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Orphaned Land - "All is One" Review


É inevitável que se aproveite a música para veicular mensagens de cariz político. Muitos foram os momentos na história contemporânea em que tal aconteceu, desde os The Doors, passado pela Janis Joplin e Rage Against the Machine, até ao nosso grande Zeca Afonso. Colectivos e personalidades que aproveitaram diferentes escalas melódicas feitas com mestria, para consciencializar mentes através de palavras, estimulando as pessoas a lutarem pela sua liberdade e direitos humanos.

Os Orphaned Land, do coração de um dos mais intensos e complexos conflitos da história da humanidade, também eles se juntam a esse coro de vozes, passando-nos a mais bela de todas as mensagens políticas, a de paz. Cinco discos assim o demonstram, cada um à sua maneira onde também a banda desbravou até ao limite, o metal de raízes orientais, sendo hoje vistos como soberanos e principais embaixadores do género.

É hora de com "All is One" apresentarem-nos algo substancialmente diferente, não no conceito lírico, mas na estética instrumental. Quando comparado com os trabalhos anteriores denota-se desde logo uma redução significativa no peso, não só nas guitarras, mas também nas quase ausentes vozes ríspidas de Kobi Farhi. E mesmo não sendo também uma “viagem” ao estilo de "The Never Ending Way Of ORwarriOR", também não é de todo uma quebra abrupta com o passado. "All is One" é inequivocamente um álbum de Orphaned Land, a começar pelo uso ecléctico dos instrumentos até à atmosfera oriental, ou seja tudo aquilo que faz parte da génese e grande ex-líbris do seu som contínua lá, intocável. Este disco é sim mais directo, aparentemente mais frágil e por vezes até edificante, mas ao mesmo tempo talvez o mais emocional e intenso trabalho alguma vez composto por estes Israelitas.

A capa, contendo os símbolos das três religiões Abraâmicas fundidos, juntamente com o próprio título, não mais são do que gritos simbólicos apelando à compreensão e tolerância entre os crentes no Cristianismo, Islão e Judaísmo. Algo que contrasta fortemente com o conteúdo lírico aqui presente, sendo "Brother" o exemplo mais paradigmático disso. Nesta suave e belíssima balada, Kobi conta-nos a história de Isaac e Ishmael, e de como a animosidade entre Hebreus e Árabes poderá remontar até aos tempos bíblicos. Já o arrepiante "Children" narra a visão do conflito israelo-palestiniano através dos olhos de uma criança, resultando num tema com uma profundidade trágica quase sufocante.

Por outro lado em "The Simple Man" e "Our Own Messiah", os Orphaned Land instigam as pessoas a rejeitarem a retórica dos falsos profetas e a pensarem por elas próprias, enquanto o tema título acaba por ser uma pequena oferenda por parte da banda ao calvário sentido pela maioria dos fãs de metal do médio oriente, proibidos de expressar abertamente o seu gosto pela música pesada, por regimes opressores e retrógrados.

Estes são apenas alguns exemplos, mas tanto mais haveria para falar de um disco desta magnitude, como a intensidade de "Through Water and Fire", ou na pluralidade de idiomas que aqui coabitam, desde o arábico até ao hebraico. É que para se apelar à paz ainda para mais numa conjectura deste âmbito, convém não tomar partidos, ou fazer discursos de incitamento ao ódio atirando as culpas para este ou aquele e isso foi coisa que os Orphaned Land nunca fizeram. Eles estão lá, vivem o conflito como ninguém e sabem que a chave para um hipotético entendimento entre os dois lados poderá residir não nos Sharons e Abbas desta vida, mas sim no povo e na aceitação de ambas as partes de que nem todo o palestiniano é um bombista suicida em potência, tal como nem todo o israelita é um usurpador.

E quanto ao disco em si fica difícil uma apreciação quantitativa. Não só por ser um novo começo para os Orphaned Land, mas também por toda a sua carga lírica que se encontra em plena harmonia com a música. O seu ecletismo faz com que não seja um disco perfeito e provavelmente nem foi esse o objectivo da banda, mas sim o singelo contributo de um grupo de músicos mais interessados em consciencializar do que enriquecer com isso. E embora nem todas as faixas nos irão ficar gravadas na memória, All is One é sem dúvida um dos trabalhos mais sinceros e tragicamente realistas lançados nos últimos anos.

Nota: 8.6/10

Review por António Salazar Antunes