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Entrevista a Ester Segarra

Ester Segarra é uma fotógrafa conhecida na cena underground. Ela já trabalhou com a maioria das bandas lendárias e as suas fotos embelezaram as capas de muitas revistas. Em 2018, chegou a hora de imortalizar o seu trabalho na forma de um livro “Ars Umbra - The Art of Ester Segarra”. A Metal Imperium teve uma conversa com a poderosa espanhola. Leia…


M.I. - Por favor, faz uma breve apresentação de Ester Segarra.

Nascida na cidade mediterrânica de Barcelona, em Espanha, numa família católica tradicional, cercada pela magia da arquitectura de Gaudí (o Parque Güell era o seu parque escolar e a Sagrada Família, a sua igreja local), não demorou muito para que Ester Segarra tivesse sonhos de explorar outros reinos, dentro e fora. Foi uma foto de um pôr do sol, que ela viu quando tinha seis anos de idade, que despertou o seu fascínio pela fotografia. Oportunidades de expressão artística na sua educação tradicional eram inexistentes, então ela criou um mundo imaginário, cheio de palavras, imagens e música. A sua primeira oportunidade de experimentar a fotografia surgiu na adolescência, quando fez uma aula de fotografia. Contra a vontade dos seus pais, ela matriculou-se sem ter câmara, mas com uma determinação impetuosa. Ela encontrou o que amava e o que iria destruí-la. Na viragem do milénio, a sua insaciável sede levou-a a Londres, Inglaterra. Era para ser algo temporário, mas o destino interveio e tem sido a sua casa desde então. Aqui ela foi capaz de combinar os seus dois grandes amores, fotografia e música. Começou a trabalhar para a Terrorizer Magazine em 2001, também na Metal Hammer, Decibel, Hard Rock, Iron Fist, Deaforever, This Is Metal e editoras como Century Media, Nuclear Blast, Candlelight, Rise Above, Spinefarm e Peaceville. Mas o mais importante é a música das bandas para as quais as suas fotos foram fundamentais na promoção: Watain, Electric Wizard, Rotting Christ, Venom, Triptykon, Carcass, In Solitude, Mayhem, Shining (Suécia), Uncle Acid, Blood Ceremony, 1349, Paradise Lost, Katatonia, Abbath, Cathedral, Angel Witch, Ghost e muitos mais. Sempre se esforçando para traduzir o som numa representação pictórica, ela cria mundos em torno dos cérebros por trás da música com o objectivo de capturar a sua essência. Trabalhando sempre de dentro da escuridão, a sua arte é inspirada no trabalho de sombra / luz de Caravaggio, nos pesadelos de Goya, no surrealismo de Dali e na interminável exploração da morte.


M.I. - Quantos anos tinhas quando te interessaste por fotografia?

A minha primeira lembrança de uma foto é de quando tinha 6-7 anos de idade. Levei a sério a fotografia a partir dos 15/16 anos.


M.I. - És auto-didacta ou fizeste um curso de fotografia?

Estudei o meu ofício.


M.I. - As coisas começaram a mudar quando te mudaste para Londres... por que decidiste mudar-te para outro país para seguir os teus sonhos? É difícil ser fotógrafo em Espanha?

Eu não decidi mudar-me para outro país. Inicialmente, eu ia a Londres apenas passar o verão para ganhar algum dinheiro para pagar o meu curso de fotografia em Barcelona. O destino interveio e, quando eu tinha o dinheiro, roubaram-mo. Decidi ficar em vez de voltar de mãos vazias. Pelo que ouvi de colegas, não é fácil ser fotógrafo em Espanha, mas muitos podem dizer o mesmo sobre ser fotógrafo em Londres. Eu li que a mesma água fervente que endurece um ovo é a que amacia uma batata, portanto não tem a ver com as circunstâncias, mas sim com o modo como reages a elas.


M.I. - Em 2018 as coisas podem ser mais fáceis, mas quão complicado foi destacares-te numa cena que era predominantemente dominada por homens? Foste discriminada de alguma forma?

Eu nunca culpei o meu género por qualquer luta que tivesse. Nem senti nada além de respeito das pessoas com quem trabalhei, incluindo muitas mulheres incríveis. O que tenho notado é que quando és uma mulher, primeiro és uma mulher e só depois interessa o que fazes, quando se trata de homens, o género parece não ter relevância e eles são vistos apenas pelo que fazem. Mas claro, eu só conheço uma vida e uma maneira de fazer as coisas e isso é como mulher. Uma mulher que é capaz de usar os traços femininos do caos, bem como os masculinos de ordem que ela possui, ambos igualmente essenciais e necessários quando és uma pessoa criativa.


M.I. - Fotografar bandas de metal extremo é um sonho que se realizou ou é apenas uma maneira de te aproximares do teu propósito?

Trabalhar no que gostas é um sonho que se torna realidade.


M.I. - Como te sentiste na primeira vez em que uma das tuas fotos foi escolhida para ser capa de uma revista? Quando é que aconteceu? Em qual revista? Qual banda?

A minha primeira foto de capa foi na revista Terrorizer com Mikael Åkerfeldt dos Opeth em 2002. Foi uma capa dupla, junto com Kristoffer Rygg de Ulver, que foi fotografado separadamente em Oslo. Eu tive que colocá-los juntos para uma Prog Special. Parecia uma continuação de uma capa anterior na qual eu tinha trabalhado, o especial de Gore, onde tive que usar algumas fotos promocionais chatas dos Necrophagia, combiná-las e transformá-los em zombies. O que foi realmente estranho foi quando vi uma capa minha pela primeira vez numa loja! Entre outras revistas, estava uma foto das minhas na capa! Ainda mais esmagador foi quando vi alguém pegar nela. Eu estava tipo... merda! Isso não é apenas no meu computador ou numa revista que recebo em casa... todos podem ver! Porra! Eu senti uma enorme responsabilidade e seriedade sobre o que estava a fazer.


M.I. - Compras todas as revistas com trabalhos teus para recordação?

Não consigo comprar/acompanhar todas! Guardo as que recebo e as que encontro.


M.I. – Recentemente, a Season of Mist lançou o teu livro “Ars Umbra – The Art of Ester Segarra”… alguma vez imaginaste que tal fosse acontecer? Como surgiu a oportunidade?

Nunca pensei que uma editora fosse lançar o livro mas, durante o processo e como ia ter uma banda sonora, algumas pessoas cuja opinião eu respeito imensamente, sugeriram a ideia de uma editora o lançar e que a SOM seria uma boa opção. Gostei da ideia e pensei que encaixava na ideia do livro. Tendo trabalhado com a SOM muitas vezes antes e tendo muitas das suas bandas no livro, pensei em abordá-los. Apresentei a ideia ao Michael Berberian e ele concordou! E não lhe posso agradecer o suficiente por acreditar nisto!


M.I. - Tens muitas mais fotos do que as que aparecem no livro... em que critérios te baseaste para seleccionar? Alguém te ajudou?

Eu tive que passar por quase meio milhão de fotos! Uma das primeiras decisões foi se o livro seria baseado em concertos ou em sessões. Isso descartou logo uma enorme quantidade de fotos. Mesmo assim, algumas fotos ao vivo chegaram ao livro. Então fui seleccionando fotos com as quais estava feliz, combinadas com que bandas e como a música e as bandas estavam sendo retratadas. E finalmente o que se encaixava e o que não. Foi um processo muito longo e doloroso. Recebi feedback das pessoas mais próximas mas, no final de contas, foi um processo bastante intuitivo, no qual o meu papel era desvendar o livro na forma física. Como Michelangelo disse: “Cada bloco de pedra tem uma estátua dentro dele e é a tarefa do escultor descobri-lo”.


M.I. - Como estão a correr as vendas do livro? E as críticas... estás feliz?

Estou impressionada com o feedback e a resposta ao livro! Fiz isso com muito amor pela música, os fãs e os que estão no livro, mas nunca sabes o que esperar ou qual será o resultado! Eu adoro que as críticas tenham vindo directamente dos músicos e dos fãs… e as palavras usadas e a paixão e o entusiasmo… derretem o meu coração frio. Eu não acompanho as vendas, mas a resposta nas apresentações foi óptima!


M.I. - O livro foi lançado com uma banda sonora original composta e gravada por Uno Bruniusson. Por que optaste por adicionar som ao livro?

A ideia da banda sonora era proporcionar um ritmo e uma experiência interactiva que alterasse a mente das imagens, usando uma das primeiras formas de música, o som de percussão baseado na bateria. É um livro de fotografia de música, contém música e fotografia e foi criado num formato que espelha um álbum, revertendo o processo pelo qual as imagens musicais nascem. A fotografia musical existe por causa da música, a banda sonora que o leva de volta à origem da música existe por causa das imagens. O fim / morte torna-se o começo / nascimento, a serpente que come a sua própria cauda. O símbolo do livro é um Ouroboros. Foi inspirado num ritual de Macumba a que assisti no Brasil.


M.I. - Conseguiste tanto em 15 anos... quais são os teus objectivos para o futuro? Qual é o teu sonho agora?

Estou a entrar no que é conhecido como o vazio criativo, um espaço do nada. De entre. Há um final e um começo. Eu conheço o final, mas não o começo.


M.I. - De todas as bandas que já fotografaste, quais te marcaram mais e por quê?

Dependendo dos critérios a ter em consideração, daria respostas diferentes.


M.I. - Já tiveste que fotografar uma banda que não suportavas, mas ainda assim tinhas que o fazer pelo dinheiro?

No começo isso aconteceu e ensinou-me a evitá-lo a todo o custo no futuro.


M.I. - Existe alguma banda / artista que gostarias de fotografar e ainda não o fizeste?

Black Sabbath.


M.I. - Como acontece uma sessão fotográfica? As bandas pedem coisas estranhas?

Depende... às vezes recebo instruções específicas, outras é um processo colaborativo em que as ideias são reflectidas entre os artistas e eu (e/ou o management/editora/revista). Às vezes as ideias podem ir muito além daquilo que é considerado aceitável ou normal na sociedade, mas é algo com o qual não estou particularmente preocupada.


M.I. - Quão diferente é fotografar num estúdio ou num espaço ao ar livre? Que aspectos precisas de ter em consideração?

A principal diferença é que ao ar livre estás à mercê dos elementos e da luz, e no estúdio tens controlo total sobre ambos.


M.I. - Já tiveste que cancelar uma sessão por algum motivo?

Que eu me lembre tive que cancelar 3 sessões: uma porque não havia aviões devido ao tempo, outra porque parti o pulso e acabei no hospital e a última por causa de doença. Nunca cancelo de ânimo leve! Já fiz a cobertura de um festival um dia inteiro depois de ter passado a noite no hospital.


M.I. - Quem gere a tua carreira?

Eu. Sou negócio de uma mulher só.


M.I. - Há exposições do teu trabalho em galerias... há muito interesse por este tipo de exposição? A exposição estará em tournée?

Fiz algumas exposições em galerias e a resposta foi positiva. Há alguns planos de levar a exposição no Triptych em Kiev para outros lugares, mas ainda não há detalhes.


M.I. – Limitas o teu trabalho a fotografar bandas ou fazes outro tipo de trabalho também?

Eu trabalho muito com artistas que trabalham com vidro e cerâmica.


M.I. - Qual é a melhor coisa sobre o teu trabalho?

Imortalizar momentos fugazes, a maioria das pessoas com as quais eu me encontro e trabalho e os desafios que esses trabalhos me trazem diariamente.


M.I. - Se pudesses voltar atrás no tempo e conhecer a Ester Segarra em 2000, o que lhe dirias?

Aguenta-te firme! Está no bom caminho! Vai ser longo, vai ser difícil, mas acima de tudo, será selvagem! Segue em frente e deixa estar.


M.I. - Qual é o teu género musical favorito?

Black.Death.Doom.


M.I. - Conheces muitos artistas na cena underground e viajas muito... como é a cena? As pessoas realmente dão-se bem ou há muita inveja?

Encontras um grande sentido de camaradagem mas, tal como nas melhores famílias, há altos e baixos.


M.I. - Muito obrigado pelo teu tempo, Ester! Tudo de melhor para ti! Por favor, partilha algumas palavras com os fãs do teu trabalho e os leitores da Metal Imperium.

Muito obrigado pela entrevista.
"É impossível", disse o orgulho
"É arriscado" disse a experiência
"É inútil", disse a razão
"Experimenta" sussurrou o coração.
Segue o teu coração. Sempre.


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Entrevista por Sónia Fonseca