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Entrevista aos Enslaved


A Metal Imperium teve a oportunidade de entrevistar Ivar Bjornson, o mentor de Enslaved, que nos falou acerca do novo álbum da banda.

M.I. - Formaste os Enslaved quando tinhas apenas 13 anos. Na altura passou-te pela cabeça que a banda estaria aqui e neste patamar um quarto de século mais tarde?

Nunca na vida pensei que seria possível! Na altura, com apenas 13 anos de idade o conceito de sucesso e durabilidade da banda ainda era muito abstracto. Claro que tínhamos sonhos de vir a ser famosos e passar a nossa vida a fazer música, mas era uma coisa muito imaginada e não tínhamos nenhum plano em concreto. A ideia de trabalhar nisto a sério, de nos tornarmos adultos a viver como rock stars não passava de uma fantasia e parecia estar a uma vida de distância. Por isso, apesar de termos sonhado com isso, nunca imaginamos que tal se concretizasse de uma forma tão natural como acabou por acontecer. Na altura, por muito que sonhássemos com esta possibilidade, a nossa real preocupação era o ensaio e as tarefas da semana seguinte.


M.I. - Quando é que viverem da música passou a ser uma possibilidade real?

Foi uma realização relativamente recente da minha parte. Quando lançamos o “Runn” em 2006, cheguei a conclusão que a música poderia ser a minha principal actividade e fonte de rendimento, embora não nos permita uma total independência. No entanto, não vejo isso como um grande problema. Eu tenho o meu próprio negócio e trabalho a construir palcos e na parte cénica de alguns eventos, é algo que eu gosto de fazer. Acredito que, mesmo que a música nos traga total independência, é importante ter um day job para te manteres ocupado. 


M.I. - Os Enslaved têm estado bastante activos nos últimos dois anos – dois álbuns de originais, um split, uma compilação e um álbum ao vivo – de onde é que vem a inspiração para tudo isto?

Compor música e andarmos activos é a parte mais divertida no meio de tudo isto, pois a inspiração está em toda a parte. É algo massivo, só tens é que estar devidamente atento a tudo o que se está a passar à tua volta. Pode ser algo no meio da natureza, um livro, um filme, qualquer coisa. O facto de prestar atenção ao que se vai passando a nível musical por aí também ajuda, sempre gostei muito de ouvir música e gosto de me ir mantendo a par, seja através de plataformas online ou em revistas musicais, há sempre algo que acaba por despertar o meu interesse. É importante prestares atenção a tudo o que se vai passando à tua volta, nunca sabes de onde é que te vai surgir a inspiração ou as ideias, pode ser baseado naquilo que estás a experienciar em algum momento, algum detalhe nas histórias que as outras pessoas partilham contigo, algum local que encontramos em viagens. É isso que nos faz mover, a beleza e a mística estão em todo o lado, por mais pequenos que sejam os detalhes. Embora me considere uma pessoa cínica em muitos aspectos da minha vida, no que toca a procurar inspiração para minha música sou o completo oposto.


M.I. - Passando agora ao vosso novo álbum, “E”. O nome escolhido tem algum significado em particular?

O nome está relacionado com o significado da runa “E” e o significado da mesma dentro do alfabético rúnico. Este, como devem saber, era utilizado para a escrita e tem um significado místico nas tradições pagãs nórdicas. Esta runa em particular está relacionada com a história de Odin e do seu cavalo de 8 pernas. Podemos ver isto como uma metáfora para a ligação entre um homem nos tempos antigos e o seu cavalo, por exemplo. É uma runa complexa, que pode ter várias camadas de interpretação, mas que no seu centro estará sempre ligada a relacionamentos e a misticidade dos mesmos. Pode ser usada para descrever a relação do homem com a natureza, entre os homens, como um individuo e o seu/sua parceiro/a, entre um pai e um filho, qualquer tipo de relacionamentos humanos com o mundo em seu redor. Pode também ser enquadrada na relação entre companheiros de banda, sendo que neste caso se enquadra de certa forma no nome da nossa banda e no nosso símbolo. Quando estávamos a discutir o álbum e a direcção que o queríamos levar, tivemos bastante dificuldade em encontrar um nome que englobasse a ideia que tivemos. Este teria que estar relacionado com a runa “E” e o seu significado, mas não estávamos a conseguir descomplicar, até que decidimos dar a volta e tornar o nome o mais simples possível, tendo ficado apenas a runa em si. 


M.I. - Isso quer dizer que o álbum tem como conceito o significado da runa e que é uma história construída em volta da mesma? Ou é apenas um conjunto de músicas a girar em volta desse tema?

É algo no meio disso que disseste, sim. Começa com uma tempestade, mas não tem um ponto temporal ou espacial fixo, e vai-se desenvolvendo a partir daí, sendo a runa “E” e o seu significado o ponto de partida para o desenrolar. É mais que umas quantas músicas relacionadas com esta runa colocadas todas juntas, mas não chega a ser uma história porque não há um seguimento nem um ponto fixo para o desenrolar. Foi a primeira vez que eu, enquanto compositor escrevi as letras das músicas já tendo uma ideia do tema que tinham que seguir. No final consegui que houvesse uma conexão entre as letras e a parte instrumental, que resultou como queria.


M.I. - Passando agora ao artwork da capa do álbum… quem é o artista por detrás do mesmo? A simplicidade do desenho da capa está de alguma forma relacionada com a simplicidade do nome escolhido?

O designer responsável pela capa do álbum é o Truls Espedal, que foi quem desenhou as capas dos nossos últimos álbuns. As ideias para o artwork das capas dos nossos álbuns são sempre bastante abstractas, tentamos sempre que seja algo que encaixe com as letras das músicas e com a filosofia por detrás das mesmas. Foi essa a linha de orientação que lhe demos para a capa do álbum, mas nunca sabemos ao certo o que vai sair dali, porque o conceito é abstracto e não estamos dentro da cabeça dele (risos) mas ficamos bastante contentes com o resultado. Nós queríamos algo com a runa “E” representada juntamente com o símbolo de Enslaved, sem esquecer também em parte o significado da mesma que está intrinsecamente ligado ao novo álbum. Havia ali muito com que trabalhar, e ele conseguiu simplificar a nossa visão e fazer aquela capa fantástica. Por muito que gostemos de desenhos épicos como a capa do “Hammerheart” de Bathory, creio que já não tem muito a ver com a nossa música actualmente.


M.I. - Relativamente ao processo de gravação do novo álbum, correu tudo de acordo com os planos? 

Sim, de uma forma geral foi tudo bastante tranquilo e de acordo com o que tinha sido planeado inicialmente, embora tenhamos ido um pouco mais longe com algumas músicas do que tinha sido decidido. Repetimos muito as músicas e rearranjamos detalhes e depois de estar concluído, repetimos ainda mais. Quando estás numa banda mais velha como nós (risos) o processo de gravação dos álbuns é geralmente muito mais tranquilo e relaxado, por isso decidimos aumentar o nível de dificuldade e rearranjar algumas músicas e detalhes depois de já termos o básico feito. Inicialmente quando entramos em estúdio gravamos as bases das músicas, sendo que depois disso passamos várias semanas a trabalhar nelas e a estudar novos detalhes, foi também uma forma que encontramos para integrar o nosso novo elemento (teclista e back vocals) deixando-o ter uma voz activa no processo. No final, ficamos positivamente surpreendidos com o resultado, tendo em conta que não tivemos assim tanto tempo como seria de desejar para trabalhar neste novo registo.


M.I. - Como foi mencionado anteriormente, vocês passaram por uma mudança de line-up recentemente. Foi muito difícil encontrar um substituto que se enquadrasse perfeitamente na banda?

Foi estupidamente fácil, nem fazes ideia (risos)! Tudo isto aconteceu no último concerto do Herbrand Larsen (antigo teclista e vocalista da banda, de 2004 a 2016). Antes disso tínhamos decidido que íamos contratar algum músico de sessão para nos ajudar nas gravações e concertos até encontrarmos o substituto ideal, processo esse que estávamos à espera que fosse bastante longo. Não é que, felizmente, estávamos completamente errados?! Nesse dia, estava a observar a banda de abertura do nosso concerto, uma banda jovem e local, com um teclista que prendeu a minha atenção logo de imediato. No final do concerto deles, chamei-o e estivemos à conversa, sendo que ele mencionou que a banda ia fazer uma pausa e ele estava a procura de novos projectos. Combinamos encontrar-nos depois desse dia para discutir melhor essa questão e para o “testar”, sendo que veio-se a revelar logo aí que ele era o candidato perfeito e que se encaixava em Enslaved. Resolvemos o problema logo ali e não tivemos que procurar muito mais. Tivemos imensa sorte com isso, eu sei (risos)!


M.I. - Porque escolheram a música “Storm Son” como primeiro single do álbum?

Já não me lembro bem (risos), mas creio que foi decidido na altura que esta era a música que melhor descrevia o álbum e que englobava os principais elementos deste. É uma música muito longa, e tem muitas dinâmicas diferentes, tal como o álbum em si. Sendo também a música introdutória deste registo, achamos que se as pessoas gostassem iam ficar com uma maior curiosidade para irem ouvir o álbum todo quando saísse.


M.I. - Tens alguma música favorita deste álbum? Qual?

Bem, muda quase diariamente, mas por agora é muito provavelmente a “Sacred Horse”. A meu ver esta é uma das músicas mais “típicas” deste álbum, o que é estranho, pois inicialmente a música que eu mais gostei foi a “Hiindsiight”, que era a música mais “atípica” do álbum por assim dizer. Eu gosto muito deste álbum como um todo, mas por agora a minha música favorita é a “Sacred Horse”, mas isso pode vir a mudar.

M.I. - Na versão bónus do vosso álbum, têm uma cover do tema “What Else Is There”, cujo original é da banda electrónica Royksopp. Como surgiu esta ideia? Estão a pensar tocá-la ao vivo?

Ainda não decidi se o vamos fazer, queremos priorizar os nossos temas originais ao vivo, mas talvez o façamos em alguma data mais especial. Isto começou quando fomos desafiados num concerto especial que houve aqui há uns meses, em que pediam às bandas que preparassem covers de músicas de outros artistas noruegueses e que saíssem um bocado fora da zona de conforto. Sendo que alguns de nós acompanham o trabalho de Royksopp e que eles são dentro da música electrónica uma banda que foge mais ao mainstream e que tem uma vibe mais negra, achamos que seria interessante fazer a cover deste tema. Como correu muito bem, decidimos gravar a versão que ensaiamos e metê-la como bónus no álbum.


M.I. - As letras das vossas músicas são autênticas enciclopédias de cultura e mitologia nórdica, algo que por vezes é (erradamente) associado a ideias de extrema-direita. Embora os Enslaved não sejam uma banda típica de black metal e tenham uma postura apolítica, já alguma vez foram acusados de promover esses ideais por alguns grupos como a Antifa, tal como os Marduk ou Bolzer foram recentemente?

Não, nunca fomos! Nós nunca demos sequer hipóteses que nos questionassem por esses motivos, ou até mesmo de sermos acusados de ter esses ideais extremistas. Sempre que o assunto se aproximava disso, respondíamos e falávamos abertamente de que não temos nada a ver com isso, de tal forma que deixou de ser um assunto e as pessoas começaram-nos a deixar em paz. No entanto, nos dias que correm parece que as pessoas ou ficam ofendidas com a pergunta ou então não se sabem explicar, por isso acabam por contornar o assunto, o que dá azo a especulações e é assim que os problemas começam. De certa forma até posso compreender porque o fazem, no entanto é importante que se fale destas coisas e que sejamos honestos, o tentar ignorar nunca dá bom resultado, pois pode ser visto como alguém que está dividido ou que tem algo a esconder, acabando por criar confusões onde não existem.


M.I. - Achas que actualmente as pessoas são demasiado sensíveis e criam tabus em volta de certos tópicos, como estes?

Sim, completamente! Parece que não se pode falar de nada, e quando se fala só podes estar num extremo ou outro, o que é totalmente errado. No entanto, os poucos que de facto se encontram em cada um dos extremos parece que perderam totalmente a noção das coisas e atacam tudo aquilo que não compreendem o que difere ligeiramente da sua realidade, é doentio! Isto é válido quer para grupos como a Antifa ou os grupos nacionalistas extremos. A falta de informação e a ignorância leva a juízos ignorantes, o que por sua vez torna um tópico em algo extremamente sensível e tabu, algo que já não devia acontecer. É importante que se fale abertamente sobre isto, e que não se crie polémicas com não assuntos em volta disto. Só assim é que o assunto é esquecido e se siga em frente para nos focarmos no que realmente importa neste meio, a música!


M.I. - Apesar de serem uma das bandas no panorama actual com uma das mais estáveis e extensas carreiras, ainda sentem que há algo que vos falta alcançar?

Claro que sim! Ainda temos muitas músicas que escrever, muitos álbuns para gravar, concertos para dar, muitas dinâmicas que ainda nem sequer começamos a explorar. Há sempre algo para criar e explorar. Há um mundo inteiro repleto de inspiração infinita a toda a volta, o importante é apreciar o caminho e segui-lo onde quer que nos leve.


M.I. - Quais são os planos para o futuro próximo agora que o álbum já foi lançado?

Vamos começar uma tour Europeia agora em Novembro e uma tour na América no início do próximo ano. Depois disso, vamos dar mais concertos e fazer mais tours (risos).


M.I. - Têm algum local onde mais gostem de tocar ao vivo? Há algum país onde não tenham ido ainda e gostariam de lá ir dar concertos?

É sempre divertido tocar em Londres ou em Paris, por exemplo. Gostavamos também de tocar em Portugal com maior frequência, os concertos que demos lá correram sempre bem. No próximo ano vamos andar na América do Sul pela primeira vez, algo que me entusiasma bastante. No futuro gostaria de ir tocar em África, nunca lá fomos e eu sei que em alguns países como a África do Sul têm uma “cena” interessante.


M.I. - O ano passado celebraram os 25 anos de carreira com alguns concertos especiais. Estão prontos para mais 25?

Sim, que venham eles!


M.I. - Obrigado pelo teu tempo. Há alguma mensagem que gostarias de deixar aos nossos leitores?

Espero que consigamos regressar a Portugal muito em breve e que nos encontremos a todos por lá!


Entrevista por Rita Limede