30 anos é sempre uma marca repleta de significado e simbolismo, não são todas as bandas que se podem dar ao luxo de dizer que a atingem, muito menos uma banda portuguesa. No entanto, os mestres do Old School Death Metal nacional conseguiram com o seu álbum de estreia ‘Darkside’, lançado em 1993. Para ajudar nesta comemoração estariam as bandas Hórus e Inner Blast.
Começou às 21 horas em ponto com os Hórus. Focaram a sua
atuação no álbum de estreia de 2022, ‘Broken Bounds’, onde tocaram quase todos os
temas do álbum como “Okami Kari”, “Rebel Awekening”, “Haunted by Faith”, “Broken
Mirror”, “The Path” e “Sold the Truth”. Destaque para o tema “Throwdown”, que foi
tocado pela segunda vez ao vivo e que fará parte de um projeto futuro da
banda, e neste tema notou-se algum amadurecimento e refinamento do som da banda.
Excelente dinâmica em palco e sinergia entre os cinco membros. As guitarras duplas
do Tiago Espadinha e do Diogo Ferreira criaram o ambiente perfeito com riffs
estonteantes, evidenciando serem músicos tecnicamente muito bem preparados, a
bateria sempre a liderar do Duarte Cera que nos mantém sempre no ritmo, um
groove bombástico pelo baixo do Luís Silva que nos faz querer aprender a tocar
o instrumento, e a voz do Martim Pinto que é uma evocação a Randy Blythe,
executada na perfeição. A banda tem uma sonoridade que mistura Thrash e Hardcore,
Metalcore e Deathcore, um pouco de Black e Death, contudo sempre com a espinha
dorsal no Groove, e a mistura é feita de forma tão orgânica que nada soa a
forçado, mas sim natural. São os Lamb of God da ocidental praia lusitana, mas com um identidade muito própria. Mais uma banda que surgiu durante a pandemia, com um Groove
Metal moderno para ficarmos atentos nos próximos tempos.
Às 21:58 horas, os Inner Blast fizeram um balanço perfeito
entre os dois álbuns, tocando 4 temas do ‘Prophecy’ de 2016, e 4 temas do ‘Figment
of the Imagination’ de 2019. Destacando-se: “Darkest Hour” onde a melodia
criada pela guitarra de Aquiles Dias e o baixo de Luís Silva fundiu-se num groove
perfeito bem ritmado; “When You Lost Me” onde temos uma bateria impecável que
nos conduz por aquele que é o tema mais bem composto e mais cuidado na sua
criação (dos que foram tocados), e onde a vocalista Liliana Silva apresentou um
vozeirão que meteu inveja a muitos, com um range que vai do gutural típico do
death e visto no gótico até ao angelical e melódico escutado no sinfónico, e
realizou essas transições com uma facilidade fenomenal. A banda caí no estilo
do Metal Gótico, no entanto é conspícuo a influência do NWOBHM do metal mais
clássico tanto no baixo como na guitarra, assim como do Thrash Metal, e na voz
da Liliana verifica-se uma influência das bandas mais sinfónicas da música
pesada. As suas músicas são carregadas de crítica social, e demonstram deter uma
consciência e preocupação para diversas vertentes. Aquiles e Luís conseguem
produzir uma mistura dos dois instrumentos que não nos faz pensar numa segunda
guitarra, pois a fórmula como está é perfeita, tem groove, tem ritmo, tem melodia.
E não tem preço ver a cara de felicidade do baterista Nuno Sabu, enquanto martela
a bateria de forma exímia para navegar toda a banda pelos ritmos diversos da
sonoridade rica deste quarteto fantástico. Bastante comunicativos e animados
criaram um ambiente perfeito na sala de Alvalade e deram o mote necessário para
a celebração que se avizinhava.
23:20horas e chegava o momento pelo qual todos ansiavam. Entrou
a intro e o fumo no palco de forma a criar a atmosfera que a festa merecia, e
os membros entraram com um sorriso evidente nas suas faces. José Costa (ou Zé)
gritou ‘Darkside!’ e assim o primeiro tema começou, e que forma de iniciar os
30 anos do álbum ‘Darkside’ com o tema homónimo. O riff icónico da canção pelas
guitarras de Tó Pica e Luís Coelho, acompanhado por blast beats infernais pelo kit
de Ricardo Oliveira (que lembraram todos os presentes que deveriam ter trazido
proteções para a cervical), e a sala da Rua João Saraiva transformou-se num bar
underground de Tampa, Flórida – respirava-se Old School Death Metal. O público
ainda se encontrava anestesiado, mas o Zé como excelente frontman, ao dispor o
seu baixo epiphone na vertical como já é habitual, gritou e puxou pela plateia.
O segundo tema foi tocado de seguida “Ode to My Crucifying Lord” e acabaram-se
as ininibições pois o crowd surfing iniciava. No final Zé gritou emocionado ‘Obrigado
RCA, Darkside 30 anos C#$%&+o! 30 anos e ainda cá estamos!’
Ainda no álbum da celebração tocaram “Suffocate in Torment”
e “Gravestone Without Name”. Destaque: na primeira com 2 solos em simultâneo na
Schecter do Tó e na Les Paul do Luís; na segunda um circle pit que se
incorporava na perfeição com aquilo que o riff pedia, muita energia e muita
emoção por toda a parte.
Em seguida, tocaram duas faixas mais recentes: 'Born Suffer Die', do EP homónimo de 2020, e 'Storms over the Dying World', do álbum de mesmo nome lançado em 2022. Tó Pica já nos acostumou a mostrar as suas habilidades virtuosas no instrumento
de 6 cordas. Colocou a emoção que lhe passava pela mente e corpo, canalizando-a
para os dedos e palheta, e da guitarra ouviu-se algo melódico e épico. Um som
que não é deste mundo, que nos fez arrepiar num misto de emoções; Tó pôs a
guitarra a chorar e a todos no RCA a sorrir descontroladamente. Solo esse que
se ligou na perfeição à intro melódica do tema mais recente. Destaque para o
solo incrível de Luís onde mostrou um enorme conhecimento do instrumento com um
tapping invejável.
Momento para o primeiro convidado da noite, Rui Dias, que
foi um dos guitarristas da banda nos primórdios. Tocou 3 temas “A Monestary in
Darkness”, “The Shades Behind” e “In the Veins of The Rotting Flesh”, todos do ‘Darkside’.
Enfatizou-se a sentimento de cumplicidade que ainda existe entre a banda e o Rui,
em particular quando ficou frente a frente com Tó Pica e juntos lançam-se num duplo
tapping na Schecter do Tó e na Jackson do Rui. Muita energia que se foi revelando
através de circle pits incessantes da parte dos metaleiros presentes.
Chegou o segundo convidado o Luís Simões que passou pelos
Blasted Mechanism e Shrine, e que realizou as gravações de guitarra no álbum de
2017 ‘Grotesque Destructo Art’ dos Sacred Sin. Tocou 4 temas “Masonry” uma
cover dos Shrine, “Deliverance” e “The Chapel of the Lost Souls” do álbum ‘Darkside’
e ainda “Vipers (Rise from the Undergound)” do álbum que colaborou com a banda.
Destacou-se a enorme sinergia entre todos os artistas em particular quando os 3
guitarristas se dispuseram lado a lado e brindaram a sala com um enorme peso
musical e que inundaram o público com emoções que se transformaram em circle pit
e crowd surfing.
O terceiro convidado foi o Nuno Loureiro que passou por bandas como Exiled, Painstruck e BHC. Entrou a meio da “Life – A Process Reveled” do ‘Darkside’ e permaneceu para um tema surpresa. A surpresa foi a celebração de um dos clássicos do Death Metal, nada mais nada menos do que uma cover da mítica banda Death com o tema “Pull the Plug”. Momento alto no RCA e na festa que já ia bem no auge. Toda a sala em uníssono cantou o refrão “Pull the Plug, Let me Pass Away, Pull the Plug, Don’t Want to Live this Way” libertando todas as tensões que ainda não tido expurgadas, num misto de felicidade e nostalgia.
Para ajudar a banda a tocar “Ghoul Plagued Darkness” do álbum ‘Anguish… I Harvest’ foi tempo da quarta convidada a Beatriz Mariano dos Okkultist. O tema foi cantado com uma energia incrível e viu-se a cara de felicidade da Beatriz em estar no palco com os Sacred Sin. No final o Zé aproveitou para dizer que já existe toda uma geração de novas bandas de metal, com enorme talento e potencial, das quais a Beatriz faz parte. Pediu ajuda ao quinto convidado Diogo Garcia dos Alpha Warhead, para o “False Deceiver”, que mostrou um enorme orgulho em partilhar o palco com a banda.
O convidado seguinte foi o Rafael Maia que passou pelos V12,
para 2 temas. Primeiro um tema dos V12 “Comandos”, e de seguida um clássico do
Metal, “Breaking the Law” dos Judas Priest – onde toda a sala se encheu de
nostalgia. O último convidado foi o Ricardo Mendonça dos RAMP para tocar mais
um clássico, neste caso “Ace of Spades” dos Motorhead, e como ninguém se queria
chegar à frente para cantar, surgiu um voluntário do público para encarnar no
melhor possível Lemmy Kilmister. Muita emoção, e todos na sala acabaram por cantar
a música, pois afinal todos sabem a letra deste mítico tema.
A recta final surgiu demasiado rápido, desta feita já sem
convidados. A fórmula usual
foi repetida “Pesish in Cold Ambers”, “EyeMGod” e “Seal of Nine”. Só que
para fechar a festa do álbum de estreia a banda repetiu a primeira canção da
noite, fechando desse jeito o ciclo. E esta última foi tocada ainda com maior
vigor e felicidade, e o público percebeu que esta era a última oportunidade e
deliciou-se num mega circle pit. “Foi memorável, muito obrigado a todos!” disse
o Zé no final. Mas o momento mais nostálgico veio da parte do Ricardo Oliveira que
contou que começou a tocar bateria no ano a seguir à estreia do ‘Darkside’, e
que 29 anos depois estava ali no RCA a tocar ao lado dos Sacred Sin, a celebrar
o trigésimo aniversário do álbum. Duas horas de atuação que encapsularam na
perfeição a essência do metal, e que solenizaram aquilo que é um estilo musical
bastante vivo.
Sacred Sin são sinónimo de Death Metal em Portugal, a sua
influência faz-se sentir nas inúmeras bandas que surgiram nos últimos anos.
Existe um carinho e um enorme respeito, totalmente merecido, pela banda. Esta
celebração é importante para a banda, pois o mérito do feito é inteiramente
deles, mas acima de tudo a sua importância reside no facto de servir como um
exemplo que em Portugal é possível singrar na música e deixar a sua marca pelo
espaço musical da música pesada. Serve como motivação para os inúmeros talentosos
músicos que existem pelo nosso país se sintam capazes de o fazer. Não é fácil,
e nem todos o conseguirão, porém, esta celebração manterá a chama acesa.
Texto por Marco Santos Candeias
Fotografia por Joana Alexandra
Agradecimentos: Sacred Sin