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Entrevista aos Dornenreich


Sou uma fã desta banda austríaca desde que ouvi o tema “In die nacht” lançado há quase duas décadas. Apesar de terem passado meio despercebidos no underground, os Dornenreich tocam música bela e encantadora, para quem aprecia o seu género Black Metal transcendental… Eviga, mentor e vocalista, esteve à conversa com a Metal Imperium sobre o seu próximo álbum “Freiheit”, ao qual se seguirá um interregno.

M.I. – A banda começou por tocar Black Metal mas, com o passar do tempo, as coisas mudaram…. Como definirias a banda neste momento?

Diria que ainda tem uma expressão intensa, mística e intemporal.


M.I. – Porque escreveis todas as letras em alemão? Achas que o significado se perde na tradução?

Há certos aspectos que se perdem nas traduções e acho que é natural e autêntico eu usar a minha língua materna e, quanto mais naturais e autênticas forem as letras, mais eu me identifico com elas, mais confortável me sinto e melhor interpretá-las-ei vocalmente. Quando verificamos que os nossos amigos Alcest também usam, prioritariamente, a sua língua materna e que recebem elogios de todo o mundo, torna-se claro que as vibrações da língua são mais importantes do que a expressão e do que o significado das letras. Quando alguém está mesmo muito interessado nas letras de bandas, como os Dornenreich, é possível pesquisar as traduções profissionais das letras. De qualquer modo, boas letras são uma parte fundamental de uma boa música e nós esforçamo-nos imenso nas letras e mensagens que transmitimos. Eu já experimentei várias línguas ao longo dos anos e só senti naturalidade e autenticidade quando o faço usando a minha língua materna. 


M.I. – Porque é que “Freiheit” será o vosso último álbum por uns tempos? Este título é uma proclamação do desejo de te libertares da música?

A principal razão está relacionada com o álbum em si. Musical e liricamente é aquele álbum que não pode ser seguido por nenhum outro. É um álbum que exigiu muita criatividade e também exige muito dos fãs, mas também tem muito para oferecer, pois aborda aspectos da vida que transcendem a expressão artística. Portanto, de certo modo, sinto-me como me senti em 2001 após o lançamento de “Her von welken Nachten”. Muito poucas pessoas compreendem que este passo é um passo a favor do estatuto livre, artístico e energético dos Dornenreich. A expressão artística é sagrada, talvez seja a forma mais universal de comunicação e estamos dispostos a explorar novas formas de expressão e a sensibilizar-nos com elas de novo.


M.I. – O Eviga disse que “Freiheit era um álbum de transições, transformações; um álbum que avança na direção das emoções humanas, pensamentos e ser. O álbum é dedicado à profundidade, diversidade e beleza elementar do ser.” Acreditas que já alcançaste tudo o que pretendias com os Dornenreich e daí a necessidade de fazer uma pausa?

Depois de ter pensado bastante sobre esta questão, a resposta é sim. Os Dornenreich e a expressão artística em geral são muito importantes para mim, portanto quero ser o mais autêntico e credível possível. E, abordando o estado da indústria musical, torna-se cada vez mais difícil mantermo-nos livres e com um trabalho artístico de qualidade. Portanto, é um ponto importante para fazer uma pausa, experimentar e descobrir novas formas de expressão.


M.I. – A capa escolhida para ilustrar o álbum tem representado um nascer-do-sol/pôr-do-sol e um mar calmo com o céu azul. Porquê uma capa tão calma?

Para além da estrutura da onda, a dramaturgia na qual o álbum é baseado, e para além do conceito lírico no qual se apresenta a transformação entre estágios vitais, a capa relaciona-se com o limiar em que os Dornenreich se encontram neste momento. E, neste contexto, considero importante o facto de não ser perceptível se a capa apresenta um nascer-do-sol ou um pôr-do-sol. (A contracapa do álbum responderá a tal questão!). Para mim é extremamente importante que a capa apresente este limiar que simboliza a zona vital entre dois contrastes – tal como o dia e a noite. 


M.I. – As críticas a este álbum têm sido interessantes e todas parecem concordar em considerá-lo “grande”. A opinião dos outros costuma interessar-te? Como te sentes quando o pessoal aprecia todo o trabalho árduo que tiveste?

Claro que a apreciação é encorajadora mas, em primeiro lugar, eu sou o meu maior crítico e enquanto eu estiver convencido e satisfeito com o resultado, estou um pouco imune ao que os outros críticos pensam ou escrevem. O feedback negativo que me afecta é o que tem fundamento, aquele que menciona aspectos que eu próprio não fui capaz de identificar. Mas é assim que aprendo mais sobre mim e sobre a minha expressão, fico mais atento aos pormenores e considero que é importante saber lidar com a crítica e com as diferentes perspectivas.


M.I. – Usaste a tua Ibanez Ergodyne para gravar este álbum? É o teu talismã da sorte?


Uau, sabes qual é a minha guitarra? Como? Sim, é mesmo o meu talismã da sorte, o meu objecto da boa sorte. Com esta guitarra, eu gravei todos os álbuns dos Dornenreich (menos o primeiro) e usei-a em todos os concertos que tivemos até ao momento. Nunca encontrei uma guitarra que encaixasse melhor nas minhas mãos. Infelizmente, este modelo já não se produz… eu sou uma alma fiel! (Risos)


M.I. – Como consegues criar música tão obscura e emocional quando aparentas ser tão calmo e relaxado?

Talvez seja uma alteração psíquica qualquer e é fundamental para manter a expressão artística equilibrada. Eu sou relaxado com a minha música. Quando andamos em tournée com os Marduk em 2001, aprendi que eles eram extremamente relaxados e bem-humorados comparativamente com a sua performance e a sua música. Claro que fui aprendendo a ser assim com o passar do tempo. O tornar-me consciente constantemente é a essência dos Dornenreich e é natural eu questionar-me para conseguir o equilíbrio entre a vida e a arte. De qualquer modo, este tema daria outra entrevista, acho eu…


M.I. – Os Dornenreich abordam temas como a intuição e a força de vontade, contrariamente ao que fazem grande parte das bandas de BM. Porquê estes temas em particular?

Já não abordamos a força de vontade. Na minha percepção, “Freiheit” em particular, é uma viagem extensa que tenciona abranger todas as disposições e motivações humanas ao longo dos diferentes estágios da vida ou níveis de consciência. Somos capazes de sentir necessidade, dúvida, dor, coragem, medo, devoção, amor, sonho e muitos contrastes como o êxtase e a introspecção e uma importante distinção entre o ser e o ego. Em “Freiheit” o ser tem uma ligação vital ao indivíduo e ao mundo que o rodeia, ao passo que o ego se refere ao indivíduo como uma grande mas oca torre que necessita de coisas exteriores constantemente. Considero que a nossa música se baseia na intuição porque eu acho que esse é o método mais autêntico.


M.I. – Achas que uma banda que altere radicalmente o seu estilo musical deve mudar de nome? Porquê?

Não necessariamente, desde que haja uma certa constante musical e lírica… nenhuma banda deveria mudar o nome. Eu conversei com muitos fãs durante a tournée e concordamos que a escrita de letras é vital no nosso caso. Portanto não mudaremos o nosso nome, tal como os Ulver também não mudaram.


M.I. – A banda toca versões acústicas dos vossos temas de metal. Agora o underground parece familiarizado com isso mas qual foi a primeira reacção quando começaste a fazê-lo?

Foi muito bem recebido! Felizmente, a nossa audiência tem uma mente liberal e muitos fãs aceitam-nos completamente e tal ficou evidente quando celebraram e apreciaram os nossos concertos mais recentes que consistiram num início acústico seguido por uma continuação metálica.


M.I. - Hoje em dia a banda parece gostar mais de guitarras acústicas do que guitarras eléctricas. Porquê?

Os instrumentos acústicos são a base, a fonte pura da expressão musical. Não podemos fingir emoções e capacidades nos instrumentos acústicos, temos mesmo de estar dispostos a expressarmo-nos, temos de ser mesmo devotos à música. Portanto é um modo mais natural, autêntico e desafiante. Para além de ser uma forma de contrariarmos toda a engenharia e tecnologia disponível nos dias de hoje.


M.I. – Quão fácil/complicado foi transformar as melodias do álbum para o ambiente ao vivo?

É um desafio, sem dúvida. Mas acho gratificante quando as pessoas se apercebem que a banda trabalha com os temas… eles nunca soam igual, e essa é a magia fundamental das experiências ao vivo. Para mim, nada é mais aborrecido do que músicos que tentam reproduzir as versões de estúdio dos seus temas quando lhes falta paixão. Mas a tua questão é válida porque temas como “Im fluss die flammen” ou “Blume der stille” dificilmente se conseguem adaptar a um trio ao vivo. Mas nós temos uma grande discografia e só incorporamos 3 ou 4 temas do novo álbum num concerto.


M.I. – Quando crias um tema, começas logo a imaginar como irá soar ao vivo ou segues só o instinto?

Sigo o instinto e a intuição. No entanto, após ter tocado tanto nos últimos anos, a experiência talvez já tenha criado raízes na minha intuição…


M.I. – Há algum tema que não toques ao vivo porque simplesmente não funciona?

Para além dos temas de “Freiheit” que já referi, posso acrescentar muitos dos temas de “Durch den traum” e também os nossos dois primeiros álbuns. Contudo, temos muitos temas que são perfeitos ao vivo.


M.I. – Por outro lado, há algum tema que soe bem ao vivo mas que não funcione tão bem no estúdio?

A questão é interessante mas a resposta é não.


M.I. – A internet estreitou os laços entre as bandas e os fãs. Por acaso a vossa música já salvou vidas? Já recebeste mensagens sentidas de fãs? Acreditas que a música pode mudar vidas? Porquê?

Absolutamente, no nosso caso, pelo menos. Quando converso com os fãs depois dos concertos ouço muitas histórias emocionantes relacionadas com os Dornenreich. Muitas pessoas já me disseram que os Dornenreich lhes salvaram a vida, os ajudaram a sobreviver. Ainda ontem recebi o email de uma miúda que estava grata por, finalmente, nos ter conseguido ver ao vivo, algo que ela e a irmã gémea desejavam há anos. Mas o ano passado a irmã suicidou-se… por isso, enquanto nós actuávamos, ela estava a libertar-se e a enfrentar muitos sentimentos… acredita que histórias destas me deixem sem fala. Muitos fãs têm tatuagens de Dornenreich o que, por um lado, é uma honra incrível mas, por outro, acarreta uma certa responsabilidade. Para concluir: eu nunca poderia proclamar um estilo de vida (auto) destrutivo, como os Shining fazem. Os Dornenreich tencionam encontrar o equilíbrio entre polaridades sem tentar engrandecer os aspectos obscuros e dolorosos da vida e da natureza. Nós somos a favor de algo e não contra algo…


M.I – Já imaginaste o que serias se não fosses músico?

Muitas vezes mesmo mas, no final, considero o meu passado e a minha constelação social e concluo que sou um artista nato com toda a luz e escuridão. Acho que os artistas já nascem artistas, que também é o que me disse a Lisa Gerrard dos Dead Can Dance quando a entrevistei para uma revista alemã no ano passado. E, sem dúvida, a música e a expressão artística me ajudaram a lidar com muitas situações e obstáculos. Nos primeiros tempos eu identificava-me com artistas renegados como Lovecraft, Hesse, entre outros, mas, um dia, apercebi-me que também era um, e tal era muito desafiante. É muito difícil abraçar o estado consciente de sermos artistas, contudo, tento entendê-lo como um presente e não como um peso.



M.I. - Já recebeste alguma proposta indecente de algum fã? Qual?

Nem por isso. Já conheci muita gente confusa ao longo dos anos. Há uns tempos, uma miúda afirmava que estávamos envolvidos num relacionamento e não aceitava que eu a contrariasse… foi muito estranho e difícil lidar com a situação porque ela precisava de ajuda, obviamente.


M.I. – Algumas das bandas que influenciam o vosso som são os Dead Can Dance, Bach, Ulver, Kvist, Pantera, L’Ham de Foc, Tori Amos, Devil Doll… é mais fácil afirmá-lo agora do que há uns anos atrás?

Sempre senti orgulho em não ter paixão por um género musical em particular e sempre o admiti desde o início da banda. Mas, claro que sim, acho que agora o pessoal é mais liberal por causa do acesso fácil à internet… pelo menos, muitas pessoas fingem ser mais liberais… (risos)


M.I. – Sois uma das poucas bandas que tem mantido a mesma editora desde o primeiro lançamento. Aposto que devem ter recebido ofertas de outras editoras, por isso porque vos mantivestes na Prophecy Productions? O facto de eles estarem localizados na Alemanha e partilharem a mesma língua, teve algum peso?

Aliás, os dois primeiros álbuns foram lançados pela editora austríaca CCP. Juntamo-nos à Prophecy há 15 anos, o que é muito tempo. Houve outras “grandes” editoras que nos abordaram e, às vezes, é complicado aceitar o facto da Prophecy não nos poder dar a mesma atenção que uma editora maior daria mas, no final de contas, nós queremos liberdade artística e a Prophecy garante-nos isso. Eles apreciam o nosso trabalho, conhecemo-nos e, tal como disseste, estão na Alemanha, que é o nosso principal mercado. O respeito mútuo e a liberdade artística são as razões pelas quais nos temos mantido na Prophecy.


M.I. – Qual a pergunta que os fãs mais fazem?

Hoje em dia é: A sério que vais desistir da música? E a resposta é um claro não!


M.I. – Quando estais em tournée, o que costumas fazer no tempo livre?

Devido ao ritmo (dar entrada de madrugada no autocarro), o maior desafio é dormir e descansar, algo de que eu necessito imenso pois um concerto nosso exige muito do meu corpo. De qualquer modo, em tournée, o meu foco é a música e raramente visito os locais por onde passamos porque não iria conseguir apreciá-los devidamente.


M.I. – Qual a parte mais complicada das tournées? E a mais fácil?

É preciso esperar pelo catering, pelo soundcheck, pelo concerto… e nunca se sabe se as coisas correrão conforme o planeado. Portanto é frequente haver tempo morto pelo meio. E por estarmos focados na música, estamos cansados e nem conseguimos ler nem nada, pelo menos falo por mim. A parte mais fácil é, sem dúvida, o concerto…


M.I. – Planeais tocar em Portugal para promover o novo álbum?

Adorava mesmo mas vamos esperar para ver se recebemos boas propostas. Espero que entrem em contacto connosco caso conheçam promotores locais!


M.I. – A banda já tocou cá algumas vezes… tiveste oportunidade de visitar o país? O que aprecias mais em Portugal e nos portugueses?

Tenho uma memória especial do Barroselas Metalfest em 2010. Tocámos 2 concertos – um acústico e um normal. As pessoas envolvidas foram muito encorajadoras, simpáticas e fantásticas. Por exemplo, o concerto acústico era para acontecer no palco ao ar livre mas, de repente, começou a chover e eles montaram tudo de novo noutro local… foi espectacular e demonstra a dedicação dos Portugueses!


M.I. – Muito obrigada pelo teu tempo e espero ver-te em Portugal em breve. Partilha uma mensagem final com os leitores e fãs portugueses.

Sónia, obrigado pela entrevista tão interessante, algo raro nos dias de hoje! E para os leitores: obrigado pelo apoio e esperamos visitar Portugal em breve. Fiquem bem!


Entrevista por Sónia Fonseca