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Entrevista aos Anaal Nathrakh


“Passion” é o mais recente álbum dos Anaal Nathrakh que vêm, deste modo, provar que o metal britânico está bem vivo e que ainda existem bandas pouco convencionais às quais vale a pena prestar atenção. A Metal Imperium teve o prazer de conversar com o David Hunt que revelou alguns pormenores bastante curiosos e bizarros. Vale a pena ler!

M.I. - Antes de mais quero felicitar-vos pelo novo álbum... estou completamente viciada! Adoro todos os temas mas “Volenti Non Fit Unjuria” e “Tod Huetet Uebel” são brutais.

Obrigado, fico contente por gostares!


M.I. - Os Anaal Nathrakh sempre tiveram títulos de álbuns bastante longos e complexos. Porque é que decidiram mudar no novo álbum? Acreditais que isso possa levar os fãs a pensar que o vosso estilo também mudou?

Eu diria que sempre tivemos uma mistura. O último álbum e EP tinham títulos grandes mas Eschaton é simples. Lá porque “Passion” é um título curto não significa que não seja rico em significado. A palavra paixão vem da palavra grega “sofrer” e é neste sentido da palavra que nós nos focámos. Não a usamos como uma referência religiosa, mas a paixão de Jesus é mais a ideia por trás dela. Hoje em dia, a palavra paixão é usada em exagero e portanto perde força – eu não acredito que haja muito pessoal realmente apaixonado por gelados, sapatos, “O Sexo e a Cidade”, e não acredito que comprar flores para alguém represente paixão. É um conceito muito mais rico e profundo e nem sempre é agradável, mas tem sempre impacto. Experimentar paixão é viver mais intensamente, mesmo que por um momento, e é algo inesquecível.


M.I. – Uma vez disseste que registavas as ideias num bloco de notas e que depois escolhias as melhores e mais intensas quando precisasses... por isso, o que te inspira? Acontecimentos diários? Livros? Filmes? Notícias? De onde surgiu a inspiração para “Passion”?

Tudo, mesmo tudo! Geralmente é uma frase ou uma ideia que me fascina, ou eu cruzo-me com algo que origina um pensamento que pode nem estar directamente relacionado com o que vi. Pode ser algo que surge na minha cabeça a propósito de nada. Por isso, sim, livros, as notícias, artigos de jornal, coisas que eu vejo, qualquer coisa. Por exemplo “Drug Fuck Abomination” foi inspirado num artigo de jornal sobre horror conceptual e pensamentos que eu tive sobre acontecimentos na minha vida naquela altura. Volenti... nasceu de um pensamento que me surgiu originado por um logo de um movimento S&M, misturado com os meus pensamentos sobre dialécticos Hegelianos após ter lido um livro de Slavoj Zizek. Tod Huetet Uebel desenvolveu-se a partir de cenas que eu pensava após ter lido um trabalho sobre múltipla personalidade, e depois eu e o Rainer falámos sobre as ideias que eu tinha e escrevemos as letras. Isto até pode soar extremamente académico mas realmente não é, é só sobre cenas que eu andava a pensar na altura. Eu passo grande parte do tempo a pensar sobre cenas desagradáveis ou a ler sobre situações ou acontecimentos negativos. Lembro-me de uma entrevista com um jornalista holandês em que eu tentava explicar porque é que estar sentado num banco ao lado de um parque é um acto de brutalidade desumana. Talvez eu exagere, por vezes!


M.I. – Os títulos das músicas são bastante intensos e pode-se detectar neles um toque de insanidade. Qual é a ideia geral por trás das letras?

A ideia principal é a do horror e o facto de o horror se definir, ao contrário do terror ou do medo, pelo conhecimento da vítima e por mudar a sua identidade. O verdadeiro horror não surge num ataque físico momentâneo, ele opera a nível do ser o que ainda é pior se a vítima for inocente. Por isso é que O Exorcista é um verdadeiro filme de horror ao contrário de tantos outros filmes que são apenas meramente assustadores. O filme House Of 1000 Corpses pode ser entretenimento horrível, mas não é horrífico no sentido que eu falo. No Exorcista, a criança é invadida não só fisicamente mas por uma identidade horrível. Eu não sei se isto faz muito sentido, por ser uma descrição muito sucinta, mas muito do que está no álbum tem a ver com a compreensão do horror. Durante a criação do álbum eu consegui uma cópia de “Saturno devorando seu filho” de Goya e compreendi que este sentido de horror insano faz parte de mim. Talvez não seja algo muito saudável em que me deva concentrar mas eu tinha de o reconhecer e admitir. É isso que surge nos Anaal Nathrakh, talvez mais especificamente neste álbum do que em outros. Por isso, talvez haja mesmo um toque de insanidade!


M.I. – Vocês nunca publicam as letras, porquê? Não consideras que seria mais fácil para o pessoal compreender a vossa mensagem, especialmente aqueles que não dominam tão bem o Inglês?

Na realidade, nós não estamos a tentar passar mensagem nenhuma. O motivo não é comunicar, é expressar. O importante para nós é a atmosfera. Eu sei que, muitas vezes, quando as bandas usam a palavra atmosfera estão a referir-se a teclados e cenas góticas, mas eu refiro-me a algo mais geral. Nós consideramo-nos bem sucedidos, se os fãs forem capazes de ouvir a música e sentir a insanidade, desespero e arrogância, assim como todas as outras coisas que lá estão. Eu acho sempre que é melhor deixar essa sensação do que ser mais especifico. É mais pessoal quando se ouve assim, porque faz-nos imaginar. É quase como quando ouves um DJ a falar na rádio obténs uma “imagem” mais satisfatória sobre ele do que quando o vês na TV. Eu interesso-me muito por letras e há muitas que eu adoro mas, muitas vezes, eu nem quero saber as letras e é assim que eu vejo os Anaal Nathrakh. A música, o som e os bocados de letras que podes ouvir e compreender têm todo o efeito em ti. Claro que há imensas referências que são audíveis se o pessoal prestar atenção. Para mim, ouvir Anaal Nathrakh é como olhar para um quadro, e ter as letras disponíveis seria quase como explicar como se mistura a tinta. É intensamente importante para um artista que o efeito geral da pintura seja o fundamental.


M.I. – Neste álbum tendes três títulos em que usastes Latim (Volenti Non Fit Unjuria), Francês (Le Diabolique Est L’Ami du Simplement Mal) e Alemão (Tod Huetet Uebel)... porquê? Apesar destes títulos, as canções são cantadas em inglês, então porque escolheram escrever títulos assim, para ser mais “interessante”?

As músicas não são inteiramente cantadas em inglês, mas fazemos assim por duas razões. Primeiro porque acho que línguas diferentes têm diferentes atmosferas. Se usares Latim há um sentido solene imediato, talvez por razões históricas. O Francês é uma frase bastante conhecida do Voltaire mas eu mudei-o um pouco, e se alguém descobrir o original então terá uma ideia mais precisa sobre o tema abordado na música. Por isso, realmente é mais interessante do que usar directamente títulos em Inglês, mas não é uma tentativa para ser mais interessante – o uso das aspas implica que é uma atitude arrogante, algo que nós não somos. Os nomes precisam de ser algo mais do que uma etiqueta para as músicas e não tens de lhes prestar atenção se não quiseres. Quanto a Tod Huetet Uebel foi o Rainer que o sugeriu. Dei-lhe informação sobre as ideias que estavam por trás da música e algumas letras em Inglês. Ele juntou as ideias e juntou letras em alemão, porque ele é alemão. Quando me forneceu o título, eu gostei, por isso ficou.


M.I. – Os membros de Anaal Nathrakh vivem em diferentes continentes. Como é que ensaiam e discutem/partilham ideias? Não torna o processo de escrita e gravação do álbum mais complicado? Como correu com “Passion”?

Nem por isso, porque temos regras muito precisas e a colaboração não é assim tão importante no nosso método de trabalho. O Mick escreve e grava montes de músicas e eu canto, o que significa que só precisamos de estar fisicamente juntos na gravação de vozes. A internet faz com que os milhares de quilómetros que nos separam não sejam nada. Podemos discutir ideias quando queremos, podemos enviar sons, imagens em tempo real. E o máximo que fazemos quanto ao trabalho do outro é dar sugestões. Para uma banda tradicional que se junta para fazer jamming e escrever temas, seria um grande problema, mas para nós não é problema nenhum. Para tocar ao vivo, eu ensaio com o resto da banda e quando o Mick chega ensaiamos mais umas vezes e estamos prontos. Pode parecer esquisito mas funciona bem.


M.I. - Apesar do título do álbum ser “Passion”, a capa é bastante impressionante. Sabendo que foi o Mick que a concebeu, sabes como é que surgiram as ideias? Foi algo que discutistes?

Sim, conversámos sobre isso e discutimos inúmeras ideias. A imagem escolhida foi inspirada na nossa visita ao Museu da Tortura em Praga, quando actuámos lá no ano passado. Havia uma serra na parede, juntamente com uma gravura da serra a ser usada em que se via uma vitima suspensa pelos pés e duas pessoas a cortar-lhe os pés ao meio como se vê na capa. O Mick produziu a sua versão dessa imagem, emendámos pequenos pormenores e a capa ficou pronta. O estranho é que eu consigo descrevê-la de modo mais detalhado do que ele, ele interessa-se muito por técnicas e estilos artísticos mas quanto a conteúdos ele faz mais por instinto. Não significa que ele não presta atenção ao conteúdo do seu trabalho mas esta imagem é muito kafkiana – a ideia da tortura por agentes não identificados, sendo o incompreendido sofrimento da vitima a única realidade. Mas tanto quanto sei o Mick nunca leu Kafka. Mas, independentemente do modo como olhas para a capa, a imagem é uma boa representação dos diferentes estados mentais de Anaal Natrakh e é uma imagem impressionante. Considero-a uma excelente capa, talvez a melhor que já usámos.


M.I. – Até então, todas as críticas de “Passion” têm sido espantosas. Prestais atenção às criticas e críticos? O que pensas sobre o sucesso e a devoção dos fãs?

O cliché é que não devemos ler criticas mas nós lemos. Não é que andemos atrás de boas criticas mas, quando trabalhamos tão arduamente em algo e as pessoas falam sobre isso, é natural estarmos curiosos por saber o que dizem. Mas não é algo a que dediquemos muito tempo – estamos muito mais interessados em fazer e tocar música e acreditamos que, no final de contas, somos nós que temos de estar satisfeitos, por isso escrevemos inteiramente para nós. Mas se fazes isso e crias boa música, os fãs vão-se identificar com ela. Portanto queremos que as pessoas reajam positivamente ao que fazemos. É gratificante quando alguém aprecia algo criado por ti, mas não escrevemos por esse motivo. A grande maioria dos críticos e fãs têm sido muito positivos quanto a “Passion” e sentimo-nos gratos por isso, apesar de não ser esse o nosso objectivo principal.


M.I. – Dirias que este é o melhor álbum de Anaal Nathrakh?

É o melhor álbum de Anaal Nathrakh porque é o último. Se não consideras o teu trabalho mais recente o melhor que fizeste, é porque não o acabaste. Mas não estamos preocupados em superá-lo de uma próxima vez. Quando trabalhamos só estamos concentrados no que estamos a fazer e ignoramos tudo o resto. Por isso, quando terminarmos o próximo álbum, ele será o melhor para nós nessa altura. Tendo dito isto, eu considero que “Passion” é um sucessor forte do álbum anterior que é muito forte também. Acho que só é possível responder a esta questão daqui a alguns anos quando olharmos para trás.


M.I. – Como te sentiste quando os Anaal Nathrakh agendaram o primeiro concerto? Tendes concertos ou tournées agendadas para “Passion”?

Foi muito excitante quando demos o nosso primeiro concerto, porque não tínhamos nenhuma ideia do que esperar mas acreditávamos que seria um grande concerto e também porque metade dos membros de Napalm Death tiveram de se juntar a nós para completarmos o line-up, o que foi uma grande honra. Claro que foi o caos total. Perto de 700 pessoas enchiam um clube com capacidade para 500, os Strapping Young Lad vieram ver-nos depois do concerto com os Arch Enemy, foi o fascínio de nos perdermos na música que fazíamos há muito tempo. Acima de tudo, os fãs estavam ansiosos por aquela noite. Foi uma experiência excelente mas também violentamente desagradável. Fizemos uma pequena tournée pelo Reino Unido e Europa e tocámos num festival na América aquando do lançamento do álbum. Temos mais concertos agendados para o final do ano e festivais no próximo ano. Não nos tornamos nos Motorhead assim de repente mas estamos mais activos do que nunca. Já temos planos para um novo álbum, portanto o próximo ano será interessante. Esperamos tocar em novos locais em breve. Eu estive cerca de 18 meses na América do Sul com os Benediction e foi espectacular. Seria fantástico levar os Anaal Nathrakh a lugares desses!


M.I. – Os Anaal Nathrakh afirmaram que nunca comprometeriam a sua integridade. Ainda pensas assim?

Nunca escrevemos uma nota ou palavra que não fosse exactamente o que queríamos fazer, apesar do que todos os outros pensavam. Portanto acho que ainda pensamos assim.


M.I. – Mensagem para os leitores...

Obrigado pelo apoio. É um velho cliché mas é verdade que não conseguiríamos continuar a fazer o que fazemos sem o apoio dos fãs e apreciamos isso.




Entrevista por Sónia Fonseca