarra. Não fica muito fixe.” (risos) Mais uma vez, ser capaz de despir a música e ter apenas as necessidades básicas. Ter a melodia principal e ainda assim conseguir comunicar a mensagem que quero. Quando estou a gravar, mesmo não tocando assim de forma acústica, como quando estou a compor - e eu comecei a gravar as minhas demos porque basicamente estou sempre a gravar-me à medida que encontro algumas ideias - começo a pensar em que tipo de efeitos quero. Porque isso anda de mãos dadas com a emoção que queres transmitir. Mas mesmo assim, às vezes ainda gosto de ter a música completamente despida e ver como soa do ponto de vista melódico.


M.I. - No teu segundo álbum, “Wistful”, há uma música chamada “Saudade”, uma palavra portuguesa que não pode ser traduzida e significa “sentir falta de alguém ou algo”. Fala-nos sobre esta música.

Bem, de certa forma isso tornou-se um conceito nos meus discos, não foi algo que eu tivesse escolhido conscientemente. Aconteceu com “Saudade” e virou tradição. Fi-lo também no meu terceiro álbum. Basicamente, a ideia é ter palavras ou frases que não sejam facilmente traduzíveis para inglês. Podem significar muitas coisas diferentes. São palavras que têm camadas de significados e que não podes simplesmente dizer “significa isto” em inglês. É sempre tipo “significa mais ou menos isto”, que é geralmente o que eu faço quando as pessoas me perguntam. Quando estava a gravar com meu pai, nós chamamos-lhe [à música “Saudade”] “Dirge” (lamento), porque sinto que é isso que é. A própria canção é uma marcha fúnebre. A letra fala sobre isso e eu tinha medo, quando lancei a música, que as pessoas achassem que a letra era suicida ou assim, mas não é, de todo. Eu senti que essa palavra - a palavra portuguesa que eu não vou assassinar (risos) - se encaixa muito bem com o ambiente da música, e é o mesmo com todas as outras músicas que têm isso. Como por exemplo - vou continuar a assassinar línguas - a música russa no primeiro álbum, chamada “тоска”, também tem esse tipo de significado em camadas. Abrange tudo, desde um pequeno sentimento de falta de algo, atéuma crise completa, em que sinto um buraco dentro de mim que não consigo preencher. E no último disco foi “L’appel du Vide” em francês, que é basicamente traduzido como “chamamento do vazio”. Eu quis chamá-la assim porque senti que retratava aquela sensação de estar num penhasco e olhar para baixo e pensar “e se eu saltasse?”, o que, mais uma vez,soa muito suicida, mas não é essa a ideia. É mais sobre o facto de nós, humanos, tendermos a ser atraídos pelo lado sombrio e pelas coisas que são destrutivas para nós. E era o que eu queria mostrar com essa música. E no meu último álbum, “Nova”, há a “Mono No Aware”, que é um ditado japonês, que também se encaixa perfeitamente no eu quis transmitir com o disco. Portanto, isto tornouse um conceito. Adoro a linguagem, adoro a palavra escrita, às vezes leio sobre palavras de outras línguas que me inspiram por o significado ser tão profundo. E pronto, foi por isso que escolhi usar - vou dizer outra vez - “Saudade”. (risos)


M.I. - Referiste a música “L’appel du vide”, que, pelo menos no Spotify, é a tua música com maior sucesso, com uma diferença enorme para as outras. Como explicas isso?

Sim, eu vi que a “L’appel du vide” tem muito mais streams do que as outras faixas e fiquei tipo “uau!”. Sempre me senti muito ligada a essa música e sempre que a toco ao vivo, por mais que tente, acabo sempre em lágrimas. Porque essa música é uma daquelas que, sempre que a oiço, volto a viver o momento em que a criei e a sentir a razão pela qual criei as emoções que transmiti nela. E é demasiado intenso. Eu sempre acreditei muito nesta música e lembro-me de tê-la mostrado a uma pessoa que era muito próxima na altura, algo que não costumo fazer, e ele criticou-a bastante. Coisas como “oh, nãos devias fazer isto e aquilo”. Foi bastante duro, e fiquei um pouco chocada com o que ele me disse. Acho que essa essa foi a única vez que eu mostrei uma música a alguém e aconteceu isto, e eu respondi-lhe “estás enganado”, o que não é nada normal em mim, porque eu não tenho uma autoconfiança muito forte na música. Mas dessa vez eu fiquei tipo “não, tu é que estás errado, vais ver.” Por isso, achei muito engraçado quando vi no Spotify que a “L’appel du vide” está a ter tanto sucesso, e não sei por que é que o está a ter. A única coisa que me ocorre é que as pessoas devem sentir uma ligação com as emoções transmitidas, que são muito diretas nesta música. Talvez mais diretas do que em algumas das outras, porque esta é mais despida. Não sei, quando a ouço e quando a toco, é avassalador. Talvez as pessoas também sintam isso, espero que seja esse o motivo para a estarem a ouvir tanto.


M.I. - O teu novo álbum chama-se “Nova”, que também é uma palavra portuguesa.

Não foi intencional, mas acho muito fixe que esteja a manter esta relação ao português. (risos)


M.I. - Ah, se é coincidência, então porquê “Nova”?

Eu sabia que “Nova” significava “New” em português e nalguns outros idiomas. Em espanhol é “Nueva” e em italiano é algo semelhante, portanto muitas palavras são semelhantes a “Nova” ou são literalmente “Nova”. O que eu adorei, porque acho que tem uma relação muito fixe com o fato do álbum marcar a transição de um estado para outro. Mas a razão pela qual eu escolhi “Nova” é que a faixa-título do disco, a primeira música, tem uma língua inventada, então não é uma letra real, são apenas sons improvisados. Eu depois escrevi as letras, mas é tipo “so”, “ya”, “mi”, “voo”, sons, não uma língua real. E as sílabas “no” e “va” repetem-se muitas vezes, então eu digo “nova, nova” repetidamente na música, e gostei muito do som da palavra, e da forma como é escrita. Aquelas 4 letras, eu sou muito visual, e gostei de como se escreve, e de como soa, e da conexão com as línguas onde significa “novo”. Além disso, há o lado celestial, com a supernova e o que isso significa. Por isso, tudo se encaminhava para a mesma coisa, essa transição, renascimento, algo novo... Quando “obtive” essa palavra, soube logo que tinha que ser o título do álbum. Por isso, é apenas coincidência que seja uma palavra portuguesa, mas é muito fixe e o significado enquadra-se perfeitamente com o disco.


M.I. - O teu novo single, e tema que dá o título ao disco - “Nova” - é uma peça coral extremamente bonita e etérea. O que é que esta música representa para ti? Como é que te surgiu a ideia?

Basicamente, eu queria escrever uma peça coral há já muitos anos. De certa forma, tentei fazê-lo em “Wistful”, mesmo no fim música com aquele grande coro, porque é algo que eu sempre adorei – vozes. Acho muito fixe a possibilidade de fazer harmonias e outras coisas, mas a voz é também algo extremamente pessoal porque tu és o instrumento, então tem uma outra camada que outros instrumentos talvez não tenham. Eles não conseguem chegar ao mesmo nível de emoção, e eu quis fazer uma peça coral porque realmente adoro vozes. Adoro as emoções que podem transmitir. Estava a trabalhar as vozes principais para a 4ª música do novo álbum, apenas improvisando. Há uma espécie de introdução longa com acordes, onde não costumava haver vozes, então eu uso-os como base para improvisar. É assim que eu escrevo as vozes, com muitas camadas vocais. Gosto de tocar a música e improvisar sobre ela, e quando há algo que se repete, isso ficará na música, porque significa que está lá por uma razão. Eu estava a trabalhar nisso, e aquela melodia [da música “Nova”] foi surgindo na minha cabeça. Então, comecei a escrever em partitura a melodia inicial que encontrei, e depois quis compor um coral em torno disso, baseado no que aprendi nos meus anos de escola. Fiz um coro de 5 vozes com um baixo, dois contraltos e as vozes de soprano (mesmo sendo eu contralto) e depois aquela voz super aguda, que eu tive de me esforçar imenso para fazer. Então, nos dias ou semanas seguintes, comecei a trabalhar a peça. Lembro-me muito bem da primeira vez que a pus a tocar e a ouvi com as vozes merdosas do coro MIDI. (risos) Mas sempre dá para ter uma ideia, e lembro-me de tentar começar a fazer a demo da música, que foi tão difícil de gravar, porque não tem click track, nem instrumentos para seguir. Tens que gravar uma voz, certificares-te de que está perfeita, e depois gravar o resto por cima dessa, sem uma pulsação definida. Sempre que uma sílaba muda e há um “ma” ou “fa” ou assim, todas as vozes têm que o fazer exatamente ao mesmo tempo, para não ficar caótico. Por isso, foi um grande desafio gravar a demo, e foi ainda mais difícil gravar a versão final. Ainda me lembro bem de a ouvir pela primeira vez, quando gravei a demo, foi um momento especial. Não sei, nem consigo explicar, até tenho arrepios só de me lembrar isto. É tão estranho, porque a música não tem letra, mas mesmo assim... nem sei o que dizer, é-me difícil descrever esta música. Para mim, contém todas as emoções do disco. Tudo o que eu queria transmitir neste disco, e mesmo no projeto Sylvaine, está nesta música. É muito vasto, muito frágil e íntimo, mas ao mesmo tempo super etéreo e amplo. Tem um pouco de tudo deste projeto. Sempre que a oiço, toca-me muito. A capa foi totalmente inspirada nesta música, e também no vídeo. Lembro-me de a ouvir um milhão de vezes enquanto via as fotografias da sessão que fiz com o Andy Julia (fotógrafo) para escolher a capa e quando vi esta imagem fiquei logo “é esta!”. E a Daria, a minha melhor amiga, Daria Anderson começou a fazer a pós-produção da imagem para ter esta vibe quase cósmica para a capa, e esta música “continha” o significado do disco. Eu tinha uma ideia muito concreta para a capa desde o início, e eles conseguiram captá-la na perfeição. Por isso, “Nova” era a música que eu estava sempre a ouvir para confirmar se a parte visual estava bem. Mesmo para as fotos promocionais, eu ia ouvindo a música, e ficava tipo… É difícil descrever em palavras. Tu fazes música para tentar não ter que falar, ou colocar as coisas em palavras e “Nova” é uma dessas músicas que eu não consigo mesmo explicar, mas que significa muito para mim. É tudo o que consigo dizer.


M.I. - Na tua música, exploras muito o contraste entre os momentos mais à Black Metal e outros altamente melódicos, mas igualmente profundos. Sentes que já encontraste o equilíbrio entre as duas texturas?

Bem, eu acho que cada álbum é um capítulo diferente desse equilíbrio. Todos eles têm os lados opostos. Luz e escuridão, o áspero, o melódico, o pesado, o leve o etéreo... Eu acho que todos os discos têm isso, mas são apenas lados  diferentes dessa mistura... e, claro, cada álbum representa diferentes anos da minha vida. Sylvaine é tipo o meu diário em áudio, é sempre uma espécie de testemunha de quem eu era e o que estava a passar no momento em que criei o álbum. Logo isso faz com que soem diferentes. “Wistful” é um disco muito, muito triste e solitário, porque era exatamente isso que eu estava a sentir quando me mudei para a França, e estava isolada; “Atoms Aligned…” foi muito inspirado no mundo exterior, como observar o mundo e pensar “porque é que está tudo ao cair aos bocados?” (risos) “Porque é que são todos tão horríveis uns com os outros?”. E “Nova”, mais uma vez, meio que mistura os dois. É apenas lidar com a perda. Definitivamente, exigia um equilíbrio mais extremo entre os dois, como partes mais pesadas que carreguem essa frustração e, depois, outras mais etéreas que deem aquela sensação íntima de estar a observar a alma de alguém. Basicamente, tudo na minha música se resume às emoções. De que é que as emoções precisam? Às vezes não dá para explicar as coisas com uma voz limpa, por exemplo. Não ressoa de forma a mostrar as emoções e o quão severas elas são. A raiva não é algo com que eu costume lidar muito na minha música, é mais a frustração, e quando a voz limpa não consegue expressar o quão frustradas ou intensas são as emoções, os berros fazem esse papel. É algo muito orgânico, baseado no que as músicas pedem e nas emoções envolvidas na criação das músicas, e no que eu quero transmitir aos ouvintes. 


M.I. - Disseste, numa entrevista, que tentas ser o mais produtiva possível quando estás inspirada, porque sabe que a inspiração há de acabar por desaparecer. Como lidas com a inspiração? Ficas ansiosa quando não tens ideias? Como geres isso?

Eu acho que isso faz parte do processo e, quanto mais velho ficas, melhor o fazes. Acho que também começas a aceitar aqueles períodos em que não tens inspiração e sentes que nunca mais vai escrever uma única música, e ficas tipo “bem... merda!” (risos)


M.I. - Não sentes a tentação de forçar?

Claro, às vezes, sim! Às vezes forças e funciona... na maioria das vezes só te afasta ainda mais do que estás a tentar fazer. (risos) Pelo menos é a minha experiência. É por isso que, por exemplo, quando eu estava a trabalhar neste último álbum, estive cerca de três meses em 2020 sem tocar na guitarra. Não fiz nada porque senti que tinha chegado a um ponto com este álbum em que, se eu continuasse a forçar, só me iria afastar cada vez mais do que pretendia para o disco, por isso precisava de lhe dar descanso. Este álbum foi tão intenso e tão pessoal, que eu sentia que era muito para lidar, sentia-me sobrecarregada e simplesmente não conseguia transportá-lo para as músicas. Por isso, é muito importante saber quando dar um passo atrás, e nunca é um fracasso dizer “Não estou inspirada agora. Sou inútil no que toca a esta tarefa específica, mas posso fazer outras coisas.” Eu acho que isso é muito importante. E é uma coisa que se aprende a aceitar. Acho que todos os artistas, não importa o que façam, ficam apavorados quando esses momentos acontecem, mas é importante que nos lembremos que é normal. O mais provável é que a inspiração volte e, na pior das hipóteses, se não voltar, é porque não tens nada para dizer, e é honesto dizer “Não quero desperdiçar o teu tempo com coisas que são fabricadas porque não são reais, não é algo que eu queira de facto comunicar.” Eu tive sorte que a minha inspiração sempre voltou, até agora, mas é difícil, e acho que a única maneira de me sentir inspirada é viver, estar no mundo, fazer coisas, conhecer pessoas, visitar lugares, ir a museus, estar na natureza. Viver, sabes? Tu precisas de algo. Para poderes falar sobre algo da tua vida, precisas de ter experiências, ser capaz de as sentir. Por isso, não há uma coisa específica da qual eu precise para ter inspiração, é mais, tipo, estar vivo e aberto para absorver as experiências da vida, processá-las e colocá-las nalgum tipo de forma de arte.


M.I. - Quando atuas ao vivo, geralmente tocas com banda, mas também dás alguns concertos a solo. Qual é a diferença, para ti, em termos da experiência?

Eu adoro os dois. É engraçado, porque lembro-me de ter essa conversa com os meus pais. O meu pai tocou bateria nos meus primeiros três álbuns, e minha mãe costumava trabalhar numa editora, trabalhava para os maiores promotores da Noruega e fazia alguns festivais e concertos. Então, ambos vêm da música e a música sempre foi uma grande parte da nossa vida, sempre foi assunto de conversa. E eu lembro-me de conversar com eles e dizer que queria muito estar numa banda, que não queria atuar a solo, porque gosto da energia de estar com outras pessoas e partilharmos a experiência juntos. E eles diziam “vais acabar como artista solo”. E eu ficava tipo “porquê?” (risos) “Porque és muito teimosa e persistente.” (risos) Eles estavam certos, eles conhecem-me, claro. Eu adoro tocar com os meus três amigos ao vivo, Florian, Dorian e Maxime. São pessoas maravilhosas, tanto a nível pessoal - eles são incríveis - e, como banda, musicalmente, trabalhamos muito bem juntos também. É maravilhoso quando tens este sentimento de pequena família, estás no palco e olham uns para os outros, tipo “yeeeeah”. É tão fixe. É a melhor coisa do mundo, partilhar essa experiência porque, na verdade, a arte vem de um lugar de emoções muito introspetivas e autênticas... íntimas. Mas é algo feito para partilhar com outras pessoas, portanto poder fazer isso com banda é fantástico. Eu adoro isso. O que também adoro sobre o concerto a solo é que é toda um outro monstro. É absolutamente aterrorizante (risos), mas, ao mesmo tempo, eu adoro porque é muito pessoal. É que se a banda está a comunicar algo para o público, ainda temos esse tipo de suporte pesado, musical, que transporta a mensagem. Enquanto a solo é completamente vazio. É tipo “sim, esta sou eu. Estes são todos os meus sentimentos mais íntimos. Aqui têm." É super direto. A mensagem que estás a tentar comunicar é tão direta quando és apenas tu a olhar para o público enquanto lhes dás o teu coração. As atuações a solo, geralmente, são muito intensas para mim, e é por isso que não tenho feito muitas. Quero que se mantenham como algo que não faço todos os dias, e também é emocionalmente muito desafiador para mim. Quando estou sozinha, é muito mais fácil viajar para o universo dos sentimentos e isso pode dominar-me, e tornar-se muito intenso. Com banda sempre podes olhar para um dos outros músicos e sentir o apoio, mas no concerto a solo, não há isso. Então, acho que como membro da plateia, os concertos a devem ser mais intensos, devido ao lado emocional, mas claro que, em termos de energia, som e tudo mais, a banda definitivamente também é intensa, ainda que de maneira diferente. Eu amo os dois, mas são de facto muito diferentes, bem como a experiência para as pessoas que estão no público.


M.I. - Muito obrigado pelo teu tempo! Por favor, deixa uma mensagem final para os leitores da Metal Imperium.

Bem, muito obrigado a todos os leitores do Metal Imperium. Se chegaram até aqui, aplaudo-vos porque eu falei imenso. (risos) Muito obrigado por lerem os meus pensamentos e espero mesmo ver-vos em digressão um dia destes. E até lá, por favor, cuidem bem de vocês, o mundo ainda é um lugar estranho neste momento. Por isso, cuidem-se bem, cuidem bem uns dos outros e mantenham-se respeitosos, conscientes e espero vê-los em breve.

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Entrevista por Francisco Gomes