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Entrevista aos Machinergy



Entrevistar os Machinergy é regressar à adolescência, altura em que os conheci, ainda antes de formarem os Mortalha… conheço-os desde 1986, para ser mais precisa. Tenho acompanhado a sua carreira, não só por sermos amigos, mas, principalmente, porque gosto da música que fazem. Porque amigos, amigos, músicas à parte. E foi com o Rui Vieira, vocalista/guitarrista da banda, que conversei, para esta entrevista, em que “Sangre e Matanza” deu o mote para falarmos do presente, revisitar o passado e olhar o futuro. 

M.I. - “Sangre e Matanza” – EP lançado este ano, tem apenas duas músicas, uma delas instrumental. Porquê este EP, nesta altura? É um interlúdio para algo mais e maior?

Esperemos que sim. Estamos a tentar criar algumas “tradições” com Machinergy (MXN). Isto tem de ser, acima de tudo, divertido. E nós gostamos de criar estes pontos comuns nos nossos trabalhos. Um EP entre álbuns, um instrumental em cada trabalho, etc. Acreditamos que é uma forma de a banda ir ganhando algumas particularidades e, digamos, personalidade, não para nos destacarmos de quem quer que seja, mas porque gostamos mesmo de criar estes pormenores.   


M.I. - As vossas capas têm uma associação cromática: preto, azul, verde e, agora, o vermelho. Quase que parece as fases do Picasso. Porquê esta associação?

Essa do Picasso nunca me tinha ocorrido. Lá está, é mais um pormenor. As cores também são algo que se enquadra na tal “personalidade” que vamos criando aos poucos. É algo que marca, de fácil associação. E um álbum não é só música, é isto também. A cor/capa deve transmitir o conceito do álbum porque é um complemento óbvio. Tudo junto, cria um momento único. Um momento em que ouves as músicas, tens uma cor dominante e uma sensação comum e que ficará gravada na memória. 


M.I. - Thrash e Death Metal são as vossas grandes influências, no entanto, vocês têm uma panóplia de interesses musicais. Tu, por exemplo, tens bandas de sonoridades mais punk. Como é que isso se compatibiliza e “entranha” no som dos Machinergy?

MXN é um mundo muito próprio onde não entra qualquer coisa. Apesar de ter múltiplas influências musicais e visuais, MXN não admite modas, por exemplo. É natural que, em determinadas partes, se notem alguns laivos de algo mais punk ou crust ou hardcore mas isso é porque concordámos que soava bem. Mas são raros os casos. MXN é uma estrutura formal que pretende criar uma sonoridade própria (missão difícil mas não impossível) e, para isso, há que colocar tudo na mesa e eliminar o que não interessa. Como somos de mente aberta, rapidamente vemos o que é mais desafiante e interessa a MXN. É isso: MXN é uma banda muito interesseira! 


M.I. - Queres desvendar um pouco como é o vosso processo de composição?

Depende. No passado, surgiam riffs e compúnhamos tudo na sala de ensaios. Tocávamos tudo vezes sem fim. Hoje em dia, estamos mais selectivos na forma como abordamos o novo material. A idade traz a experiência e a experiência atalha muitos caminhos. Actualmente, usamos métodos mais... “eficazes”! Por exemplo, nunca ensaiámos a “Matanza”! Foi um tema puramente construído em estúdio. E isso não é necessariamente mau. É uma outra forma de criar. Evita-se barulho para os ouvidos destes “idosos”  e muitas discussões estéreis. Enfim... maturidade, dirão alguns.


M.I. - Editaram o vosso primeiro álbum em nome próprio, mas posteriormente associaram-se a uma editora. Qual é a tua opinião em relação ao meio editorial, actualmente? Vês vantagens em ter editora?

Sim, se for para catapultar a banda. Mas isso é muito selectivo, tens de ser bom, ou então, ter a sorte de seres bom e estares “na moda”. As nossas editoras são parcerias de distribuição, essencialmente. Levam os CD’s de MXN além-fronteiras mas pouco mais que isso. Quando penso numa editora, penso num investimento e acreditar que aquela banda terá sucesso e trará lucro. Bons lançamentos e, acima de tudo, boa promoção (o que falta mais às bandas porque não o sabem fazer) e extensas digressões. Isso é uma editora. Tudo o resto são parcerias, cenas 50/50.


M.I. - Qual é a tua opinião sobre a disponibilidade e facilidade que existe em “sacar” música da net? Isso retira vendas aos formatos físicos e faz com que hoje em dia, a maioria das pessoas, já não oiça um álbum do princípio ao fim – não ouvem álbuns, ouvem músicas avulso. Concordas? Quais os impactos desta realidade para as bandas?

Acredita que a minha opinião sobre o “sacar” as cenas já teve dias melhores. Ou seja, nunca fui muito de apoiar ou “sacar” álbuns mas não sou totalmente contra. Costumo dizer que este efeito actual é uma espécie de vingança sobre as editoras que se aproveitaram anos a fio das bandas e público. Mas será que foi assim? Confesso que oiço os álbuns no YouTube, não vou ser hipócrita. Mas apoio as bandas, principalmente, as nacionais. Quem me conhece, sabe que sempre fiz isso. Portanto, não tenho a consciência “pesada”, por assim dizer. Há tempos alguém disse: “ninguém entra num supermercado e sai de lá com os produtos de borla mas com a música e os filmes, isso acontece”. Dá que pensar se é este o caminho. Se calhar, não é mas agora é impossível parar. Os tempos mudaram radicalmente e a forma de assimilar e entender destas novas gerações (que vivem na “partilha”) não é igual à nossa. É mesmo muito diferente. Na maior parte dos casos, para eles é tudo temporário. Nós somos dum tempo em que não havia acesso a nada e, por causa disso, devorávamos um álbum inteiro! Hoje, há tudo à distância de um click e a música é mais um “pormenor” para esta juventude. Tudo é temporário e sem sentimento de posse: é o “carpool”, são as bicicletas comunitárias, as residências temporárias, as relações rápidas e frias. Tudo é quase virtual e à velocidade da luz. Por isso, não há tempo para ouvir um álbum inteiro, há muita coisa em “buffer”! 


M.I. - Para quando um novo trabalho?

Acredito que em 2020 tenhamos novo álbum cá fora. Há ideias, há músicas, há vontade. Portanto, com estas três premissas, é natural que aconteça. Sem pressas, pois queremos algo muito bom desta vez! Também estou envolvido com o Helder Rodrigues (baterista) nas curtas-metragens e isso também nos “rouba” tempo à banda. Mas 2020 é uma bonita data para mandar um álbum cá para fora. Nessa altura, já há vontade em ouvir novo material de MXN! 


M.I. - Não vemos os Machinergy em festivais nem com uma grande actividade ao vivo (o que é pena). Porquê? É uma opção vossa?

Para já, sim. A idade e experiência diz-nos que mais vale pouco e com sentido do que andar a tocar “à parva” por aí. Também o meu estado de saúde não permite grandes “cowboyadas”!  O reumático é lixado! Enfim, são vários os motivos que nos levam a estar – actualmente – mais na sombra no que a concertos diz respeito. Também não temos convites por aí além, diga-se. Os festivais têm os espaços sempre reservados para os “mesmos”. É triste, mas é verdade. Mas caguei nisso. Interessa-me é gravar. Tocar ao vivo – nesta conjectura – é totalmente secundário.


M.I. - Em 1990, quando formaram os Mortalha, estudávamos todos em Arruda (lembro-me bem de vos ouvir tocar em casa do Mariano). Tu foste o último a chegar a Arruda, em 1988 – o Nuno Mariano já lá estava desde ’86 e o Hélder, desde sempre… como foi a tua integração no grupo “da pesada” de Arruda dos Vinhos?

Ao princípio, foi complicado. O Mariano, inclusivamente, fez-me bullying. K Não nos conhecíamos. Isso foi acontecendo pouco a pouco. Começámos a topar os gostos de cada um e, como éramos poucos, acabámos – inevitavelmente – por nos conhecer e unir esforços contra a descriminação metálica então vigente na altura. Hoje, somos bons companheiros, tocamos juntos, sem stress. 


M.I. - Trinta anos depois o que é que vos move? O que é que existe dos adolescentes que eu conheci, nos homens que são hoje?

Boa pergunta, amiga Rosa. Conheces bem estas três personagens e sabes que aquilo que nos move é, principalmente, a paixão e também um (tubo de) escape. Sempre adorámos isto e nunca desistimos e essa é a nossa maior virtude: persistência. Nunca tivemos grupos de amigos ou facilidades (antes pelo contrário) e tudo o que conseguimos ou venhamos a conseguir dever-se-á – única e exclusivamente – a nós próprios. E temos um grande orgulho nisso! Talvez tenha havido alturas em que um ou outro andou mais afastado mas alguém deu a mão e puxou-o para o centro, novamente. Acho que esse companheirismo, sem hipocrisia, se mantém. Estamos 30 anos mais velhos com tudo o que isso traz de bom e outras coisas menos boas, digamos. Alguma rabujice também faz parte mas acho que a coisa tem pernas para se aguentar por mais... 30! 


M.I. - Para terminar, qual o futuro dos Machinergy?

O futuro só pode ser risonho. Temos sonhos e esses passam por estarmos cá mais uns anos e deixarmos legado, ou seja, álbuns gravados, vídeos, documentários, etc. Isso é o mais importante: deixar provas para as próximas gerações (caso não haja um apocalipse nuclear, entretanto)! A condição é continuar a gostar deste projecto (MXN) e não nos fartarmos uns dos outros. Por isso é que tocar pouco actualmente é condição essencial para não criar stress desnecessário porque – no fim – somos unidos e queremos continuar assim, mesmo velhinhos. 

Entrevista por Rosa Soares