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Entrevista aos Rotting Christ



Os Rotting Christ comemoram este ano o vigésimo quinto aniversário e estão de volta com “Kata Ton Daimona Eaytoy”, um álbum absolutamente colossal lançado, no início deste mês, pela Season Of Mist. Sakis Tolis, mentor e principal compositor da banda esteve à conversa com a Metal Imperium e partilhou connosco as suas ideias, frustrações e ainda fez uma revelação bombástica, que muito agradará aos seus fãs.




M.I. - Olá! Tudo bem?

Shalom! Estou bem obrigado mas muito cansado!


M.I. - Ok! Antes de mais, deixa-me congratular-te pelo novo álbum! É absolutamente fantástico e viciante!

Muito obrigado!


M.I. - "Kata Ton Daimona Eaytoy" ("Do What Thou Wilt"), foi lançado no dia 1 de Março pela Season of Mist. Porque é que decidiste usar uma máxima grega antiga como título?

Nós fazemos sempre isso, usámos palavras gregas nos nossos títulos porque gostamos de colocar um pouco da história grega nesta sociedade globalizada. É bom ter algo da nossa herança cultural. Hoje em dia, todas as bandas tentam soar como as bandas americanas, ok, eu gosto das bandas americanas mas nós não seguimos as mesmas regras. A nossa língua materna não é o inglês e nós nem tentamos ter um bom sotaque inglês porque não queremos saber disso. Eu sinto necessidade de colocar parte da história do sul da Europa nos álbuns e não me importo se as pessoas compreendem ou não.


M.I. – O título “Do what thou wilt” representa, de algum modo, a tua vontade como cidadão grego de alterar o percurso político da Grécia, já que estais a enfrentar uma grave crise tal como Portugal?

Sim, talvez! E acredita que nós estamos bem pior que Portugal, pelo menos neste momento! Não, eu não usei o título por causa da situação política. Aliás, este até é um título alternativo escolhido pela editora para o mercado americano porque lá ninguém quer saber da Grécia nem percebe grego. Por isso, se calhar, até pode haver algum paralelismo com a crise porque é tudo muito difícil. Portanto, “Do what thou wilt” e “Non serviam” são máximas que podem ser a solução para a situação grega actual!


M.I. - “Do what thou wilt” também é uma citação do famoso poeta e ocultista Britânico, Aleister Crowley. És fã do seu trabalho?

Sim, somos fãs mas, como referi anteriormente, este título não é inspirado nos seus trabalhos. A tradução mais exacta de "Kata Ton Daimona Eaytoy" para inglês é “True to your own spirit” que basicamente reflecte a ideologia “Non Serviam” que a banda adoptou desde o início.


M.I. - Pareces estar muito confiante que este talvez seja o álbum mais obscuro e místico dos Rotting Christ. O que é que este lançamento tem de tão especial?

Especial? Quem é especial hoje em dia? O que é especial? Eu não sei se é especial mas posso afirmar que é único. Como sou o único compositor da banda, eu sempre tento gravar e lançar algo único. Acho que os álbuns que soam todos da mesma maneira até podem ter músicos muito bons e boas músicas mas… vá lá, não se pode tocar a mesma coisa milhares de vezes. Por isso, eu estou a tentar usar música original e estou a correr riscos, muito particularmente quando decido fazer uma cover de uma música Romena… isso é um grande risco e só mesmo os mais abertos e fortes mentalmente. Eu tento criar música mística porque só componho quando me sinto mal, daí que cada composição seja o resultado de uma grande meditação. 


M.I. - Fazes tudo sozinho, não é? Não é um peso muito grande nos teus ombros, ter de pensar em todas as letras e música? Tens emprego ou dedicas-te somente à banda?

Oh, claro! É muito pesado e, às vezes, questiono-me porque faço isto já que me provoca muito sofrimento. Ter um emprego destes é difícil porque tens na mesma de pagar as contas e tomar conta da família mas eu considero-me um lutador, um guerreiro do metal, alguém que tem uma missão a cumprir e por isso é que ainda faço o que faço. Mesmo que tenha de enfrentar muitos obstáculos, estarei sempre na linha da frente pelo metal porque eu tenho um sonho, uma ideia… se alguém me perguntar qual é, eu nem sei bem, talvez seja lutar pelo metal… mas sempre o farei, não importa os obstáculos que apareçam, mesmo que eu tenha de fazer muitos sacrifícios, porque estou a fazer isto por mim.



M.I. – Como é que acontece o processo de escrita de um álbum? Primeiro surgem as letras ou a música?

Quando comecei a banda há vinte e cinco anos atrás, eu agarrei numa guitarra e a música e letras começaram a fluir... agora, passados vinte e cinco anos, primeiro eu faço uma introspecção, medito e procuro nas partes mais recônditas da minha alma... se sentir alguma vibração, então penso na música primeiro, planeio tudo mentalmente e depois surgem as letras. Este processo é muito demorado porque eu quero que tudo esteja perfeito e que seja puro e verdadeiro. Eu quero ser verdadeiro com a minha música, os meus fãs e os meus músicos.


M.I. - Então dirias que és um perfeccionista?

Na música sim, na minha vida não! Se vires a minha casa, não é perfeita, porque eu não me preocupo com as coisas materiais. O que me preocupa é a minha mente, a perfeição na músoca, não na minha vida quotidiana. 


M.I. - Na capa do álbum há dois demónios, um de cada lado. Qual o seu significado?

Os dois demónios fazem parte de uma máxima grega antiga que simboliza cada um de nós e o seu lado bom e o lado mau.


M.I. - Todos os títulos do novo álbum estão em línguas diferentes, o que dificulta a compreensão. Até o tradutor do Google teve dificuldade em cumprir a sua tarefa. Qual a ligação entre as letras do álbum e o título?

As letras do álbum lidam com o ocultismo do passado, há referências às heranças incas, heranças maias e eslávicas. Tudo isto caracteriza o álbum e tudo isto está relacionado com a capa porque as dez diferentes histórias estão subordinadas à máxima “True to your own spirit”.


M.I. - Então este álbum é multicultural, não é?

Sim, sim, claro que sim, na minha opinião!



M.I. - Posso concluir que és um fã de outras culturas! Viajas muito?


Sim, há vinte e cinco anos! Já viajei dez vezes à volta do mundo... já nem tenho a certeza, já lhe perdi a conta!


M.I. - Mas em tournée com a banda ou sozinho?

Só mesmo quando toco com a banda, porque não tenho dinheiro para fazer as coisas de outra maneira. Tenho viajado desde os anos noventa, já celebrei o milésimo concerto com a minha banda e já toquei em todo o mundo, mesmo em territórios onde poucos ousam ir, tais como a Floresta Amazónica e a Sibéria. Às vezes enfrentamos situações muito más mas eu gosto de aprender, de perceber como as pessoas pensam, como vivem e como reagem... é uma boa lição para mim. Uma boa lição para evitar a apatia e o fascismo  que, infelizmente, afecta a sociedade actual. Viajar pelo mundo permitiu-me compreender que todas as pessoas são iguais em todo o lado!


M.I. - Pois, só têm condições de vida diferentes...

Yeah, muito diferentes. Aqui na Europa, se perdemos um dos nossos dois carros já é um drama e passamos a vida a queixarmo-nos do nosso azar... só indo a alguns países é que podemos finalmente compreender a verdadeira definição de pureza.


M.I. - Qual é o local mais espectacular em que já estiveste?

A América do Sul e daqui a alguns dias vamos para lá novamente…


M.I. - Como tem sido a reacção ao novo álbum, comparativamente com “Aealo”?

É muito cedo para saber mas, segundo a primeira onda de reacções, penso que o pessoal gosta muito mais deste do que dos anteriores.


M.I. - Sim, até porque foi considerado álbum do mês na revista Spark da República Checa. É um verdadeiro feito! As expectativas devem estar mesmo em alta!

Tal como já referi, é muito cedo para tirar conclusões mas este álbum demora algum tempo para que as pessoas o compreendam. É um álbum com dez temas, dez histórias diferentes, é um álbum fora do comum e único, a meu ver.


M.I. - Eu sei! Eu já o ouvi uma série de vezes e é mesmo brilhante! Não penso que demore tempo a entrar no ouvido. Só para que saibas, o tema “Xibalba” agrada-me tanto que consigo ouvi-lo vezes seguidas sem conta...

Muito obrigado! Sinto-me rico por ter tocado a tua alma! Fico contente quando escrevo música que afecta a alma das pessoas... muito obrigado!


M.I. - O streaming do álbum já está disponível online. Não irá prejudicar as vendas?

Eu quero lá saber das vendas! Eu fico contente de saber que as pessoas ouvem e é por isso que faço música!


M.I. - Por acaso sabes que há imensas covers de temas do Rotting Christ online, nomeadamente no Youtube?

Sim! Ao longo do ano passado, tornei-me viciado na internet e tenho seguido tudo isso atentamente! 


M.I. - Como reages perante este tipo de demonstrações?

Sinto-me orgulhoso, claro! Este é mesmo o melhor pagamento que posso receber.


M.I. - Na 4.ª faixa é audível um instrumento que me lembra o erhu, um instrumento tradicional chinês. 

Não, não é chinês, é romeno.


M.I. - Também o sabes tocar?

Ainda não mas tenho de aprender porque se formos tocar à Roménia o pessoal vai querer que nós o toquemos, senão ainda dão cabo de nós! (risos)


M.I. - Porque decidiste usá-lo?

Porque o álbum é multicultural e esse tema é uma maldição, uma maldição da Transilvânia, portanto ele encaixa muito bem no resultado final.


M.I. - Na faixa 5 a voz feminina encaixa na perfeição!

Oh, desculpa! Estavas a falar de outro tema! O instrumento a que te referias é uma gaita de foles, um instrumento grego. A 5.ª faixa é que é a maldição.


M.I. - As vozes femininas...

São duas cantoras locais que cantam música étnica muito bela.


M.I. - Elas lembram-me a voz da Francesca Nicoli dos Ataraxia!

Estas são muito melhores! Se as ouvires com atenção, verás que estas são mesmo muito boas!


M.I. - O que achas de tantos álbuns estarem disponíveis na internet? É bom ou mau para as bandas?

Eu não me preocupo com as vendas. Por isso, quem não tem dinheiro que faça streaming ou download! O pessoal enfrenta problemas e muitas pessoas não podem comprar o álbum, portanto não me incomoda nada que o descarreguem. Força, descarreguem os álbuns, porque as vendas não me interessam para nada!



M.I. – O álbum foi misturado por Jens Borgen. Ele tem alguma influência no resultado final ou tu sabes desde o início o que pretendes e ele só cumpre o teu desejo?

Eu produzi o álbum e o Jens Borgen misturou-o porque é um dos mais talentosos nessa área, neste momento. Ele entra em acção e melhora logo o resultado final!


M.I. - Os Rotting Christ já têm algumas tournées planeadas nomeadamente na Turquia e na América Central e do Sul. Quão importantes são as tournées para ti?

Elas são a única maneira de contactarmos com as pessoas que apreciam a nossa música. É a única forma de nos promovermos.


M.I. - As datas da tournée europeia já foram divulgadas e verifiquei que Portugal não consta da lista. Porquê?

Acabámos de confirmar o festival de Vagos. Conheces?


M.I. - A sério?!

Yeah! És de Lisboa ou do Porto?


M.I. - Porto!

Ok, então vemo-nos em Agosto! (risos)


M.I. - (risos) Ok! Tens histórias de situações bizarras que tenham acontecido em tournée?

Ui, tantas! As pessoas sempre tiveram problemas com o nosso nome! Já recebemos ameaças de morte, já andámos envolvidos em lutas e discussões. Dantes não sabíamos lidar com drogas e álcool e era uma desgraça mas agora já não! Agora somos mais disciplinados e enfrentamos tantas cenas que, um dia, talvez escrevamos um livro sobre o que acontece em tournée já que há tantas pessoas interessadas em saber!


M.I. - E as fãs assediam-vos muito?

(risos) Isso é só um rumor! Já chegou a acontecer mas não tem acontecido ultimamente. Hoje em dia, as pessoas vão aos concertos para nos ouvir e depois vão-se embora. No passado, havia muitas raparigas que ficavam por lá e era inevitável que acontecesse mas... agora o que acontece é que somos vinte pessoas num autocarro praticamente a cheirarmo-nos umas às outras. É muito diferente, acredita em mim! (risos)


M.I. - Tiveste um incidente com o Dave Mustaine que se recusou a tocar por os Rotting Christ estarem no mesmo cartaz, por causa do vosso nome e ideologia. Que pensas desta mentalidade?

Tenho pena por vir de alguém que toca metal! Supostamente, o metal opõe-se a esta mentalidade fechada mas ainda há pessoas que reagem como se fossem o meu avô! Tudo o que tenho a dizer é que tenho pena que haja gente assim!


M.I. - Desde 1988 que vocês torturam as nossas almas e agradam aos nossos ouvidos. 25 anos é muito tempo! Vão celebrar com algo especial?

Eu não gosto nada de celebrações, talvez façamos algo mas não é que eu aprecie muito. Não sou um tipo que gosta de pôr um sorriso amarelo e conversar com toda a gente. Detesto isso! Se fizermos algo, será uma cena muito simples.



M.I. - Qual a receita secreta para escrever música tão viciante? Vives num país com paisagens paradisíacas, como consegues escrever letras tão obscuras quando estás rodeado por tanta beleza?

Tens de perguntar às partes mais recônditas da minha alma. Eu sou um tipo normal e talvez alguns amigos meus digam que eu sou único e diferente mas eu sou normal, pago contas e tomo conta da minha casa. Gosto muito de viajar mentalmente. Este mundo deixa-me doente e gosto de escapar através da meditação e da escrita de música. Sinto-me abençoado por este resultado tocar as almas de certas pessoas.


M.I. - Com que idades percebeste que querias ser músico?

Praí aos dez anos, nunca tive aulas de música mas sempre gostei muito de tocar. Não tinha dinheiro e tive de roubar uma guitarra. Depois cheguei à conclusão que gostava de fazer covers de músicas dos Dio e dos Black Sabbath, então compreendi que o metal seria um bom caminho para a minha alma.


M.I. - O teu irmão toca contigo. Sois gémeos?

Não somos gémeos, mas somos muito próximos em idade. Às vezes zangamo-nos mas isso é normal entre irmãos. Mas é bom tocar com ele porque ele é uma pessoa de confiança.


M.I. - Cresceste numa casa em que se valorizava a música?

Nada disso, nem aulas de música nem música.


M.I. – Assim sendo é estranho que vocês os dois gostem tanto de música...

Gosto mais de música que o meu irmão! Ele é baterista e eles têm sempre problemas e cenas assim! (risos) Mas ele segue o meu caminho e gosta disso.


M.I. - Se tivesses de apresentar alguém ao som de Rotting Christ, qual era o álbum que escolherias?

Depende da disposição porque eu produzi-os todos e considero-os como parte da minha família, portanto não é fácil escolher um.


M.I. - Sim, mas faz um esforço...

Ok... talvez o último!


M.I. - Sabes que tens fãs muito loucos que chegam ao ponto de fazer tatuagens relacionadas com a tua banda. Como te sentes com isso?

Já vi muitas e até colecciono fotos delas. Claro que me fazem sentir orgulhoso.


M.I. - Também tens tatuagens... tens alguma ligada aos Rotting Christ?

Sim, claro! Tenho “Non Serviam” e “Sanctus Diavolos”... sim, tenho algumas!


M.I. - Como é a cena metal helénica nos dias de hoje?

Está cada vez melhor. Nos últimos cinco/seis anos, as bandas novas tocam boa música e atingiram um bom nível porque compreendem como as coisas funcionam... eles perguntam-me e percebem mas, no meu tempo, nós não fazíamos a mínima ideia como as cenas funcionavam. As bandas estão melhores e já se vêem muitas bandas gregas em tournée pela Europa e isso é muito bom.


M.I. - Do que mais sentes falta da cena metal dos anos 90?

Sinto mesmo muita falta do romantismo e da falta de competição. Hoje em dia são todos tão competitivos e isso é horrível e muito chato.


M.I. - Estás familiarizado com a cena metal em Portugal, para além dos Moonspell claro?

Claro, os Moonspell são nossos irmãos... diz-lhes que eu mando cumprimentos! E há outra... mas agora não me lembro do nome...



M.I. - Quanto aos Thou Art Lord, como estão as coisas? 

Estamos a preparar o novo álbum que será lançado muito em breve.


M.I. - Sakis, muito obrigado. Últimas palavras, por favor.

Obrigado! Irmãos e irmãs portuguesas, eu sei o que vós estais a passar e a sofrer com a vossa situação mas não leveis as coisas a peito porque a culpa não é vossa, vós não fizestes nada de errado... isto é o início da queda do sistema. Portanto, sejam orgulhosos, sejam fortes e sempre “Non Serviam”!


Entrevista por Sónia Fonseca