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Reportagem: Saint Vitus e Orange Goblin @ RCA Club, Lisboa - 13-10-2014



Os dias em que vivemos poderão ter muitos problemas, serem tempos de coisas descartáveis, em que a imagem muitas vezes se sobrepõe à distância, em que o que foi feito ontem já não interessa hoje. No entanto, existem excepções em algumas facções da cultura humana, muitas delas no nosso amado som. A noite de segunda-feira serviu para convencer quem ainda tinha dúvidas deste facto. E como tal, o R.C.A. deu as boas vindas à terceira vez que a banda norte-americana esteve no nosso país, como um entusiasta fã na plateia corrigiu Ben Ward, quando este se dirigiu ao público dizendo que era a primeira vez que estavam no nosso país. A memória do vocalista logo recuperou, corrigindo que era a primeira vez que estavam em Lisboa, já que da última vez estiveram em Cascais, mas ambos esqueceram a passagem pelo Milhões em Festa no ano passado - provavelmente pela dificuldade dos norte-americanos saberem onde acaba Espanha e onde começa exatamente Portugal e neste caso, em qual dos dois fica Barcelos.


A banda foi inundada de aplausos assim que entrou em palco e não perdeu muito tempo, dando início a uma actuação cheia de feeling e a beirar a perfeição. Com uma carreira já quase com vinte anos e oito álbuns de originais, a banda apoiou a sua actuação no recente “Back From The Abyss”, dedicando-lhe o espaço de cinco músicas, enquanto o resto do alinhamento focou apenas mais quatro álbuns, deixando de fora trabalhos como “Frequencies From Planet Ten”, “Time Travelling Blues e “Coup De Grace”. Não se pode dizer que tenham existido diferenças na recepção dos temas entre os novos e os já estabelecidos, o que também evidencia a qualidade do trabalho “Back From The Abyss”. O som esteve poderoso e perceptível e a banda perfeita na sua interacção com o público, recebendo toda a energia que vinha da plateia e devolvendo-a em forma sonora, tendo como resultado quase uma hora de heavy metal ou heavy doom ou stoner metal, o que lhe queiram chamar. O público presente gostou e está pronto para uma terceira vinda.


Com um aquecimento de luxo, estava na hora dar as boas vindas aos Saint Vitus, banda clássica do doom tradicional que depois de terem cessado funções nos anos noventa, tornaram-se numa banda de culto e que os levaram a voltar à actividade já neste milénio, lançando à dois anos o álbum “Lillie:F-65” que teve direito a ser representado aqui por duas vezes com dois dos seus melhores temas, “Blessed Night” e “Let Them Fall”. Da sua discografia, só mesmo os álbuns “C.O.D.” e “Die Healing” ficaram de fora, trabalhos algo menosprezados na sua discografia e que recentemente tivemos oportunidade de revisitar nestas nossas vossas páginas.


A primeira coisa que tem que ser dita, não sendo um ponto totalmente positivo, é em relação ao som. A bateria estava com um som estupidamente alto, abafando quase por completo o som da guitarra, principalmente no momento dos solos. Apenas o baixo sobrevivia, já que os pratos da bateria ocupavam o espectro dos agudos enquanto o baixo encarregou-se dos graves, ficando a guitarra com o único espaço disponível.  De qualquer forma, esse pormenor não conseguiu apagar a forma como a banda vibrou e fez vibrar o público do R.C.A., principalmente tocando na íntegra, o álbum “Born Too Late” de trás para a frente (a ordem das músicas, isto é) que foi recebido de forma entusiasta. Aliás, toda a prestação da clássica banda americana foi recebida de forma entusiasta, mesmo tratando-se de música que não é propriamente agitada, nem imediata, não impedindo isso que quase toda a multidão abanasse a cabeça de forma hipnótica, uma visão admirável de se ter.


Os tempos que vivemos são realmente diferentes, não tão românticos como aqueles em que as grandes obras, os grandes discos, foram imaginados e produzidos, no entanto, são os tempos actuais que nos permitem reconhecer e conseguir recuperar o que não é de agora, que permitem que existam tours como a desta dos Saint Vitus que além de comemorar os trinta e cinco anos da sua carreira, celebram um estilo de música que não é possível ouvir nas rádios e que o mundo insiste em não reconhecer. Como a música “Born Too Late” canta “I know I don't belong /  And there's nothing I can do / I was born too late / And I'll never be like you” e é exactamente esse o sentimento que o público e a banda sentiu em uníssono. Nascemos todos tarde demais, mas no tempo certo para assistir a momentos como o que foi vivido na noite de segunda-feira.


Texto por Fernando Ferreira
Fotografias por Ana Carvalho
Agradecimentos: Prime Artists