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Entrevista aos Chelsea Wolfe


Cinco anos bastaram para Chelsea Wolfe passar de uma completa desconhecida a uma das mais relevantes cantoras da nossa época. Com cinco álbuns lançados nesse espaço de tempo, um dos traços mais marcantes da sua discografia é a impossibilidade de a confinar a um só género, passando pelo folk, o synthpop, ou até as influências de black metal que marcam as suas faixas mais sombrias. "Abyss", álbum lançado este mês, mostra uma Chelsea seduzida pela distorção e lentidão do doom, mas sem se afastar da sensibilidade que lhe é característica. Falámos com ela a propósito do seu mais recente lançamento.

M.I. - Desculpa começar logo pela questão mais pesada, mas um tema recorrente nas tuas letras é uma espécie de desapontamento ao não conseguir amar, ou até mesmo viver, de forma intensa. Ainda assim, não assumes uma postura niilista. Consideras-te uma optimista?

Diria que sou uma idealista. A minha música está alicerçada no lado negro da realidade, mas tento sempre injectar alguma esperança ou luz nela. Às vezes dou a uma história sombria um novo final, um final feliz. É o meu modo de confrontar estas coisas, mas também de lhes escapar. Posso ser uma pessoa bastante hedonista, mas contenho-me e afasto-me das coisas que sei que me destruiriam, porque quero continuar a trabalhar.

M.I. - Essa perspetiva é responsável pelo teu interesse em momentos de "suspensão da consciência"? A morte, a apatia e o torpor são tópicos comuns ao longo da tua discografia.

Claro que sim. Gostava que o sono fosse um descanso das ansiedades do quotidiano, mas por norma não é assim para mim. As raras ocasiões nas quais tenho um sonho agradável ou uma boa noite de sono são eufóricas.


M.I. - Nas semanas que conduziram ao lançamento de "Abyss" mencionaste que a forma como vivencias o sono foi uma grande influência no álbum. Falas num sentido geral ou tens sonhos ou pesadelos que te levam a escrever músicas?

Não é verdadeiramente um impacto directo - não anoto os meus sonhos nem os tento interpretar. Mas ter tantos problemas com o meu sono, e durante tanto tempo... os efeitos acabam por se reflectir na minha vida e na minha obra. Estive sempre numa luta com o reino dos sonhos. Em certos momentos da vida tive até dificuldade em distinguir entre os sonhos e o real.


M.I. - A escrita do álbum teve algum efeito nesse aspecto da tua vida?

Bem, para escrever o álbum decidi sair de Los Angeles e ir para um local sossegado nas montanhas. Tenho mais espaço aqui e estou rodeada de árvores e colinas verdes por isso é inspirador e pacífico, o que me faz dormir muito melhor. A zona de LA onde eu vivia era barulhenta, movimentada e frenética. Os meus problemas com o sono eram infernais aí mas, quando me afastei, melhoraram um pouco.


M.I. - Um desses problemas, pelo que já disseste no passado, é a paralisia do sono. Era algo que te fazia entrar em pânico ou conseguias perceber o que se estava a passar? Algumas pessoas dizem que quando acordam e não se conseguem mover, sentem estar a ser observadas.

Na forma como eu a experiencio, a paralisia do sono faz-me acordar, o meu corpo acorda e os meus olhos estão abertos, mas as figuras dos meus sonhos continuam no meu quarto, sob a forma de sombras que habitualmente se movem em direcção a mim. É assustador, mas agora costumo conseguir sair desse estado bastante depressa.

M.I. - No "Pain Is Beauty" estava patente o desejo de incluíres mais elementos electrónicos na tua música. Ao nível sonoro, havia algum objectivo em "Abyss"?

Temos feito imensas tours nos últimos anos, com imensas bandas óptimas. Quis incluir algumas músicas pesadas neste álbum que resultassem bem ao vivo. Muitas guitarras. Quis também que estivesse presente uma certa crueza nas dinâmicas dos agudos e graves, altos e baixos, aproximações e afastamentos da consciência. Desejei mais momentos de vulnerabilidade do que de perfeição.


M.I. - Depois de esboçares uma música, custa-te envolver outras pessoas, sejam os membros da tua banda ou um produtor?

Quando comecei, era-me praticamente impossível tocar uma música em frente a outra pessoa, ou escrever com alguém. Tornar-me apta a fazer isso foi uma longa experiência de aprendizagem, com o apoio de excelentes pessoas que serviram enquanto mentores. O meu amigo Ruben Reveles teve um enorme impacto em mim. Ele viaja imenso e um dia convidou-me a ir com ele a uma cidade fantasma chamada Locke e disse-me para levar a minha guitarra. Passeámos um bocado e fomos parar a uma planície vasta, ao lado de um pomar. Ele tinha um gravador de quatro pistas e encorajou-me a tocar. Foi lá que escrevi a "Flatlands". Depois disso escrevemos algumas músicas juntos e ele ajudou-me a desenvolver a "Widow" para o "The Grime and the Glow". Também aprendi muito quando comecei a tocar numa banda, antes de continuar a trabalhar no material a solo, e eventualmente comecei a tocá-lo com outras pessoas. Quando o Ben Chisholm se juntou à banda, descobrimos que éramos capazes de escrever muito bem juntos e com o tempo ele tornou-se uma parte enorme de escrever e produzir este projecto.


M.I. - Começaste a escrever letras quando eras criança e desde então nunca paraste. Sentes que aquelas que escreves em casa e em tour são muito diferentes?

Estou sempre a escrever coisas aqui e ali, e também escrevo muitos esboços de letras quando estou em tour. Quando estou em casa, junto-as a novas ideias e começam a ganhar uma forma definida. Uma música como a "After the Fall" combina o sentimento de estar presa dentro de um sonho com o de estar presa dentro de um avião, regressando aos Estados Unidos após uma tour europeia, com o sol a acompanhar o avião ao longo de toda a viagem. 


M.I. - A determinação em não ficares presa a um só género e variares bastante de música para música pode ser encarada como uma afirmação de confiança. Sentes-te mais livre enquanto artista do que eras no passado? Algumas das tuas músicas mais antigas eram bastante pessoais e, tendo em conta que não gostavas de tocar em frente a outras pessoas, devia ser difícil nessa altura subires a um palco.

Sinto-me mais livre, realmente, porque quando estava a escrever o "Pain Is Beauty" fiz a escolha consciente de não impor restrições a este projeto e comecei a experimentar com mais eletrónica e mais sons. Enquanto banda, divertimo-nos a tocar as músicas, e pareceu-nos que as pessoas aceitaram as alternâncias entre a música mais folk e acústica e os sons mais pesados, por isso tenho a sorte de ter tido esse apoio. Inicialmente, a minha música era muito pessoal - demasiado pessoal - e por isso comecei a escrever sobre outros temas. O "Abyss" é um álbum muito interno e, sob essa perspectiva, é mais íntimo do que os outros, mas ainda assim canto sobre as histórias de outras pessoas. Os momentos mais pessoais estão escondidos em meia dúzia de linhas ao longo do álbum. Um verso como “I go to him in paths of dreams” é sobre pensar em alguém quando estás a adormecer, na esperança de sonhares com essa pessoa. 


M.I. - Fazeres o "Lone" [filme de Mark Pellington lançado em 2014] teve algum impacto na tua música? A estética pode ser descrita como surrealista e onírica e, nesse aspecto, parece semelhante ao "Abyss".

Aprendi muito ao fazer esse filme, e é possível que explorar tanto os sonhos e as memórias tenha inspirado um pouco do "Abyss", mas são diferentes sentimentos, abordagens completamente diferentes.


M.I. - Outra arte que parece ter afectado a tua carreira é a fotografia. Tens feito sessões fotográficas bastante glamorosas, o que parece incomum para alguém com dificuldade em expor-se.

Comecei a fazer sessões fotográficas com amigos, só por diversão, e às vezes ainda as faço assim, mas outras vezes levo-as mais a sério e tento criar personagens ou algum tipo de extensão da minha música através de imagens ou da moda. E identifico-me muito com alguns designers de moda, e gosto de sentir que certas roupas são como uma armadura que ajuda a enfrentar o mundo.


Entrevista realizada por Daniel Sampaio