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Entrevista aos Sigh


Quando se fala do Japão, a palavra metal não é a primeira que surge na nossa mente mas todos sabemos que o país é mundialmente conhecido pela sua criatividade… e criatividade é algo que não falta aos Sigh! Esta banda liderada pelo talentoso Mirai Kawashima lançou recentemente o seu último álbum que é uma verdadeira peça de genialidade… pode ser difícil de ouvir ao início mas, depois, entranha-se no nosso corpo. A Metal Imperium tentou compreender melhor a mente perversa por trás deste projecto e esteve à conversa com Mirai.

Metal Imperium – No início dos anos 90, quando a banda começou, a maioria das bandas de black metal optava por nomes diabólicos… porque é que vocês escolheram Sigh (suspiro)?
Mirai – Nós não queríamos um nome tipicamente black ou gore, queríamos algo simples e fácil de recordar e surgiu a palavra “Sigh”. Realmente nem sabíamos se já havia alguma banda com esse nome ou não, agora pode-se pesquisar na internet mas, naquele tempo, não era possível. A palavra “Sigh” sugere variadas ideias desde depressão a ansiedade, beleza, alívio, etc, e, por ser tão abrangente, encaixava perfeitamente na nossa música.


Metal Imperium – A banda evoluiu naturalmente de Black Metal (Infidel Art) para um som mais avantgarde. Como é que os fãs reagiram a esta mudança de som?

Mirai – A reacção aos nossos álbuns tem sido a mesma nos últimos 20 anos. Alguns dizem que o último album é o melhor, outros dizem que o predecessor é que é melhor. Tudo começou quando começámos a gravar o segundo álbum “Infidel Art” e continua na mesma. Quando fizemos o “Hail Horror Hail” em 1997, que era bastante experimental para a época, sinceramente, pensámos que ninguém iria gostar. Éramos novos e ambiciosos e pensámos que haveria más críticas tipo “Isto já não é black metal blah blah”, mas as críticas foram favoráveis e o álbum ficou no top 10 anual da revista Terrorizer. Foi uma grande surpresa porque esperávamos que o pessoal detestasse o álbum. Mas, como é evidente, há muitos fãs que têm saudades do som de “Scorn Defeat”.

Metal Imperium – De acordo com o dicionário, Somniphobia “é o medo de adormecer. Os sintomas incluem ansiedade na hora de deitar, com ataques de pânico antes e durante as tentativas de adormecer. As complicações mais óbvias incluem os efeitos de privação do sono, tais como: baixa concentração, irritabilidade e outros problemas de saúde que resultam de um corpo cansado.” O título reflecte a ideia principal do álbum?
Mirai – Talvez “Behind the wall of sleep” do H.P. Lovecraft ou o primeiro “Pesadelo em Elm Street” sejam os melhores exemplos convencionais para compreender o título e o conceito. É sobre fantasia, nomeadamente sobre a fronteira entre o sonho e a realidade, vida e morte ou imaginação e realidade. Frequentemente tenho pesadelos e já concluí que, mesmo nos sonhos, eu sonho. Adoro os filmes “Carnival of Souls”, “Dead and buried” e “Jacob’s ladder” porque lidam com esta temática. A fantasia representa algo entre a realidade e a imaginação, não é realidade mas também não é totalmente imaginação. Até aos anos 70, as pessoas temiam algo exótico tal como o H.P.Lovecraft aborda nos seus livros. E.A. Poe também lidava com este tipo de medo exótico. “O exorcista” começa com uma cena no Iraque. “Holocausto Canibal” talvez seja o melhor exemplo de medo exótico e as pessoas acreditavam que era real, pelo menos, eu pensava! Havia profissionais da luta livre que usavam máscaras e as suas nacionalidades eram desconhecidas e ninguém se atrevia a perguntar-lhes “Onde arranjaste o passaporte?”. Era a maldição de Faraó. Infelizmente, foi revelado que a história da maldição era inventada. Também havia Yeti e uma análise digital demonstrou que havia um fecho nas suas costas. Nós agarrámos nesses lugares exóticos como algo entre a realidade e imaginação com medo. Infelizmente, todas estas fantasias se perderam e eu tento preservá-las em “In Somniphobia”.

Metal Imperium – Tenho de admitir que a primeira vez que ouvi “In Somniphobia” foi um pouco difícil de digerir mas li excelentes críticas… esperavas obter uma resposta tão positiva?
Mirai – Por acaso não! Pensei que os fãs dos nossos álbuns mais antigos "Hail Horror Hail", "Dread Dreams" ou "Imaginary Sonicscape" apreciariam o álbum mas tinha consciência que seria demasiado puxado para muitas pessoas. Pensei que as críticas fossem mais divididas, mais do género 2/10 ou 10/10. Ainda há muitos fãs que ouvem "Hangman's Hymn" e acham que somos uma banda de black metal sinfónico ou coisa do género, por isso tencionava desapontar essas pessoas com o pesadelo de "In Somniphobia", mas a reacção não foi assim tão extrema…

Metal Imperium – Recentemente li uma entrevista em que disseste que para este album “uma das visões que tinha na minha mente era a de uma orgia herética, nu, mocado, bêbado a dançar à volta da fogueira”. Queres falar sobre isto?
Mirai – É sobre o tema "L'excommunication a Minuit", é a imagem do Sabbat… fazer uma orgia durante toda a noite, completamente bêbado e mocado. Não consegues dizer se é real ou um sonho, mas estás mergulhado em extâse. Sexo, droga e metal num pesadelo.

Metal Imperium – A folha de promoção do álbum descreve-o como uma mistura mágica de heavy metal, música clássica, jazz, música tradicional Indiana, Stockhausen e Xenakis… se se mexer bem obtém-se “In Sominphobia”. Consideras que esta é a descrição perfeita?
Mirai – Claro, porque fui eu que a escrevi! E gostaria ainda de acrescentar mais artistas: Sun Ra, John Zorn, Thelonius Monk, Zakir Hussain, Technova, Jam and Spoon, The Irresitable Force, Goblin, John Cage, Frank Zappa, The Beach Boys etc.

Metal Imperium – “In Somniphobia” usa muitos teclados dos anos 60 e 70, sentimentos exóticos… o som é psicadélico e muito “jazzy”. Para além disso, usa um tocador de Sarangi, Sitar, Tabla e flauta étnica que são instrumentos tradicionais indianos e que dão um toque étnico aos temas… porquê o uso de influências multiculturais? Como é que surgiu esta paixão?
Mirai – Como referi anteriormente, o álbum tem um som muito forte com toques exóticos e étnicos dos anos 60 e 70 por causa do conceito. Não sei porquê mas sempre fui fã de música tradicional. Tive aulas de Sitar e Tabla e até fui à Índia de propósito para comprar instrumentos. Tenho estudado teorias musicais tradicionais do Norte da Índia, por isso não foi “Hey, seria fixe usar o som do Sitar!”. Eu realmente adoro ouvir música tradicional asiática de países como a Índia, China, Turquia e por aí fora. Talvez seja por eu ser asiático mas o que é estranho é eu não manifestar um grande interessem na música tradicional japonesa.

Metal Imperium – O vídeo para “Far Beneath the In-Between” é muito louco e parece um pesadelo… quem o dirigiu? Quem teve a ideia de o fazer assim? Há planos para fazer outro vídeo?
Mirai – Sim, é uma perfeita visualização do mundo de "In Somniphobia"! Foi dirigido por Yossi Darmon de Israel. Eu pedi-lhe que fizesse um vídeo assustador com uma série de visões absurdas e, quando ele mo mostrou, eu nem precisei de dizer nada porque estava perfeito, tal e qual eu queria!

Metal Imperium – A capa do novo album é um pouco estranha e foi criada por Eliran Kantor que já trabalhou com Testament, Gwar, Atheist and Anacrusis. Qual é o significado da rainha a transportar os sete bebés mortos pelo mercado, com toda aquela carne pendurada, a rapariga a segurar a caveira e os velhos moribundos a admirar toda a cena?
Mirai – Para ser sincero, eu não sei! Eu disse ao Eliran que o conceito do álbum era um pesadelo e dei-lhe algumas faixas e ele fez a sua arte. Acredito que seja o conceito de pesadelo para ele. Ele é um génio e a capa é perfeita para um álbum como este. A capa à primeira vista é bela mas se estiveres atento aos pormenores, verás muitas cenas esquisitas.


Metal Imperium – Neste album têm convidados, nomeadamente Kam Lee (ex-Massacre, Bone Gnawer etc.) e Metatron (The Meads of Asphodel) que contribuíram com letras e vozes para “Lucid Nightmares”. Como é que surgiu a ideia de colaborar com estes músicos? Como é que fazem as gravações em situações deste género?

Mirai – Hoje em dia, com a internet, não é nada difícil trabalhar com pessoal do outro lado do planeta. Pode-se gravar qualquer coisa no PC em casa e enviar por email. Conhecemos o Kam através do Killjoy dos Necrophagia. Dantes a Dr. Mikannibal vivia na Florida e quando visitámos o Killjoy, que também vive na Florida, o Kam estava lá. Como eu era um grande fã dele desde o tempo de Mantas/Death, foi uma honra conhecê-lo pessoalmente. Eu sabia que ele era fã de Lovecraft e pensei que seria uma boa ideia pedir-lhe que escrevesse uma letra assustadora para um dos temas e ele também fez um excelente trabalho vocal. Nós conhecemos o Metatron há muito tempo e já trabalhamos muitas vezes para a banda dele, The Meads of Asphodel e ele fez muitas cenas para Sigh… a colaboração continuará no futuro.


Metal Imperium – Aparentemente vocês acham que o novo material não é para ser tocado ao vivo e, se associarmos a isso a crise económica e a distância, as coisas ainda ficam piores… por isso, vão ou não tocar ao vivo para promover o álbum? Já têm planos?

Mirai – Por acaso já temos alguns concertos marcados para este ano, mas ainda não tenho a certeza se devemos tocar os novos temas ao vivo. Definitivamente, o novo álbum é um álbum de estúdio que deve ser ouvido com auscultadores, de preferência à noite e mocado. Se o tocarmos ao vivo, poderemos estragar os temas. Talvez os dois primeiros temas até soem bem mas os que pertencem à parte de “Lucid Nightmares”, não sei mesmo. Tocá-los pode estragar tudo em vez de promover o álbum.


Metal Imperium – És um músico muito talentoso familiarizado com muitos géneros musicais… achas que algum dia te irás aventurar fora do mundo dos Sigh de modo a explorar outras visões?

Mirai – Já estive envolvido em muitos projectos e bandas, tais como Necrophagia, Enoch, CutThroat, etc. Já há muito tempo que tenho andado a trabalhar num projecto com o Shane Embury, apesar de ainda não termos lançado nada. É fabuloso trabalhar com músicos diferentes por isso trabalharei nesses projectos no futuro. Mas não formarei uma banda nova ou serei um membro permanente de outra banda porque os Sigh são e serão a única banda a que me dedicarei por completo. Caso tenha necessidade de explorar outras visões, tenho sempre os projectos em que estou envolvido.


Metal Imperium – John Zorn, Mr. Bungle, Alfred Schnittke e filmes de terror têm sido uma das tuas maiores inspirações… estranho não ver nomeadas nenhumas bandas de metal… o metal ainda é uma influência para ti? Ainda ouves metal? Quais são as tuas bandas preferidas? O metal mudou muito desde que começaste com os Sigh… o que pensas desta “evolução”?

Mirai – Sim, claro que o metal é muito importante para mim! Mas agora tenho 42 anos e admito que prefiro ouvir cenas mais antigas que adorava quando era adolescente do que explorar novas bandas. Eu sei que já estamos no século 21 mas ainda ouço Venom. Celtic Frost, Mercyful Fate, Deathrow, Iron Maiden, At War, DRI, Tank, MSG, entre outros. Faço o meu melhor para me manter a par da cena de hoje e ouço novas bandas tais como Vektor, que afinal já não é tão nova assim. O novo álbum de Angel Witch é excepcional.


Metal Imperium – Como é a cena metal no Japão? Como é que os japoneses vêm os Sigh? Estão familiarizados com o vosso trabalho?

Mirai – Depende! Se estás a falar de fãs de metal, eles conhecem-nos e apoiam-nos. Mas se te referes ao pessoal normal que ouve música do Top 40, claro que não fazem ideia de quem somos nós… aliás nem sabem quem é o James Hetfield! Há metaleiros muitos dedicados mas as pessoas normais não querem saber, é exactamente o mesmo que acontece no resto do mundo, à excepção dos países escandinavos em que os lançamentos de metal atingem os tops. Quanto à cena, é como em todo o lado… há bandas boas e criativas e há bandas que não valem nada. Quanto às bandas boas posso destacar, entre outras, os Abigail, Eternal Elysium, Genocide Nippon e Sabbat.


Metal Imperium – Tocar ao vivo na China foi uma experiência fabulosa que superou as vossas expectativas. Como te sentiste ao tocar lá e concluir que tinhas ideias erradas sobre o país? Há outros países que gostarias de visitar por alguma razão em particular?

Mirai – Posso dizer que estava bastante preocupado com o facto de tocar ao vivo na China porque, de acordo com os jornais, eles fazem muitas manifestações anti-Japão e li que o público arremessa objectos às bandas japonesas que tocam em festivais na China. Como black metal é um género extremo, temi que houvesse tumultos violentos durante o concerto mas tal não se verificou e todos os metaleiros e pessoas que conhecemos eram simpáticos. O churrasco que comemos em Pequim foi uma das melhores comidas que comi na minha vida. Adoraríamos voltar lá em breve. Compreendi que o nosso governo controla a informação e tenta publicar somente as notícas más da China. Sou uma pessoa céptica e não acredito facilmente nas coisas mas, mesmo assim, fizeram-me uma lavagem cerebral. Basicamente adoravamos tocar em todos os países que nunca visitamos mas principalmente nos países da América Latina porque nunca fomos lá e ouvimos dizer que os metaleiros são extremamente entusiásticos.


Metal Imperium – Estais a gravar um tema tributo aos Bathory… onde vai ser incluído?

Mirai – Foi planeado pelo Metatron e vai ser lançado na editora dele, Godreah. Gravámos o tema "Under the Runes" do álbum "Twilight of the Gods". É uma mistura Somniphobia, por isso, quem apreciou o album, vai adorar isto!


Metal Imperium – O Mirai e a Dr Mikannibal vivem uma relação amorosa. É fácil separar os problemas pessoais dos profissionais?

Mirai – Eu sei que uma relação dentro de uma banda pode ser prejudicial mas o nosso caso é especial. Somos muito parecidos e compreendemo-nos muito bem, por isso…


Metal Imperium – Recentemente fez um ano que o Japão foi fustigado pelo tsunami… como é que este acontecimento natural afectou a banda? Influenciou-vos de algum modo?

Mirai – Claro que sim! Dr. Mikannibal vive em Sendai onde o terramoto se sentiu mais. Felizmente, ela vive no topo da montanha e o tsunami não chegou lá, e ela e a família ficaram a salvo, mas tiveram de viver sem gás, água e electricidade durante semanas, o que foi uma experiência muito má. Tóquio não foi muito afectado mas o terramoto também foi forte. Eu estava no 21º andar e pensei que o edifício ia colapsar e eu ia morrer. Depois surgiram os problemas com a central nuclear e ver plantas a morrer na TV foi muito assustador. Tenho a certeza que todos os habitantes do Japão foram de algum modo afectados pelo terramoto. Como aconteceu durante as gravações do novo álbum, teve um grande impacto no mesmo.


Metal Imperium – Portugal está à espera dos Sigh para nos deliciarem com o vosso som… até lá, por favor, deixa algumas palavras…

Mirai – Nunca tocamos aí e adoraríamos fazê-lo em breve. Para as mais recentes informações, sigam-nos no Twitter! http://twitter.com/sighjapan


Entrevista por Sónia Fonseca