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Entrevista aos Bizarrekult



Em 2022, os black metallers Bizarrekult estabeleceram-se como visionários desta década. Apesar do projeto se ter iniciado há 16 anos, o primeiro álbum “Vi Overlevde” só foi lançado em 2021. Agora, os Bizarrekult estão prontos para entrar num novo capítulo, com o contrato com a Season of Mist e com o segundo álbum, “Den Tapte Krigen”, que “contém uma mensagem de esperança e conexão, necessária para fazer com que fiques em paz contigo mesmo, aceites o que és, a tua identidade e partilhes perdão e amor.”
Tudo isto parecia ser mais do que suficiente para a Metal Imperium querer entrevistar os Bizarrekult... e aqui está a conversa com Roman.

M.I. - Em primeiro lugar, muito obrigado por dedicares tempo para responder às minhas perguntas!

Obrigado, o prazer é meu!


M.I. – O Roman afirmou que: “Os Bizarrekult, desde o início, foram uma busca de identidade e busca filosófica por respostas sobre as questões que incomodam a minha mente noite e dia”. Obtiveste respostas para a maioria das perguntas até agora ou ainda estás menos esclarecido?

Esta é uma pergunta muito boa. Acho difícil comparar o meu eu há quase 20 anos e agora. Muito tempo se passou desde então, tive muitas experiências, tanto negativas quanto positivas. Algumas perguntas foram respondidas, mas eu tenho mais. Especialmente os últimos 4 anos foram gastos a refletir sobre os meus anos anteriores e o que aconteceu na infância, adolescência, juventude e que direção eu tomei. Acho que a vida é uma experiência sem fim e, enquanto a minha mente estiver a funcionar, continuarei a questionar as minhas ações, pensamentos, sentimentos, bem como as pessoas e processos ao nosso redor.


M.I. – O Roman iniciou o projeto Bizarrekult na Sibéria, onde gravou uma demo e meio EP. No entanto, três anos depois, fez uma pausa na banda. Por quê? Foi uma decisão difícil?

Foi um período turbulento, terminei a universidade, mudei-me 3 vezes em 2 anos, portanto o projeto não estava muito ativo. Desafios da vida, trabalho, família estavam diante de mim e não foi uma decisão muito difícil. Tens que priorizar, fazer escolhas.


M.I. - O Roman mudou-se para a terra do black metal, a Noruega. Por quê a Noruega em particular? Foi por causa da tua paixão pelo Black Metal?

Eu estava à procura do próximo passo na minha carreira e, quando recebi uma oferta de emprego na universidade na Noruega, resolvi tentar. A música não fazia parte da motivação para me mudar para cá. Mudei-me por uma questão de crescimento profissional.


M.I. - Encontraste inspiração novamente lá. O que te inspirou?

A vida, as pessoas com quem me identifico, a minha família, mas também a natureza, claro. Caminho nas florestas perto da minha casa para ventilar ideias e relaxar do stress.


M.I. - Na tua opinião, os Bizarrekult seria quem os Bizarrekult são hoje se tivesses ficado na Sibéria? Essa mudança ajudou a definir o caminho da banda?

É um pouco difícil especular sobre o que teria sido se algo não tivesse acontecido, mas no caso dos Bizarrekult e também da minha vida, carreira e situação familiar, eu não acho que estaria no mesmo lugar (mentalmente) se não tivesse iniciado o meu movimento há 15 anos. Estar na Noruega, claro, fez com que eu acabasse por usar o norueguês, a minha segunda língua.


M.I. - O álbum de estreia “Vi Overlevde” foi lançado em 2021. Incluía alguma faixa da demo ou tinha apenas faixas inéditas?

Todas as faixas de “Vi Overlevde” são material que escrevi em Bergen em 2009/10, temos ensaiado com poucos músicos locais mas tive que priorizar o trabalho e a família, por isso acabou como demo no meu computador. Estou feliz por ter guardado os arquivos! Mas é claro que, ao retrabalhá-los em 2019, finalizamos algumas coisas aqui e ali, adicionamos linhas de guitarra adicionais, vozes e as letras foram escritas em 2019/20.


M.I. - Tendo em vista que foi lançado durante uma pandemia, que temas abordaste?

Escrevi a letra antes do início da pandemia e é principalmente uma retrospetiva de eventos da vida anteriores a 2019. Infância, relacionamento com as pessoas, reflexões sobre alguns eventos ao meu redor, um pouco de perspetiva social (Skrik i tomhet). Eu coloquei a tradução no Bandcamp dos Bizarrekult porque as pessoas perguntavam sobre isso.


M.I. - Quão diferente é “Den Tapte Krigen” do seu antecessor?

Acho que é um pouco mais lento, mais melódico, tanto nas guitarras quanto nas vozes. O som é um pouco mais dinâmico (menos comprimido) para acomodar todas as melodias e coisas interessantes que acontecem na guitarra aqui e ali. As letras são mais brilhantes também, acho, menos angústia sobre os eventos passados, mais aceitação de si mesmo.


M.I. - Segundo o Roman, o novo álbum ““Den Tapte Krigen” contém uma mensagem de esperança e reconexão”. Quão importante é para ti partilhar uma mensagem como esta? Achas que o mundo está cansado de mensagens negativas, daí a necessidade de enviar mensagens positivas?

Acho que já existe bastante negativismo no mundo ao nosso redor, jornais, nos média, redes sociais, política, violência. Portanto, quando procuramos fugir de tudo isso (embora a cultura também possa ser preenchida com propaganda e coisas negativas), acho que deveria haver um lugar onde pudesses apreciar a beleza da vida, porque todos deveriam ter um significado, ver o seu valor, a sua beleza. Eu falo por mim mesmo, eu preciso disso, e muitas outras pessoas com quem conversei ficaram gratas por falar, abrir a ferida, a alma.


M.I. - “Midt I Stormen” é um hino desesperado de uma perda. Perder entes queridos é sempre um choque. Escrever letras sobre este assunto é uma forma de terapia para ti? Exorcizas os teus demónios nas tuas letras?

Este em particular é dedicado ao falecimento de um familiar há mais de uma década. Escrevi da perspetiva de outra pessoa, colocando-me no lugar dela. É uma homenagem, mas também um momento de reflexão, um lugar para perdoar (a si mesmo ou aos outros). Fala da turbulência da vida e que, às vezes, não é possível valorizar o momento, até que é tarde demais para voltar atrás no tempo. Definitivamente todas as letras são uma espécie de terapia, psicanálise se preferires, principalmente quando mergulhas em algo antigo e esquecido, podes descobrir novas perspetivas.


M.I. - Este álbum tem o conceito lírico de autoavaliação. Como decidiste dedicar um álbum a isso?

É provavelmente o tema mais relevante para mim. Mas não apenas autoavaliação, mas também reflexões sobre questões sociais. Por exemplo, “Kongen” lida com a violência animal. Pode dizer-se que é inspirado em livros como “Comer animais” e nas discussões sobre agricultura em massa, maus-tratos a animais e assim por diante, mas tem algumas outras linhas ocultas que também o ligam à violência na sociedade humana. Algumas pessoas diriam que é quase uma declaração política.


M.I. - Por que é que as faixas têm o título original em norueguês e a tradução em inglês? Por que sentiste a necessidade de fazer isso?

A tradução só é dada em press-releases ou comentários, se vires o álbum (edição digital ou física) não tem tradução em inglês ao lado dos títulos em norueguês. São uma ajuda para quem saber mais sobre as músicas. Mais tarde, adicionarei a tradução ao Bandcamp para o novo álbum também. Acho que sou bastante franco sobre os significados do novo álbum, mas ainda vejo as pessoas a terem a sua própria interpretação... o que é normal na arte, acho.


M.I. – És da Sibéria, mas as faixas estão em norueguês. Aprendeste a língua para ser mais “fiel” ao seu significado ou tens ajuda na hora de escrever as letras?

Teria sido uma pena não poder falar/escrever uma língua que realmente uso na vida quotidiana a maior parte do tempo - no trabalho, na loja, na escola, etc. Não, não é uma homenagem a qualquer coisa que não seja uma questão de identidade. Vejo os Bizarrekult como um artista norueguês, e aqui é bastante comum usar a língua norueguesa para música. Posso sempre verificar o vocabulário para ver se entendi o significado se quiser uma expressão muito específica, mas, caso contrário, não preciso de ajuda.


M.I. - Todas as vozes femininas deste álbum foram feitas pela tua esposa, que faz parte da banda. Em que momento percebeste que a voz dela era perfeita para o álbum e para os Bizarrekult? Ela também está envolvida em outros projetos musicais?

Devo-lhe muito nesta vida, também no que diz respeito às minhas conquistas e motivações. Ela fornece muitas críticas e ajuda. Quando estávamos a gravar as vozes para “For 1000 år siden” do “Vi Overlevde”, ela sugeriu que adicionássemos uma voz limpa e gostei muito da ideia. Depois disso, percebi que isso é algo que provavelmente deveríamos usar mais e comecei a escrever melodias para vozes limpas também. Caso contrário, ela é professora de música no seu trabalho diário e tem formação musical.


M.I. - Ela vê o mundo como tu o vês? Ela entende a tua visão?

Sim e não. E acho muito bom que tenhamos pontos de vista diferentes em relação à música e à vida. Afinal, se fôssemos idênticos, provavelmente estaríamos entediados um com o outro há muitos anos. Mas a chama ainda está acesa e estou muito grato por ela partilhar o seu tempo comigo.


M.I. - O álbum foi lançado há uns dias. Quais as expectativas?

Estou animado para ouvir o que as pessoas pensam. O que gostam nas novas faixas. O que não gostam (isso eu provavelmente já sei, (risos) ).


M.I. - A edição especial em vinil já está esgotada. Como é que isso te faz sentir? Assustado ou orgulhoso?

Acho que não está esgotado, é possível encomendar na loja norte americana (Season of Mist). É bom ver que as pessoas apreciam o que faço, gostam do esforço colocado na edição física do álbum, no design, letras, fontes. Isso é fixe, portanto não tenho medo nenhum. Orgulho sim, as pessoas devem orgulhar-se do que criam.


M.I. - Houve uma listening session em Oslo no dia 26 de janeiro e convidaste os fãs. O que é que eles esperavam desta sessão, além de pizzas e cervejas? Tocaste alguma música ao vivo? Por quê fazer um evento como este durante a semana?

Foi uma sessão de escuta numa pequena casa de espetáculos que também é conhecida por ser uma ótima pizzaria. Eles têm um palco no segundo andar e um café/bar no primeiro. Coloquei “Den Tapte Krigen”, estive lá a conversar com pessoas, levei algumas T-shirts comigo e dirigi um set com músicas de que gosto. Foi apenas uma pequena celebração do novo álbum. Não toquei nenhuma música, já que a minha banda ao vivo agora está espalhada por diferentes cidades da Noruega e acho que a próxima aparição em palco será em Oslo, mas apenas em abril. Foi durante a semana porque, normalmente, há concertos às sextas/sábados e também porque queria fazer isto antes do lançamento do álbum (que foi numa sexta).


M.I. - As capas dos álbuns dos Bizarrekult apresentam sempre um animal com características anormais. Em “Vi Overlevde” há uma rena (ou um animal desse tipo) com árvores por todo o dorso e chifres. Agora, em “Den Tapte Krigen”, há uma aranha com o que parecem lugares condenados nas costas. Qual é a ligação entre os animais e a mensagem? Quem é o responsável pela arte?

“Vi Overlevde” tem um alce na capa, é um símbolo de solidão, uma pessoa com fardo (daí as árvores, etc nas costas) e o animal está sobreposto sobre montanhas, mostrando os seus sentimentos, como o fardo é pesado e difícil. “Den Tapte Krigen” tem dois insetos a brigar por um motivo (ou sem motivo), também podes vê-lo como um inseto a lutar contra uma imagem espelhada de si mesmo. Na parte de trás tem castelos de sonhos desfeitos. É um pouco semelhante ao alce de “Vi Overlevde”, mas passa de algo grande e individual para algo pequeno e numeroso, gostaria de mostrar que todas as pessoas têm os seus problemas e nós somos… uma legião de almas cansadas. Os humanos estão a lutar contra si mesmos e entre si sem motivo, muitas vezes impulsionados pela sociedade, família, restrições, países, pelos média, ideias malucas... e perdemos essa batalha, os nossos sonhos são arruinados, assim como as nossas vidas. As obras de arte são do Ivan Gladkikh (artista de São Petersburgo) e refletem sobre os temas líricos dos álbuns. Há mais fotos e personagens nas edições físicas de ambos os álbuns, todas ligadas às letras.


M.I. - Como descreves o estilo dos Bizarrekult? Uns consideram-vos Black Metal norueguês e outros Black Metal siberiano. Qual achas que vos descreve melhor?

Hmmm, o que é black metal siberiano? Podemos dizer que a música é baseada no black metal norueguês mas com extensão para outros géneros como post-rock, post-metal, doom metal, por isso é uma mistura que muitos chamam de black metal “progressivo” ou post metal. Temos uma base sólida em riffs mas também belas harmonias, melodias, equilíbrio entre diversos elementos para que não fique chato. Em “Vi Overlevde” até fiz uma parte de jazz em “I Trygge Hender”. Eu gosto de usar acordes de sétima.


M.I. - Alguns dizem que o som dos Bizarrekult é para fãs de Regarde Les Hommes Tomber, Der Weg Einer Freiheit, Ellende. Concordas?

Sim, porque essas bandas também tocam pós-black metal, mas somos todos muito diferentes. Isso também ficou claro quando estávamos em tournée com os RLHT e os DWEF no outono passado. Temos algo em comum, mas somos claramente diferentes, sendo os Bizarrekult um lado groovy/contundente, mais próximo do “clássico” black metal norueguês da 2ª onda.


M.I. - O que é que 2023 reserva para os Bizarrekult? Uma tour? O que é que os fãs podem esperar da banda?

Nós vamos tocar em alguns festivais e esperamos fazer uma tournée no outono. A gravação do terceiro álbum também está em andamento, e estou animado para ver como vai ficar no final.


M.I. - Tudo de bom para ti e para a banda. Gostarias de partilhar uma mensagem com os leitores da Metal Imperium?

Obrigado pelas perguntas e aos leitores por ler e ouvir a banda. Espero conhecer-vos num concerto ou online. Espalhem a palavra, deixem os organizadores saberem que gostariam de nos ver na vossa cidade!

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Entrevista por Sónia Fonseca